ENTREVISTA

"Brasil chegou a um ponto de inflexão no tema ambiental", diz Alfredo Pena-Vega

Para o sociólogo Alfredo Pena-Vega, diretor do Pacto Mundial de Jovens pelo Clima, as novas gerações estão mais preocupadas com as mudanças climáticas, mas devem ser estimuladas por políticas públicas

Victor Correia
postado em 04/07/2022 06:01 / atualizado em 04/07/2022 11:13
 (crédito:  Arquivo Pessoal)
(crédito: Arquivo Pessoal)

Os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips na região amazônica colocaram em discussão a falta de políticas públicas voltadas para a área socioambiental no Brasil, bem como o desmonte de instituições como a Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama).

Para o professor e pesquisador da Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais da França, Alfredo Pena-Vega, a situação atual do Brasil é trágica, considerando avanços importantes que foram realizados na preservação do meio ambiente no passado. Ele classifica os assassinatos recentes como “mais uma das tantas mortes que aconteceram no Brasil nos últimos anos”.

Pena-Vega é também diretor científico do Pacto Mundial de Jovens pelo Clima, um projeto mundial ligado à Organização das Nações Unidas que reúne jovens para discutir medidas de combate às mudanças climáticas e propor ações concretas para serem realizadas em seus países. O grupo apresenta as propostas na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança no Clima (COP) desde a COP21, realizada em 2015 na França.

O assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips colocou em evidência as dificuldades brasileiras na área socioambiental, especialmente na região amazônica. Como você enxerga essa questão?

Eu posso dizer, e não é novidade, que a imagem do Brasil lá fora é péssima. Péssima. É uma imagem, eu diria, de um desastre. Esse país que tinha uma postura de liderança no mundo, de repente é praticamente um país que perdeu sua grandeza. Embora com muita dificuldade, este país tentou ter uma política ambiental importante, uma luta contra o desmatamento importante. Existem pessoas que têm um reconhecimento muito forte lá fora. Por exemplo, a antiga ministra (do Meio Ambiente) Marina Silva, que ainda tem um reconhecimento como uma pessoa que combateu toda essa questão do desmatamento no Brasil.

Então a imagem do Brasil é ruim. Porém, existe também um movimento ambientalista que é importante, que trabalha com dificuldade, que trabalha com o risco de suas vidas. O drama que aconteceu nos últimos dias, a morte do indigenista, junto com o jornalista britânico, é mais uma das tantas mortes que aconteceram no Brasil nos últimos anos. O que é trágico. E não somente de ambientalistas, mas de indígenas que são mortos praticamente todos os dias, e que a mídia nacional e internacional não passam essa informação, porque verdadeiramente não tem esse impacto que teve um jornalista de outro país.

Eu acho que a situação hoje no Brasil é trágica também porque há uma negação daquilo que acontece. Há um negacionismo muito forte, e esse negacionismo, eu diria, é um câncer que a gente tem que extirpar logo, porque não é possível. Todos sabemos o que está acontecendo.

Qual a perspectiva que a situação brasileira melhore na área ambiental?

O Brasil chegou a um ponto de inflexão no tema ambiental. Hoje estamos a alguns meses do que vão ser as próximas eleições. Acho que nós temos que ter agora a esperança de que isso vai mudar. Se mudar, eu acredito sinceramente que as novas autoridades que vão chegar ao poder depois de outubro vão ter que ter uma política pública, uma política aberta, em direção ao problema do meio ambiente, das mudanças climáticas, e da proteção dos indígenas no Brasil. Principalmente, terão que ter uma política pública internacional para dizer: ‘o Brasil, nesse tema, com essa situação, vai mudar’.

Não muito longe daqui, na Colômbia, há um novo presidente, (Gustavo) Petro. O discurso dele foi: ‘meu governo vai focar principalmente na proteção do pulmão da América Latina, o pulmão do mundo’, que é a Amazônia colombiana. E a amazônia colombiana é também a brasileira, a equatoriana, a peruana e a boliviana. Então há uma esperança de que as coisas vão mudar. Nesse momento, na América Latina, você tem um presidente colombiano que faz esse discurso, você tem o do Chile, o da Bolívia, o argentino, que fazem o mesmo discurso. Você tem um presidente no Peru, que está com dificuldades mas que também faz esse discurso.

O senhor é diretor científico do Pacto Mundial de Jovens pelo Clima. O que é esse projeto?

Em 2014, eu comecei a organizar uma pesquisa para orientar principalmente uma categoria de jovens, que são adolescentes, que estão na escola, e como esses adolescentes se representam na crise climática. Não somente em relação à crise climática, mas também às outras crises que as mudanças climáticas trazem, como é a crise em relação à natureza, a pobreza, o problema político, e o problema também de educação. Então eu tentei elaborar uma pesquisa onde a crise climática era mais como um fio condutor para entender outras crises da sociedade. Essa foi uma pesquisa que começou em 2014, quando a França estava organizando a COP21, a conferência de Paris. Com meus colaboradores, tentamos identificar 10 países para começar a pesquisa, incluindo o Brasil.

A gente tem hoje mais de trinta países. São mais de 17 mil de jovens que participam. Não temos muitos projetos no Brasil, mas temos desde o começo São Paulo, em 2015. Temos outro grupo de trabalho no Sul, no Paraná, em Curitiba e no interior. Temos também um grupo de jovens que trabalham na região do Acre, que são de uma comunidade indígena. Eu diria que é um projeto para despertar as consciências dos jovens com relação à situação ambiental. Não é um projeto para formar especialistas do clima.

A preocupação com o meio ambiente está maior nas novas gerações?

Efetivamente, hoje há duas coisas que são importantes. Há uma grande curiosidade sobre os temas relacionados ao meio ambiente. Os jovens, e as jovens, se interessam muito pelo que está acontecendo. Eles têm ainda muita facilidade também para ter informação. Muitas vezes a informação não é muito boa, e por isso que nós sempre temos o acompanhamento científico para entregar conhecimento que vem da ciência, a gente não entrega conhecimento que vem da internet. Conhecimento de pesquisadores da física, da biologia, da física, das ciências do clima, sociólogos, antropólogos, geólogos, etc. A partir daí eles têm outro olhar sobre a realidade, outro interesse de poder eles mesmos participarem. Eles têm uma consciência ecológica muito mais forte do que antes. Então eu acho que, hoje, esses jovens estão muito mais preparados para lidar com as dificuldades que vão aparecer e que estão aparecendo, as crises que nós vamos viver e que estamos vivendo hoje. Não somente no Brasil, mas também em outras regiões do mundo.

O que pode ser feito, em termos de políticas públicas, para estimular esse interesse nos jovens?

Isso tem muito a ver com o projeto do país. Se o ministério do Meio Ambiente, se o ministério da Educação consideram essas informações importantes para os jovens. Se o jovem não tem conhecimento sobre isso, evidentemente não há uma boa implementação de uma política pública. Agora, e é muito importante ressaltar, há uma visão crítica dos jovens à maneira como as autoridades políticas tentam implementar esse tipo de política pública. Para muitos dos jovens que participam do nosso projeto, o problema fundamental é o modelo atual. É o modelo dominante, que está focado principalmente no crescimento, na economia de mercado, na rentabilidade, na industrialização sem nenhuma política ambiental. Governos que fecham os olhos frente à catástrofe e aos desastres ecológicos. Tudo isso os jovens têm condição de contestar. Por exemplo, o governo atual que está neste país, que não tem nenhuma visão para tentar mudar as coisas. Ele não têm nenhum interesse em implementar esse tipo de programa, porque é contra os princípios dele. Em outros lugares a gente tem dificuldade também, como alguns países da África, mas eu acho que isso é provisório. Eu sou bastante otimista, porque eu vejo que esse tipo de governo não vai se perpetuar. As forças de inteligência e de criatividade são muito mais fortes.

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