Exumando um automóvel

Correio Braziliense
postado em 04/08/2022 00:01

Nem só de plástico e de ferro é feito um carro — ao contrário: quanto mais moderno um veículo é, maior a variedade de materiais usados para compô-lo. E, do ponto de vista ambiental, isso é uma faca de dois gumes. Se, por um lado, os veículos novos são menos poluentes, por outro, os mais velhos eram mais fáceis de serem reciclados.

O primeiro carro fabricado pela Volkswagen no Brasil, a Kombi, de 1957 , era quase todo formado por aço — carroceria, pára-choques, rodas e tanque de combustível. Tudo produzido com algum material ferroso, o que facilitava a reciclagem.

Já um dos carros mais modernos do momento, o Tesla Model X P100D Long Range, um veículo elétrico, é composto por uma série de materiais, como vidros climatizados anti-UV, ligas de alta resistência, rodas com acabamento em fibra de carbono e uma enorme gama de materiais eletrônicos que tornam o veículo mais tecnológico.

A variedade de elementos em um automóvel mostra que o problema do descarte incorreto deve ser avaliado não apenas pela quantidade de resíduos que vão parar no meio ambiente, mas pelo quão perigosos eles podem ser. Dentro de um carro comum há metais pesados, ácidos corrosivos e líquidos contaminantes que podem transformar as sucatas em armas químicas.

Alexandre Aguiar, doutor em Saúde Pública pela USP, classifica os sistemas eletrônicos como um dos que causam maior dano ao planeta caso descartados incorretamente. "A eletrônica embarcada tem na composição materiais muito complicados. No Brasil não temos tanta restrição para uso de materiais complicados, como o chumbo, que são bastante perigosos", explica.

O chumbo também está presente na bateria dos carros, que ainda tem na composição o eletrólito — uma mistura de ácido sulfúrico com água. São produtos extremamente tóxicos, que ao serem manipulados sem proteção podem causar de intoxicações crônicas à corrosão da pele humana.

Em alguns componentes eletrônicos, como interruptores de iluminação, desembaraçantes, telas de entretenimento e navegação, faróis de alta densidade e sensores de air bag, é encontrado até mesmo mercúrio. Ao entrar em contato com o corpo humano, o mercúrio pode ficar acumulado nos rins, fígado e sistemas digestivo e nervoso e causar uma série de doenças que vão desde depressão e ansiedade até perda de visão e doenças cardíacas.

Um carro abandonado — seja em uma garagem, um depósito ou um ferro-velho - pode se tornar uma bomba relógio. Se, a olho nu, só é possível assistir a tintura do veículo desbotando e dando lugar à ferrugem, por dentro, os componentes do carro começam a se desfazer ou a vazar. Metais pesados do motor, resíduos de gasolina, óleos e fluídos hidráulicos, de freios e do ar-condicionado, tudo isso pode ir parar no solo e, posteriormente, nos lençóis freáticos.

Risco de contaminação

O professor Harrison Lourenço Corrêa alerta para o risco dos materiais que ficam em contato direto com os fluidos do veículo — combustíveis, óleos de arrefecimento e lubrificantes. Entre eles, estão o tanque de gasolina e as mangueiras. "São materiais plásticos que estão contaminados. É preciso fazer um tratamento de descontaminação e uma disposição adequada para esses materiais. Jamais deve ser feito um descarte inapropriado", explica.

O filtro de óleo de um automóvel, por exemplo, pode reter até 250ml do produto. Se esse objeto não for descontaminado, o líquido pode parar no meio ambiente. Um litro de óleo é capaz de poluir 20 mil litros de água.

Outro fluido perigoso é o gás utilizado nos sistemas de ar condicionado dos veículos. "Em geral, para essa finalidade são utilizados gases halocarbonetos (CFC´s). Esses gases, além de contribuir para o aumento do efeito estufa, têm uma ação destruidora da camada de ozônio, que limita a entrada de radiação ultravioleta na atmosfera terrestre", explica Daniel Castro, professor de engenharia da energia do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG) e autor do livro Reciclagem & Sustentabilidade na Indústria Automobilística.

Na obra, lançada em 2012, ele detalha possibilidades de reciclagem para o fluido. "Eles podem ser retirados dos sistemas de ar condicionado dos veículos e armazenados em tanques para sua posterior reutilização em sistemas de ar condicionado de veículos novos ou para recarregar sistemas de ar condicionado de veículos em funcionamento", detalha. (PG e AB)

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