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Exu e Grande Rio ganham carnaval

Escola de Duque de Caxias se consagra campeã, pela primeira vez, com um desfile em homenagem à divindade de origem africana, em manifestação contra a intolerância religiosa

ISABEL DOURADO* RAPHAEL PATI* Naum Giló*
postado em 27/04/2022 00:01

Com um desfile em homenagem ao orixá Exu, o mensageiro entre o mundo espiritual e os seres humanos, a Acadêmicos da Grande Rio conquistou o inédito título de campeã do carnaval do Rio de Janeiro. A escola foi vice-campeã em 2006, 2007, 2010 e 2020.

Com o enredo Fala, Majeté! Sete chaves de Exu, os carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora homenagearam o orixá que é equivocadamente associado à figura do diabo. A figura de Exu foi usada para combater a intolerância religiosa e derrubar aspectos negativos da divindade africana.

"O enredo é a desmistificação de Exu, é falar essa verdade do povo de Caxias, vendo a grande Rio ser campeã. Caxias é o lugar do Rio de Janeiro com maior número de terreiros de candomblé e de umbanda. A Grande Rio quando fala da verdade, a verdade não mente!", disse um dos autores do samba-enredo da escola campeã, Arlindinho Cruz.

O ator Demerson D'Alvaro, de 35 anos, personificou a divindade no enredo da Grande Rio. Filho de evangélica e neto de umbandista, ele diz não frequentar templos ou igrejas, mas crê em Deus. Para interpretar Exu na Sapucaí, ele se preparou com uma mãe de santo da família, de nome Rute e recebeu patuás vindos especialmente da África.

O carioca também contou com a ajuda da esposa Isadora, adepta do candomblé, indicando-lhe leituras sobre a religião. Demerson fez pesquisa de campo dos axés e estudou sobre os balés afros da Bahia. Antes de entrar na avenida, lavou as mãos com uma água de ervas para garantir proteção e abrir caminhos.

A Grande Rio terminou a apuração com 269,9 pontos, três décimos à frente da Beija-Flor. Com alegorias fortes, muitas em tom vermelho, a escola campeã utilizou uma estética rústica, com retalhos e materiais recicláveis. Participaram do desfile campeão celebridades como Monique Alfradique, Bianca Andrade, Pocah, David Brazil, Gil do Vigor e a rainha de bateria Paolla Oliveira como Pombagira, a representação feminina de Exu.

A atriz comemorou a vitória em uma rede social. "Que felicidade fazer parte desse momento! Campeã do Carnaval 2022", disse.

Contra o racismo

Além de apresentar elementos de religiões de matriz africana, os desfiles de carnaval dos grupos especiais de São Paulo e do Rio foram marcados por manifestações contra o racismo.

A Beija-Flor de Nilópolis, que ficou em segundo lugar na classificação geral com o enredo "Empretecer o pensamento é ouvir da voz da Beija-Flor", destacou a mensagem "Black Lives Matter" (Vidas negras importam), em referência ao assassinato de George Floyd em maio de 2020.

A Acadêmicos do Salgueiro desfilou com o enredo "Resistência". O tema, escolhido pela escritora Helena Theodoro, buscou enfatizar como o povo negro lutou para preservar a sua cultura.

A pesquisadora Juliana Nunes, da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, nota que a valorização da cultura negra é uma tradição no carnaval. "A cultura negra é a raiz e a base do carnaval brasileiro. Foi interessante perceber que este ano isso se deu de forma ainda mais enfática", comentou.

"Quando essas escolas vão para a avenida e fazem toda essa afirmação, não só da cultura negra, mas das religiosidades de matriz africana, mostram que estão do lado da comunidade negra e do terreiro. Esse dos recados mais importantes que o carnaval deste ano deu à sociedade", conclui Nunes.

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