A Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância (DPCI) do Rio Grande do Sul, que apura as ofensas racistas dirigidas ao cantor Seu Jorge, no último dia 14, apura uma rede de grupos nazistas que atuam no estado e estariam se articulando para ações violentas. A busca e identificação dos integrantes tem como ponto de partido um dossiê elaborado pelo recém-eleito deputado estadual e ex-policial civil Leonel Radde (PT-RS). Os policiais vêm monitorando fóruns, perfis fechados e grupos na internet há várias semanas.
Segundo a delegada Andrea Mattos, que conduz o caso, pelo menos cinco páginas de Facebook, um fórum na "deep web" — páginas digitais que não possuem protocolos de rede tradicionais e, por isso, não são facilmente encontradas por buscadores —, grupos no Telegram e no Discord — aplicativo de voz direcionado ao público gamer — estão sendo acompanhados de perto.
"Cerca de 15 pessoas estão sendo monitoradas. Essas discussões são travadas em ambientes digitais. Muita gente que faz parte desses grupos são pessoas que têm uma vida aparentemente normal, não levantam grandes suspeitas, têm empregos, frequentam diversos locais públicos. Nosso dever é fazer um acompanhamento para agir no momento certo", explicou a delegada.
Uma banda de rock gaúcha, cujo nome a delegada mantém em sigilo para não atrapalhar as investigações e que faz parte do dossiê, está na mira dos investigadores há mais de um ano. Nas apresentações, o grupo faz apologia do nazismo.
"Tem pessoas que fazem parte da banda de rock e nos shows acabam propagando (o nazismo). Em uma das vezes que tentamos dar um flagrante, o show foi cancelado antes de acontecer", observou, dando a entender que os integrantes da banda tinham sido avisados.
Os primeiros indiciamentos e prisões, porém, já aconteceram — entre setembro e outubro foram quatro pessoas indiciadas e duas presas. "São outras denúncias, mas estão interligadas com o que apuramos", explicou.
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Reincidência
Um estudo de 2013, feito pela pesquisadora Adriana Dias, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mostra que há uma concentração de adeptos ao nazismo nos estados da Região Sul do país. De acordo com o levantamento, foram encontradas 45 mil pessoas em Santa Catarina, que somadas às comunidades gaúchas e paranaenses, chegam a quase 100 mil adeptos do nazismo.
Na semana passada, a professora de redação Josete Biral foi demitida do Colégio Sagrada Família, de Ponta Grossa (PR), por fazer uma saudação nazista enrolada em uma bandeira do Brasil, em uma sala de aula da 3ª série do Ensino Fundamental. As imagens circularam pelas redes sociais e causaram repulsa.
"O número de grupos ou pessoas que compactuam com esse tipo de ideia aumentaram ou eles só têm mais acesso aos meios de comunicação? Também há (com as redes sociais) a impunidade em relação ao que postam. Isso aflorou por conta do acesso à comunicação de massa", explicou Alexandre Almeida, historiador, antropólogo e pesquisador do Observatório da Extrema Direita.
A delegada Andrea reconhece que é difícil combater esse tipo de crime, mas considera que o uso da tecnologia acaba expondo mais quem é adepto do nazismo. "Fica mais difícil por uma desorganização e ações esparsas, mas, por outro lado, nas redes sociais, as pessoas acabam tendo coragem de realizar postagens por acreditarem na impunidade", observou.
Racismo: oitiva em ritmo lento
A Polícia Civil do Rio Grande do Sul começou a ouvir, ontem, testemunhas que estavam no show do cantor e ator Seu Jorge, no último dia 14, no Grêmio Náutico União — quando o artista sofreu insultos racistas. De acordo com Andrea Mattos, titular da Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância (DPCI), que conduz o caso, das três pessoas agendadas para as oitivas, apenas duas compareceram — a outra não compareceu, não atendeu às ligações e não justificou a ausência.
A delegada admitiu a dificuldade em fazer com que as pessoas prestem depoimento. "As pessoas não querem se incomodar porque têm receio. Me levam a crer que as pessoas estão fugindo de prestar esclarecimentos principalmente pela proporção que o caso tomou", disse.
Segundo a delegada, as imagens do show entregues pelo clube à polícia estão sendo usadas para conduzir o início da apuração, auxiliando a checagem dos depoimentos com os fatos. Andrea considera que algo fez com que as pessoas insultassem Seu Jorge e tem relação com a polarização política no país.
"Possivelmente a questão política tenha sido um gatilho para um excesso da parte da plateia. Pelas imagens, o cantor teria feito um sinal alusivo a Lula (presidenciável do PT). Acredito que as ofensas tenham partido do público mais próximo ao palco. Porém, a investigação ainda está muito no início e não se pode concluir nada", ressalvou.
O presidente do Grêmio Náutico União, Paulo José Kolberg Bing, deve prestar depoimento hoje. Na última terça-feira, um áudio atribuído a ele vazou nas redes sociais, dizendo ser "desrespeitosos" a roupa e o gesto de Seu Jorge no palco.