O Ministério da Saúde promoveu, ontem, uma audiência pública para discutir a cartilha antiaborto publicada pelo governo federal, na qual diz que "todo aborto é crime". A pasta, porém, foi acusada de escutar apenas um lado, para reforçar o alinhamento com o presidente Jair Bolsonaro (PL) — que já explicitou ser contrário à interrupção da gravidez, mesmo em casos de estupro, conforme previsto no Código de Processo Penal (CPP). Entidades que discordam da classificação do aborto como crime enfrentaram dificuldades para participar da discussão.
O documento Atenção Técnica para a Prevenção, Avaliação e a Conduta nos Casos de Abortamento pretende orientar profissionais da saúde quando se depararem com eventos desse tipo. Na página 15, ao comentar os casos previstos no CPP, a cartilha traz esta observação:
"Não existe aborto 'legal' como é costumeiramente citado, inclusive em textos técnicos. O que existe é o aborto com excludente de ilicitude. Todo aborto é um crime, mas quando comprovadas as situações de excludente de ilicitude após investigação policial, ele deixa de ser punido, como a interrupção da gravidez por risco materno", observa.
Entre as organizações signatárias da carta em reação ao manual estão a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e o Instituto Fernandes Figueira, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Em relação ao trecho que indica que "todo aborto é um crime", as organizações ponderam que a declaração soa como tentativa do ministério "de confundir sobre a licitude do procedimento realizado dentro das hipóteses legais".
Crimininalização
A menção do documento à "investigação policial" também cria, segundo as entidades, insegurança jurídica aos profissionais, "que temerão uma investigação sobre cada decisão de cuidado que tomem sobre as mulheres". A cartilha sobre o aborto foi publicada primeiramente em 2005 e a última versão foi a discutida ontem.
Já o professor Osmar Ribeiro Colas, representante da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), destacou a insatisfação da entidade, que, segundo ele, não foi convidada a participar da elaboração do novo manual.
Para o secretário de Atenção Primária à Saúde (SAPS), Raphael Câmara Parente, que presidiu a audiência, o aborto não é um problema de saúde pública. Ele manifestou-se contrariamente à interrupção da gravidez e disse não querer fazer parte "dessa sociedade que acha normal matar bebês de sete, oito, nove meses na barriga". Apesar da recomendação do Ministério da Saúde para que o procedimento não seja realizado após as 22 semanas de gestação, a lei não estabelece um prazo-limite para cirurgia.
* Estagiária sob a supervisão
de Fabio Grecchi e com
Agência Estado
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