JUSTIÇA

Especialistas comentam decisão do STJ sobre plantio de maconha medicinal

Superior Tribunal de Justiça analisou ações de brasileiros que pediam direito de plantar sob prescrição médica e criticou inércia do Executivo diante do tema

A crítica do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério da Saúde conduzem ações referentes ao plantio de maconha para uso medicinal é alvo de debates entre especialistas. A falta de legislação, alinhada ao estigma social sobre o tema, levaram a Corte a analisar ações de pacientes que pedem o direito de plantar em casa.

Nesta semana, a Sexta Turma do STJ analisou dois recursos em conjunto, envolvendo os processos de três brasileiros para que o ato não fosse considerado crime. Em todos os casos, os remédios à base de maconha possuem prescrição médica.

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No julgamento, o ministro Rogério Schietti, relator das ações, apontou que o tema envolve "saúde pública" e criticou a falta de legislação específica no país. O posicionamento foi acompanhado pelos outros ministros. “Hoje, ainda temos uma negativa do Estado brasileiro, quer pela Anvisa, quer pelo Ministério da Saúde, em regulamentar essa questão. Nos autos, transcrevemos decisões dos órgãos mencionados, Anvisa e Ministério da Saúde”, declarou.

O direito às famílias foi concedido pelo STJ, em decisão inédita. Schietti ainda cobrou do Executivo uma posição e citou que as autoridades são inertes sobre o assunto.

“A Anvisa, transferindo ao Ministério da Saúde essa responsabilidade. O Ministério da Saúde eximindo-se, dizendo que é da Anvisa e, assim, milhares de famílias de brasileiros continuam à mercê da omissão, inércia e desprezo estatal por algo que, repito, implica a saúde e o bem-estar de muitos brasileiros, a maioria incapacitados de custear a importação dessa medicação”, criticou.

Jurisprudência

A advogada Juliana Vieira dos Santos destaca que a decisão do STJ, embora esteja focada em apenas duas ações, cria jurisprudência para tribunais da primeira e segunda instâncias de todo o país. “Decidiu, na verdade, o que já está na lei. Para fins medicinais e científicos, a importação de semente, plantio e produção do medicamento é conduta lícita porque não é constituída pelo dolo do artigo 33 da Lei de Drogas”, disse.

“A competência para isso é do Ministério da Saúde, conforme o artigo 14 do Decreto nº 5.912/2006, que regulamenta a Lei de Drogas. Tem sido a Anvisa, dentro do Ministério da Saúde, que tem regulamentado as questões relacionadas ao uso medicinal da cannabis”, concluiu Santos.

Para a advogada Emanuela de Araújo Pereira, especialista em direito penal, a decisão do STJ configura a quebra de um paradigma. “(A decisão é) Inovadora e com base na legislação e normas de países avançados que já utilizam esse tratamento de forma regulamentada”, destacou.

“Abre um importante precedente para que outras pessoas que passam pela mesma situação possam se socorrer da Justiça amparados nessa decisão. No julgamento, os ministros frisaram a importância de se analisar o caso com a seriedade que o tema requer, distinguindo claramente o uso medicinal da substância. Ademais, salientaram que o tema tem sido objeto de discussão de competência entre Anvisa e Ministério da Justiça, o que apenas tumultua a questão”, reitera o advogado Cristiano Vilela.

Vitória

O advogado criminalista André Feiges, membro-fundador da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas (Reforma), afirma que a decisão é uma vitória para os que necessitam de tratamento à base do óleo de cannabis e não podem comprar fora do Brasil. A importação do produto chega a custar R$ 3 mil.

“O impacto é, principalmente, por conta da falta de acesso no Brasil. Surge a possibilidade de que se faça o cultivo de uma planta medicinal que, no fim das contas, é uma planta tradicional que pode ser cultivada da mesma forma que pode ser cultivado um boldo, uma babosa, e outras plantas medicinais que os brasileiros já cultivam tradicionalmente”, destacou o especialista.

Procurada pelo Correio, a Anvisa afirmou que os produtos derivados de cannabis para venda no varejo farmacêutico no Brasil estão regulamentados pela agência desde 2019 e destacou que não regula sobre o plantio. “As autorizações existentes atualmente no país se deram pelo Poder Judiciário”, finalizou.

O Ministério da Saúde também foi acionado pela reportagem, mas não respondeu aos questionamentos da reportagem. (colaborou Raphael Pati*)

*Estagiário sob a supervisão de Andreia Castro

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