RIO DE JANEIRO

Déficit habitacional é uma das faces do descaso em Petrópolis

Analistas reconhecem que a falta de vontade política para atacar o problema é um dos empecilhos

A devastação de Petrópolis traz à tona um dos maiores problemas brasileiros: o elevado deficit habitacional, que se torna uma ameaça para as pessoas que vivem em áreas de risco ou nas ruas. O consenso entre analistas é de que, para resolver a questão, é preciso um bom programa de política habitacional, com planejamento urbanístico coordenado entre os governos federal e locais.

Analistas reconhecem que a falta de vontade política para atacar o problema é um dos empecilhos. Pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), Ana Maria Castelo lembrou que o último dado oficial — que está desatualizado — indicava um deficit habitacional de 5,9 milhões de moradias em 2019.

Ela ressaltou que a pandemia de covid-19 piorou a situação por causa do desemprego. Ampliou o número de pessoas que vivem nas ruas e empurrou muitos brasileiros para morar em áreas de risco.

"Os governos conhecem essas áreas e sabem que é um desastre anunciado. As autoridades fecham os olhos para a irregularidade dessas pessoas vivendo em áreas irregulares e de risco, porque não há vontade política para atacar de forma efetiva esse deficit habitacional crescente", lamentou.

Especialistas lembram que os programas para a construção de moradias não resolvem o problema, pois são mal elaborados. Além disso, salientam que grande parte das pessoas que necessitam das casas populares subsidiadas não consegue arcar com os custos do imóvel.

Victor Carvalho Pinto, coordenador do Núcleo Cidade e Regulação do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper, lembrou que muitas unidades oferecidas às populações mais pobres são distantes dos locais de trabalho e sem infraestrutura. Como alternativa, ele sugere mais projetos voltados para a revitalização de prédios abandonados nos centros urbanos e o subsídio de aluguel.

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Responsabilidade

Ao ser questionado sobre o monitoramento e a fiscalização, o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) informou que "a fiscalização de moradias irregulares não é uma competência do governo federal, e sim do municipal". Mas, na avaliação do professor do Insper, a culpa dos desastres como o de Petrópolis não é apenas do município ou da natureza.

"Há vários fatores que contribuem para essa situação, mas o mais importante, e que ninguém comenta, é que a provisão de infraestrutura nessas áreas de risco, como energia elétrica, acaba sendo determinada pelo governo federal mesmo nas áreas irregulares. E isso impede os municípios de cumprirem o plano diretor, porque sabem onde são as áreas de risco — elas estão mapeadas no plano diretor das cidades", observou.

Na avaliação de Carvalho Pinto, o Minha Casa Minha Vida, sepultado pelo governo Bolsonaro em janeiro de 2021, demandou cerca de R$ 500 bilhões de gastos do governo federal e "não reduziu o deficit habitacional". Para ele, o programa substituto, o Casa Verde Amarela, não mudou o quadro.

De acordo com o MDR, o governo federal "contratou mais de 497 mil unidades habitacionais financiadas com recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), o que corresponde a mais de R$ 66,6 bilhões". Na próxima segunda-feira, o ministério entregará 219 moradias do programa a famílias de baixa renda em Jaru (RO). O empreendimento recebeu R$ 14,2 milhões de investimentos federais, "além de contrapartida de R$ 1 milhão do governo estadual".