São Paulo

'Não sou independente. Somos escravizados pelo sistema', diz morador de rua no 7 de Setembro

Morador de rua diz que toda a população brasileira é escravizada de maneiras diferentes

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postado em 08/09/2022 08:52 / atualizado em 08/09/2022 08:54
 (crédito: HENRIQUE PINHEIRO/ BBC NEWS BRASIL)
(crédito: HENRIQUE PINHEIRO/ BBC NEWS BRASIL)

José Tavares Neto, de 51 anos, vive nas ruas de São Paulo, "entre idas e vindas", há mais de três décadas. Nesta quarta-feira, feriado de 7 de Setembro, ele diz que não se considera independente.

No ponto de vista de José, não só ele, mas toda a população brasileira é escravizada de maneiras diferentes.

"A independência que você tem é a mesma que eu tenho. Infelizmente, nós somos escravizados pelo sistema cruel. Eu, do meu jeito, sofrendo. A natureza, o frio, a chuva. Eu estou todo molhado. Eu não durmo. Eu sento numa calçada e cochilo um pouco. Você é escravizado dentro da sua casa. Você paga pelo pão, você paga pelo litro de leite e não é pouco. Um litro de leite chegar a custar dez reais. Isso não é o Brasil. É o militarismo querendo expor o que eles querem, não o que você necessita", afirmou à BBC News Brasil na praça da Sé, no centro de SP.

Ele diz que o sonho dele é conhecer o neto de 5 anos e reencontrar a família, que mora em Cabrobó, no sertão de Pernambuco.

"Por isso, eu estou aqui, passando por cima de veneno, por cima de tudo. Eu não os vejo há anos. Não sei nem onde moram mais. Tenho saudade. Eu queria sim ter uma casa para voltar. Ter minha mãe para dar um abraço", diz com os olhos marejados.

José conta que ainda não voltou para a terra natal porque foi "fraco perante as drogas".

"Infelizmente, eu me aprofundei nessa porcaria chamada cocaína. Minha vida, meu sangue, meu organismo só se dá bem com química e eu estou lutando contra isso", conta.

Grito dos excluídos

Durante a comemoração dos 200 anos da Independência do Brasil, movimentos sociais foram até a praça da Sé, região de grande concentração de pessoas em situação de rua, para distribuir comida e roupas a moradores na ação conhecida como Grito dos Excluídos.

Iniciada em 1995, o movimento que distribuiu ao menos 3 mil kits de alimentação na Sé, visa se contrapor ao Grito do Ipiranga, de Dom Pedro 1º. A intenção, segundo os idealizadores, é dar voz a quem quase nunca é ouvido.

A reportagem da BBC News Brasil foi à região no momento em que o presidente Jair Bolsonaro (PL) discursava em Brasília após o desfile em comemoração aos 200 anos da Independência do Brasil ouvir o que as pessoas em situação de rua pensam sobre o tema e as eleições presidenciais que ocorrem no próximo mês.

Policiais andando na praça da Sé
Henrique Pinheiro/ BBC News Brasil
José diz que, se pudesse fazer um pedido direto ao presidente, seria para que cuidasse dos mais necessitados

Ao ser questionado sobre o que espera do próximo presidente, José gostaria que houvesse um maior investimento nas crianças.

"Eu espero que Deus abençoe a mente deles, porque não é para mim. É para as crianças. Eles têm que ter um futuro. Isso aqui (aponta para pão com presunto) está sendo o meu almoço. Não comi nada. Estou comendo devagarzinho para não acabar logo. Quero que eles tenham um almoço, com arroz e feijão", diz.

José diz que, se pudesse fazer um pedido direto ao presidente, seria para cuidar dos mais necessitados.

"Divida essa renda. É muita grana investida em algo que muitas vezes nem precisa. Dê moradia, dê emprego. Eu passei a noite só de camisa, todo molhado, o tênis furou. Tô nem aí. Eu sou calejado", diz.

Volta a Pernambuco

José conta que o sonho de voltar para a terra natal está mais próximo, após a promessa de uma passagem para Pernambuco que recebeu depois de ajudar um motorista.

"Eu fui com um galão daqui (praça da Sé) até um posto de combustíveis para o dono de um Honda Fit. Abasteci e fiz o carro dele funcionar porque eu sou mecânico profissional. Ele falou: 'Aqui estão meus dois números de telefone. Mês que vem, eu estou aqui e vou te levar na rodoviária'", conta.

Ao ser perguntado sobre o que fará assim que chegar em Pernambuco, ele responde rapidamente.

"Pegar meu filho, que agora está com 2,02 metro de altura, no colo porque faz cinco anos que não tenho esse direito. Não quero mais nada. Pode vir com uma carreta de euro ou dólar que eu taco fogo em tudo, mas me leve lá. Desculpa, eu estou meio emocionado. Mas eu sei o quanto a saudade dói. Ela mata devagarzinho", diz chorando.

- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62813306


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