violência policial

STF cobra do RJ plano para reduzir letalidade policial

Em maio de 2021, o ministro Edson Fachin, relator da ação, propôs 11 medidas para combater a letalidade policial no estado

Luana Patriolino
postado em 04/02/2022 06:00 / atualizado em 04/02/2022 17:56
 (crédito: Mauro Pimentel/AFP - 6/5/21 )
(crédito: Mauro Pimentel/AFP - 6/5/21 )

O Rio de Janeiro tem 90 dias para apresentar um plano para reduzir a letalidade policial e controlar as violações de direitos humanos pelas forças de segurança do estado. A decisão foi tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635 — a ADPF das Favelas.

Em maio de 2021, o ministro Edson Fachin, relator da ação, propôs 11 medidas para combater a letalidade policial no estado e, ontem, os magistrados votam os itens para entrarem em vigor definitivamente. Os principais são:

» Elaboração de um plano para reduzir a letalidade policial e controlar violações de direitos humanos pelas forças de segurança no prazo de 90 dias;

» Excepcionalidade na realização de operações policiais até o plano seja apresentado. No intervalo, as incursões devem considerar as diretrizes fixadas pelo ONU para uso da força e das armas de fogo por agentes policiais;

» Progressividade no uso de meios letais, cabendo às forças de segurança examinarem, diante das situações concretas, a proporcionalidade e a excepcionalidade do uso da força;

» Prioridade absoluta nas investigações de incidentes que tenham como vítimas crianças e adolescentes;

» Disponibilização de ambulâncias em operações policiais previamente planejadas em que haja a possibilidade de confrontos armados;

» Mandados domiciliares devem ser cumpridos apenas durante o dia;

» Instalação de equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes em 180 dias.

Na avaliação do especialista em segurança pública Leonardo Sant'Anna, as ações propostas na ADPF não são suficientes para coibir a violência nas comunidades. "Temos falhas governamentais graves sem qualquer perspectiva de mudança, como desemprego, educação precária e nenhuma assistência econômica que minimize ou se compare à que é entregue pelo crime organizado", aponta.

O advogado criminalista Bernardo Fenelon acredita que as medidas impactam diretamente a realidade das operações policiais. "Traria uma obrigação burocrática ainda maior na justificativa das ações em comunidades, quase que obrigando aos agentes públicos explicarem o nível de força que será usado em cada ação", ressalta.

A ADPF cresceu em importância depois da Chacina do Jacarezinho — o maior massacre promovido pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, que deixou 29 mortos. Os agentes que participaram da operação negaram qualquer irregularidade.

O advogado Beethoven Andrade, presidente da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB-DF), ressalta a necessidade de reduzir a violência nas favelas e aponta como a população negra é prejudicada. “Não fica nítida a pretensão do Estado, sobretudo, se observado o alto custo dessas operações. Outro ponto, mortes de civis não podem ser tratadas como efeito colateral, o combate ao tráfico de drogas, se essa for a justificativa do Estado, não pode servir como aparato para extermínio do povo preto", destaca.

À época, em entrevista coletiva, o delegado Rodrigo Oliveira, que esteve à frente da invasão da comunidade para cumprir mandados de prisão, chegou a dizer que a repercussão do caso seria resultado de "ativismo judicial". Há relatos dos moradores do Jacarezinho de perseguições de suspeitos seguidas de execuções sumárias.

 

Palavra de especialista


Violência

O que temos no Brasil é uma democracia descontinuada geograficamente, pois se no Leblon (RJ) valem as garantias constitucionais, na Rocinha, por exemplo, não valem. Então, na prática, não há garantia nenhuma. A entrada do STF nesta questão é consequência do nível assustador que a violência policial atingiu no Rio de Janeiro. As medidas propostas não são novas e nem deveriam ser tratadas como extraordinárias. Em verdade, compõem um conjunto de defesas da cidadania decorrentes de garantias constitucionais. Para que valha a lei, o Estado não pode ser o promotor de ações ilegais, ou é garantido o direito a todos ou ninguém está seguro, pois não é razoável que sejam feitas buscas a esmo, sem motivo justificado e autorização legal, dentro da casa de qualquer cidadão e, certamente, não é tolerável que ações praticadas por agentes do Estado que levem a morte de crianças passem livres de investigação.

Vinícius do Carmo, sociólogo pela Universidade de São Paulo (USP)

 


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