A conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre mudanças climáticas (COP27) começa neste domingo (6/11), em Sharm el-Sheik, no Egito — cidade que fica entre o deserto da Península do Sinai e o Mar Vermelho. O Brasil novamente protagonizará os debates, mas, dessa vez, com expectativa de chegar à mesa de negociações com foco no diálogo, em busca de ser reinserido nas soluções climáticas mundiais.
Após o resultado do segundo turno das eleições brasileiras, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi convidado duas vezes para o evento. Uma pelo presidente do país-sede, Abdel Fattah al-Sisi, e outra pela comitiva dos governadores da Amazônia, pelo governador reeleito do Pará, Helder Barbalho (MDB). Por não se tratar de uma viagem como chefe de Estado, a previsão é que Lula chegue a partir do dia 14 de novembro, na segunda semana de evento.
O Brasil esteve diretamente envolvido na criação da COP e sediou o primeiro evento, no Rio de Janeiro, em 1992. Apesar do tradicional protagonismo, durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL) houve descolamento do país em relação às discussões mundiais sobre o tema. No ano passado, na edição de Glasgow, na Escócia, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, insistiu que apresentava os dados da "Amazônia Real" ao mundo, ainda que os representantes das organizações civis e movimentos indígenas alegassem o contrário.
Enquanto o evento acontecia, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelou o pior índice de desmatamento no mês de outubro — 877km² de área desmatada, o equivalente a um crescimento de 5% em relação a 2020. "Não é um desafio brasileiro, é um desafio global. Aqui neste momento não estamos falando do desafio de cada país. Mas um desafio global de redução de emissões. E para isso, estamos mostrando um Brasil real", insistiu Leite, à época. O Brasil foi cobrado internacionalmente por uma postura diante do problema que piorou com os novos alertas sobre o desmatamento. O índice que compreende desde o mês de janeiro até 21 de outubro de 2022 mostrou alerta de desmatamento de até 9.277km², o maior da série do Inpe até o momento.
Para este ano, o governo federal deverá marcar presença apenas com o ministro Joaquim Leite. Pelo segundo ano consecutivo, Bolsonaro não comparecerá. Outro grupo oficial que estará presente será o Consórcio da Amazônia Legal, composto pelos governos estaduais que compõem o bioma — Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e parte do Maranhão. Essa comitiva terá um espaço próprio na COP27 para realizar as tratativas separadamente do governo federal. O encontro sobre o clima e o meio ambiente reúne representantes dos 196 países signatários do Acordo de Paris.
Assessores da secretaria de meio ambiente do Estado do Pará confirmam que, com dificuldade de diálogo com o governo federal e baixos repasses financeiros, a solução encontrada foi buscar por "iniciativas domésticas" para a manutenção dos trabalhos ambientais nas regiões. "O secretário tem participado de vários fóruns internacionais para buscar outros meios que não sejam só o Fundo Amazônia, por exemplo. Estamos buscando outras formas de financiamento internacional para que, se não for pra conservar, ao menos não destruir o que já foi feito", explica um assessor do governo paraense ao Correio.
Futura gestão
Acompanharão Lula na COP27 a deputada federal eleita e ex-ministra do meio ambiente de governos petistas anteriores, Marina Silva (PSol-SP), e a senadora Simone Tebet (MDB-MT), também aliada na campanha eleitoral. Além disso, uma comitiva do PT, com nomes como os dos senadores Jean Paul Prates (PT-RN), Jaques Wagner (PT-BA), Fabiano Contarato (PT-ES) e do deputado federal Nilto Tatto (PT-SP) também estarão presentes. A expectativa é que, tanto os representantes, quanto o presidente eleito, comecem a mostrar as pautas prioritárias da futura gestão.
O foco das discussões do atual governo será a produção de energia limpa, mas a abertura de diálogos com os atuais representantes deve se tornar um dos objetivos. "O Brasil deve retomar o posicionamento que sempre teve no esforço global de crise climática, como o de atuar nessas conferências de forma diplomática, como ponto de diálogo entre países de desenvolvimento e emergentes. Isso precisa ser retomado e avançado", explica Helena Margarido Moreira, professora de relações internacionais da Universidade Anhembi Morumbi.
A ida de Lula, para a especialista, sinaliza um foco de posicionamento do Brasil no combate à crise climática como ponto central da política externa. Junto a isso, enxerga uma composição do país com outras nações emergentes no sentido de exigir aumento de financiamento climático. "Estarão em pauta a criação de um fundo para adaptação às mudanças climáticas, que segue duas linhas: ações de mitigação, ou seja, a redução dos gases de efeito estufa e a criação de capacitação para os países superarem impactos que já ocorreram e estão acontecendo com o aquecimento global. Esses são pontos conflituosos entre os países em desenvolvimento e os desenvolvidos, que é financiamento e ajuda financeira. Ao mesmo tempo vai ter uma pressão e revisão de compromissos do Brasil. Vamos ver que proposta o país vai levar pra mesa de negociações", especula.
Entidades
O público esperado para o evento é de 20 mil pessoas. Além das representações governamentais, também comparecerão organizações da sociedade civil. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) estará presente desde o primeiro dia e sediará o painel "Transição governamental e política socioambiental brasileira", no dia 9 de novembro. Eles pretendem defender a importância da demarcação de Terras Indígenas (TIs) como a ação essencial para o enfrentamento da crise global.
Em 2022 a entidade, em parceria com o Instituto de Pesquisa Ambiental do Amazonas (Ipam) fizeram um cruzamento com os dados do MapBiomas e demonstraram que 29% do território brasileiro ao redor das TIs está desmatado, enquanto dentro das mesmas o desmatamento é de apenas 2%. "No Brasil não há solução para a crise climática sem a demarcação de terras e, consequentemente, a proteção dos povos indígenas. Nós temos uma relação íntima com a Mãe-natureza e vemos de perto os efeitos da destruição ambiental que Bolsonaro causou, agora com Lula esperamos trabalhar juntos para que a situação mude", explica Dinamam Tuxá, coordenador executivo da APIB.
Já a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura não pretende tomar um posicionamento partidário, mas sim entregar um conjunto de propostas prioritárias para o próximo governo. Dentre elas estão o combate ao desmatamento, a produção de alimentos para combater a fome e a geração de emprego e renda. Além disso, o documento contém os detalhes de como executar o plano.
"A COP vai ser uma oportunidade de também estreitar essa interlocução com o governo federal e os estaduais, no sentido de mostrar que temos propostas, que temos condições de colaborar e contribuir para que as coisas aconteçam. Se houver uma disposição de interlocução esse será um bom caminho. Enxergamos uma disposição de diálogo do novo governo e de interlocução e cooperação com diferentes setores da sociedade, desde a ciência, empresários, até a sociedade civil", ressalta Beto Mesquita é membro do Grupo Estratégico da Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura.
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