Pobreza Menstrual

Nova lei se mostrou insuficiente para reduzir a pobreza menstrual

A busca da dignidade no ciclo de meninas e mulheres em todo o país ainda é pauta majoritária de grupos e organizações da sociedade civil

Taísa Medeiros
postado em 14/08/2022 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

As políticas públicas elaboradas a nível nacional para o enfrentamento da pobreza menstrual ainda patinam. Desde a sanção do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual — inicialmente vetado pelo presidente Jair Bolsonaro e, posteriormente, com veto derrubado pelo Congresso, em março deste ano — não houve, por parte do Ministério da Saúde, a definição de regras nem orçamento para a implementação das iniciativas de distribuição de absorventes.

Desde que o problema veio à tona, tal papel vem sendo cumprido pelos estados, que criam em suas Assembleias Legislativas programas que pautam, principalmente, o debate sobre o tema e a distribuição de absorventes. É o caso do estado de São Paulo, por exemplo, que implementou política ampla para a garantia dos insumos. "Muitos estados desenvolveram leis específicas de promoção da dignidade menstrual, com entrega de absorventes, por exemplo, nas escolas", cita a oficial de Gênero, Raça e Etnia do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA Brasil), Luana Silva.

No entanto, Luana chama a atenção para a falta de metodologias específicas para o enfrentamento à pobreza menstrual de maneira alinhada. "A gente não está falando apenas de insumo. Quando a gente fala em pobreza menstrual, a gente fala sobre uma das dimensões da pobreza. Tem a questão do insumo, que é o absorvente, coletor, etc., e dimensões mais complexas, como a falta de saneamento básico, como a falta de conhecer o seu corpo", detalha.

Apesar da conquista do Programa a nível nacional, articulada tanto por membros do Congresso quanto por entidades da sociedade civil, a lentidão na sua implementação denota a falta de prioridade às políticas públicas relacionadas à saúde da mulher. É o que explica a ativista feminista negra e doutoranda em política social pela Universidade de Brasília (UnB) Marjorie Chaves.

"A questão é que, em uma sociedade patriarcal, as mulheres ainda necessitam reivindicar direitos humanos e, quando conquistam direitos por meio de instrumentos legais, não têm garantias da sua manutenção", destaca. "O veto do presidente confirma a degradação das políticas para as mulheres no atual governo, com o desvio de finalidade de órgãos governamentais criados para atender a essas demandas, como a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres ligada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que, mesmo chefiada por uma mulher, assume um caráter sexista", pontua a pesquisadora.

A resposta positiva aos anseios dos grupos mobilizados pela causa, em forma de aprovação do Programa, não encerra o capítulo em busca da garantia dos direitos. "O próximo passo é exigir a regulamentação do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual para assegurar a oferta gratuita de absorventes higiênicos e outros cuidados básicos de saúde menstrual", frisa Marjorie.

Luana destaca que, felizmente, a nível estadual, o Brasil teve boas respostas para o fomento da dignidade menstrual de meninas e mulheres. A ação é especialmente importante em um momento que o país tem dados alarmantes quando comparado ao restante do mundo. "A média mundial é de que uma em cada dez meninas deixa de frequentar a escola no período menstrual. O nosso relatório, da UNFPA, evidenciou que, no país, uma em cada quatro meninas deixa de ir à escola no período menstrual. Então toda essa narrativa nos mostrou que a gente vive uma realidade bem complexa de pobreza menstrual", resume a oficial.

Debate

A questão da pobreza menstrual recebe evidência especialmente desde o ano passado, após o lançamento do relatório Pobreza Menstrual no Brasil — Desigualdades e Violações de Direitos, elaborado pela UNFPA e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Com os dados, foi possível ter-se uma ideia da dimensão do desafio brasileiro, bem como fomentar-se o debate em torno de políticas públicas de enfrentamento.

Apesar de a menstruação ser um fenômeno biológico saudável, natural e essencial para a saúde da mulher, em um país onde 60 milhões de pessoas menstruam, segundo o Relatório Livre Para Menstruar, de 2021, estima-se que cerca de 713 mil sofram com a escassez de itens de higiene menstrual.

A psicóloga e doutoranda em psicologia na Universidade Federal Santa Maria (UFSM) Mariana de Almeida Pfitscher estuda o tema a fundo, e explica que o diálogo e a emergência de pensar a pobreza menstrual vêm se dando com mais força nos últimos anos. "Entendo que nos últimos anos houve um aumento de discussões voltadas à pobreza menstrual, e isso tem movimentado universidades, pesquisadoras, profissionais das políticas públicas, a mídia, todos trazendo informações para que nós possamos articular ações", aponta.

Como solução imediata, a distribuição de absorventes foi a perspectiva adotada por grande parte dos entes federativos. No entanto, o debate não pode parar nesse estágio, destaca Mariana. "Precisamos construir ações voltadas à coletividade, pensando uma educação para a saúde, com garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, e olhar para isso como uma pluralidade democrática, pensando que existem diferentes formas de combater, construindo diferentes espaços de trabalho para cada região, por exemplo", salienta.

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