"Eu quero que todos vocês, não indígenas, voltem seus olhos para esta terra! E sabem o por que queremos isso? Para que todos os líderes não indígenas venham rapidamente nos apoiar. (...) Tenham urgência! Já que vocês têm muita força, vejam que nós, Yanomamis, estamos mesmo sofrendo. Tudo isso está muito evidente. Por isso, peço urgência que façam uma barreira nesse rio [para impedir a entrada de invasores], quero que fechem rapidamente o acesso aos garimpeiros. Por que a entrada deles é permitida? Eu não aceito isso!". Esse foi um trecho do apelo de uma das lideranças do palimiú, comunidade indígena das terras ianomâmis, no estado de Roraima, trazido no relatório Yanomami sob ataque, da Hutukara Associação Yanomami (HAY), em março deste ano.
Desde o ano passado, as notícias de invasões de garimpeiros em terras ianomâmis se agravaram, culminando na tragédia denunciada, na última semana, em que tia e duas sobrinhas, uma de 12 anos e a outra de 4 anos, na região de Waikás, foram surpreendidas por invasores garimpeiros. Levadas à força até acampamento ilegal de ouro, os homens violentaram a pré-adolescente até a morte e jogaram a menor no rio. A tia tentou contê-los, mas foi impedida.
De acordo com João Nunes Cruz, antropólogo da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Programa Povos Indígenas do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), o aumento da violência em terras indígenas está diretamente ligada ao protagonismo que o governo Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados inspiram. "Essa coletânea vasta de preconceito, ataques, declarações antirrepublicanas inspira ações de criminosos nas pontas, nas bases. Quando [Bolsonaro] fala para pegar uma arma e defender os seus direitos, eles acham que podem invadir as terras indígenas, sobretudo, usando a violência. As pessoas se sentem empoderadas pelo discurso do maior líder da nação", analisou.
Os ianomâmis são um povo considerado de recém-contato, de acordo com a Fundação Nacional dos Índios (Funai), são grupos que mantêm relações singulares de contato permanente ou intermitente com segmentos da sociedade, mantendo uma seletividade na incorporação de bens e serviços. Ao longo da história, essa etnia foi uma das que mais sofreu no contato com os "brancos", centenas de pessoas foram dizimadas por questões econômicas, principalmente. E o embate se mantém até hoje.
De acordo com o relatório da HAY, a exploração ilegal de ouro na região é o principal problema. Desde que começou o monitoramento, em 2018, a devastação concentrada em Waikás, por exemplo, mais do que dobrou, passando de 1.200 hectares para 3.272 hectares, em dezembro de 2021.
A deputada federal e única representante indígena na Câmara dos Deputados, Joenia Wapichana (Rede-RR), destacou que a situação estarreceu por causa do encorajamento do próprio presidente à atividade e incentivo na mudança da legislação para regulamentar o garimpo, com a tramitação do projeto de lei que pretende regulamentar atividades como o garimpo, o PL 191/2020. "O governo fez de tudo para sucatear os órgãos de fiscalização ambiental para que diminuíssem o poder. Além disso, fez um desmonte na legislação indigenista para flexibilizar o licenciamento e há uma disputa dentro do Congresso para diminuir a rigorosidade em relação às políticas ambientais. A conjuntura favoreceu as invasões e a violência nas terras indígenas. Os garimpeiros não estão dando nem mais importância à legislação", relatou.
Na avaliação de Cruz, a relação dos povos indígenas com os governos sempre foi tensa, mas, com o atual, a presença constante do autoritarismo é um fator preocupante. A gestão tem acontecido sem abertura para o diálogo com os povos, sem a promoção de processos de consulta às ações que os impactam processos regimentais estabelecidos anteriormente, como a política nacional de gestão territorial e ambiental. "Nos últimos tempos, haviam os canais de diálogo, os fóruns, os colegiados para elaboração de política. A diferença é o peso autoritário deste governo. Foi radicalizado o desenvolvimento predatório e posto em uma agenda autoritária para fazer valer", disse.
Conivência
Tsitsina Xavante, tem 36 anos, é militante e atuante na defesa aos direitos humanos dos povos indígenas. Ela vem do povo Xavante, maior população indígena do Mato Grosso, estimada pelo último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com 22 mil pessoas, distribuída em 42 povos, dividido em nove terras.
"Infelizmente, com essa questão econômica, alguns fazendeiros aliciam e cooptam as lideranças [indígenas], na totalidade homens, para arrendar a terra indígena, para fazer a extração e para criar gado. Isso acaba gerando conflitos internos", pontuou Tsitsina, originária da comunidade São Marcos, que passa pelo problema da extração de madeira e arrendamento ilegais.
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