ELEIÇÕES 2022

Minas pode eleger indígena para o Congresso pela primeira vez

Bancada do cocar quer eleger Célia por Minas, Sonia Guajajara em São Paulo, Kerexu Yxapyry em Santa Catarina e Joenia Wapichana em Roraima

Márcia Maria Cruz - Estado de Minas
postado em 19/08/2022 13:27
 (crédito:  Edgar Kanaykõ/Divulgação)
(crédito: Edgar Kanaykõ/Divulgação)

Uma articulação nacional denominada bancada do cocar pretende mudar o cenário de sub-representação dos povos indígenas na política brasileira. O cacique Mário Juruna, eleito deputado federal em 1982, fez história. Mas, desde então, a presença indígena não aumentou no Congresso Nacional.

Neste ano, 177 indígenas concorrem nas eleições gerais: 0,62% de todos os registros de candidatura no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em Minas Gerais, são seis candidaturas (0,24%), o triplo das candidaturas de 2018, quando foram apenas duas.

Um dos nomes que despontam com chances reais de conquistar uma cadeira nacional é Célia Xakriabá (Psol), que se candidata pela primeira vez e disputará cargo de deputada federal por Minas. A bancada do cocar pretende eleger Célia por Minas, Sonia Guajajara em São Paulo, Kerexu Yxapyry em Santa Catarina e Joenia Wapichana em Roraima.

Se Joenia for reeleita e as outras duas eleitas, pela primeira vez a Câmara dos Deputados terá quatro indígenas como representantes. Um marco depois da eleição de Juruna. Também há de se comemorar que nas eleições municipais de 2020 cresceu a representação indígena nas câmaras municipais, conforme demonstrou levantamento da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e do Instituto Socioambiental (ISA). No primeiro turno, os povos originários obtiveram 213 cadeiras nas câmaras municipais, 10 prefeituras e 11 postos de vice. Em Minas Gerais, há 11 vereadores indígenas.

Primeira deputada indígena por Minas


O Psol aposta todas as fichas na candidatura de Célia, que poderá ser sucessora da deputada federal Áurea Carolina, que não tentará a reeleição. Áurea foi campeã de votos nas eleições que participou, levando a representatividade das mulheres negras para o parlamento. Internamente no Psol, o partido brinca que Áurea passará o bastão da "bancada do turbante" para a "bancada do cocar".

"Não se trata somente de ocupar uma cadeira no Congresso Nacional. Se trata de um compromisso de Minas eleger, pela primeira vez na história, uma mulher indígena", diz Célia.

A candidata faz frente à política adotada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) em relação aos povos indígenas, como a tentativa de liberação da mineração em territórios indígenas e mudança nos processos de demarcação. "O governo Bolsonaro nos colocou numa situação de emergência humanitária de existência. Ocupar uma cadeira no Congresso Nacional é garantir nossos processos de vida."


Célia faz uma provocação ao fato de não haver nenhum indígena eleito por Minas na bancada federal. "Todo mundo fica entristecido quando lembra do placar de 7 a 1 contra a Seleção Brasileira na última Copa, mas ninguém nunca questionou o placar de Minas no Congresso. São 53 vagas a zero. Não existe presença indígena no Congresso Nacional." Dos 513 deputados, só há uma indígena, a deputada Joenia Wapichana.

O mundo está de olho

  • povo Xakriabá tem cerca de 12 mil pessoas no território demarcado em Minas Edgar Kanaykõ/Divulgação

As candidaturas indígenas apresentam pautas relacionadas à preservação do meio ambiente e à demarcação das terras indígenas. Mas, para defender a agenda do que Célia denomina de "redemocratização do acesso à terra", os indígenas podem bater de frente com a bancada ruralista. Mas Célia não teme o embate e acredita que tem apoio internacional nessa batalha.

Essa avaliação se baseia no fato de a questão climática está na ordem do dia na política mundial, fazendo com que os olhares se voltem para as candidaturas indígenas. "Protegemos 83% da biodiversidade do mundo. Se somos bons para fazer isso, por que não somos bons para ocupar a política?", pergunta. Sonia mesmo responde: "Na verdade, somos mais que bons. Estamos preparados."

Deputado federal é um cargo de representação nacional, mas nos casos das candidaturas indígenas tem alcance internacional, uma vez que há muita visibilidade internacional em relação à preservação da Amazônia e dos povos indígenas."Em quatro anos do Governo Bolsonaro, nós fomos os ministros do meio ambiente".

Célia aposta na eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência e espera que ele cumpra as promessa de criar um Ministério Indígena e de não liberar a mineração nos territórios indígenas. "Lula já entendeu que as questões da diplomacia internacional perpassam por nós, tanto as questões ambientais quanto da economia. O Brasil precisa assumir as candidaturas indígenas. Ter indígenas no Congresso Nacional é um ganho para a democracia brasileira."

Célia espera que se eleita possa atuar em conjunto com o que ela chama 'bancada da terra' e 'bancada das mulheres'. "Podemos eleger conosco, indígenas, uma bancada da terra." Ela se refere a candidaturas ligadas aos movimentos de sem-terra e movimentos de sem-teto. Um dos nomes é Guilherme Boulos, que poderá ter votação expressiva m São Paulo, possibilitando que o Psol consiga eleger uma bancada maior para a Câmara dos Deputados. "Boulos está com a perspectivas de ser eleito com mais de 1 milhão de votos e vai levar oito pessoas com ele. Sônia Guajajara tem grande possibilidade de ser eleita em São Paulo".

Demarcação de terras


A demarcação das terras indígenas é apontado pela ONU como uma das formas de barrar a crise climática. Em Minas, os indígenas fazem um enfrentamento à mineração. "Esta eleição não é de pauta e de bandeiras. É uma eleição pelo planeta. Sem o planeta não vai existir diversidade, não vai existir alimento, não vai existir humanidade. A nossa chegada é muito mais que no Planalto Central. É no planeta central, a Terra".

"É preciso ter coragem para enfrentar a mineração, mas somos nós que temos condições de pensar um projeto político do bem-viver. Não temos as mãos sujas nem de lama nem de sangue pela mineração. Estamos prontas para enfrentar a bancada ruralista sem negociar o direito à terra, o direito às águas livres das montanhas gerais."

Quem é Célia Xakriabá


Célia, de 33 anos, é coofundadora da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas. Entrou na escola indígena em 1996, quandos os primeiros professores indígenas assumiram a sala de aula. "Minha primeira escola e minha primeira universidade foi a luta, mas sou a primeira mulher indígena do meu povo a concluir o mestrado - sou mestre em desenvolvimento sustentável pela Universidade de Brasília -, e a primeira mulher indígena no doutorado na UFMG."

Ela nunca concorreu a nenhum cargo político. Célia nasceu em São João das Missões, que está no território Xakriabá. Segundo ela, só foi demarcado um terço do território original. "O povo Xacriaba só foi reconhecido depois de uma grande chacina em 1987, primeiro crime reconhecido e julgado como genocídio indígena no Brasil".


Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação