Amazônia sem lei

Pressão por troca na Funai

Indignados com a morte de Bruno e Dom, servidores da autarquia exigem que o atual presidente, Marcelo Xavier, seja destituído

rafaela martins tainá andrade isadora albernaz*
postado em 16/06/2022 00:01
 (crédito: Rafaela Martins/CB/D.A Press)
(crédito: Rafaela Martins/CB/D.A Press)

Tão logo o grupo de autoridades que investiga o desaparecimento de Bruno Araújo Pereira e Dom Phillips confirmou, em Manaus, que restos mortais que podem ser do indigenista e do jornalista foram encontrados na região do Vale do Javari (AM), um grupo de servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) se reuniu em frente à sede da entidade, em Brasília, para protestar contra o crime e denunciar um progressivo desmonte da autarquia. Eles pediram a saída do presidente da instituição, Marcelo Xavier — a quem acusam ser o principal responsável pela desconstrução da Funai.

"Isso não começou hoje. Desde que ele (Xavier) sentou aqui, tem servidor nosso morrendo em campo — e nada foi feito. Não temos o mínimo de segurança para trabalhar", acusou Guilherme Martins, servidor da Funai.

Os integrantes da autarquia garantem que o presidente da instituição não garantiu a segurança daqueles que estavam procurando o indigenista morto no Vale do Javari. "Enquanto Bruno estava sendo violentamente assassinado no Rio Ituí, Marcelo Xavier estava difamando ele em rede nacional. O presidente concedeu duas entrevistas contando mentiras sobre o Bruno. Ele teve o escárnio de lançar um documento oficial difamando o Bruno e criminalizando-o. Xavier não tem o mínimo de dignidade para ocupar a cadeira da Funai. Por isso, os servidores estão em greve. Não aguentamos mais", salientou Martins.

O servidor da Funai disse, ainda, que "todos nós, indigenistas, somos o Bruno, hoje e sempre. A força dele vai continuar ecoando em todos nós, e vai reconstruir a política indígena que o governo desconstruiu".

Paralisação

Os servidores da fundação estão em greve nacional desde 13 de junho. Os funcionários exigem, entre outras demandas, a presença da Força Nacional nas três bases no Javari; uma força-tarefa para fazer um rodízio com os servidores que estão no local "dormindo em canoas", pois a base da Funai está em péssimo estado de conservação; e uma retratação de Xavier sobre a morte do Bruno.

O presidente da Funai acusou o indigenista de não ter pedido autorização para circular na região onde foi morto com Dom Phillips, no que foi desmentido pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) — que apresentou uma série de ofícios mostrando que Bruno tinha sido liberado pela fundação para ir à localidade.

"Estamos em greve pedindo ao ministro da Justiça, Anderson Torres, que retire o Xavier do cargo e atenda aos nossos pedidos. Tudo pode ser cumprido com uma canetada. A Força Nacional responde ao Ministério da Justiça. A força-tarefa já foi realizada na Funai em diversos espaços, e retratar-se em uma carta é o mínimo que um ser humano pode fazer", cobrou o representante do Sindicato dos Servidores Públicos Federais do DF, Gustavo Cruz.

Para Fernando Vianna, presidente da Indigenistas Associados (INA) e coordenador técnico do dossiê intitulado Fundação Anti-Indígena: Um retrato da Funai sob o governo Bolsonaro, a entidade "está capturada pelos interesses anti-indígenas. Esta gestão pegou a missão institucional da entidade e virou de ponta cabeça, do avesso. Queremos mostrar (o que acontece) para sociedade e discutir com atores que têm potencial para tomarem medidas judiciais".

Os funcionários lembram que o atual presidente da Funai é delegado da Polícia Federal. Em 2017, Xavier foi assessor parlamentar de integrantes da bancada ruralista que atuou na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Funai, que investigou o órgão e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

De acordo com funcionários, atualmente das 39 coordenações regionais da autarquia, 17 são comandadas por militares, três por policiais militares e uma por um policial federal.

Um funcionário da Funai, que preferiu não se identificar, acusa Xavier de utilizar o aparato da PF para intimidar indigenistas e indígenas. "Quem trabalha em favor dos indígenas, é afastado. Os servidores que fazem o trabalho direito são atacados", afirmou.

De acordo com o antropólogo Ricardo Verdum, coordenador da Comissão de Assuntos Indígenas da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), a colocação de figuras de fora do quadro da Funai em postos de comando é uma estratégia explícita de desmonte: "O órgão está completamente controlado por militares. O próprio presidente é delegado da PF e também representa interesses do agronegócio da região do Mato Grosso do Sul", acusou.

Verdum aponta ainda os antropólogos conhecidos como "contra laudistas" que estão sendo incorporados à Funai desde 2019. Segundo ele, são "pessoas de dentro da 'nova' Funai, contrárias à identificação dos territórios indígenas".

"Não dá para dizer que eles sejam antropólogos. Essas pessoas que estão sendo chamadas para assumir os grupos técnicos não se enquadram na experiência reconhecida pela Associação Brasileira de Antropologia, mas, mesmo assim, a Funai os coloca nessa função", argumenta Verdum.

* Estagiária sob a supervisão
de Fabio Grecchi

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