ALIMENTAÇÃO

Prejudicada por crise política, verba para merenda escolar precisa de reajuste

Por falta de revisão nos valores do PNAE, governos municipais e estaduais complementaram, nos últimos anos, as verbas para financiar as refeições de estudantes da rede pública

Tainá Andrade
postado em 11/12/2022 03:55
 (crédito: Arquivo pessoal)
(crédito: Arquivo pessoal)

Uma das principais preocupações na pauta do governo eleito é o reajuste no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que foi prejudicado ao longo dos anos pelas crises políticas. O PNAE é o responsável pela aquisição dos itens para a merenda escolar nas escolas públicas brasileiras. O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acredita que esse é um ponto fundamental para o combate à fome e o retorno da segurança alimentar, especialmente entre os mais vulneráveis. Por isso, de acordo com aliados, ele deseja incluir a revisão orçamentária já na PEC da Transição.

Sem certeza de que será possível, o Grupo Técnico (GT) de Educação passou a última semana em reuniões setoriais com o Ministério da Educação (MEC) para levantar os dados detalhados sobre os repasses feitos na gestão de Jair Bolsonaro (PL) aos estados. O cenário, até o momento, é de que, pela falta de revisão, os governos estaduais e municipais tiveram que fazer robustas complementações para bancar os custos.

"Esse valor estava congelado, a Câmara [dos Deputados] fez uma proposta de reajuste, de 30%, a qual foi aprovada por unanimidade, e Bolsonaro vetou. Isso estrangulou ainda mais, porque nesse período houve também a inflação, que impactou muito os alimentos. Essa merenda não é só um lanchinho, é mais substanciosa. Isso tudo foi solenemente desconsiderado por Bolsonaro. Juntou a alta de preços dos alimentos, que impactou as prefeituras, e a fome. Prefeitos mais conscienciosos fazem o complemento, e a maioria faz", explicou a coordenadora do GT, a senadora eleita Teresa Leitão (PT-PE).

Um exemplo foi o que aconteceu com o estado do Piauí. Com o terceiro Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mais baixo do país (0,697 em 2017), há uma defasagem no repasse feito pelo MEC de R$ 6, de acordo com a inflação — o valor era de R$ 0,36 per capita por aluno, segundo o ex-governador e senador eleito Wellington Dias (PT). Ele relembrou, ainda, que o valor é previsto nos R$ 12 bilhões de programas do MEC.

"Na prática, estados como o Piauí e os municípios estão suportando sabe Deus como. Quem não consegue, e são muitos os casos, a merenda é de duas bolachas água e sal, ou um ovo cozido partido ao meio. Na adequação do Orçamento estamos com a defasagem, pela inflação, de cerca de R$ 6 de congelamento", explicou Dias.

Reajuste

Em nota técnica, o Observatório da Alimentação Escolar (OAE) e a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca) apontam que as projeções de repasses para 2023, seguindo a inflação, deveriam ser, respectivamente: na creche, de R$ 1,07 para R$ 2,16; na pré-escola, de R$ 0,53 para R$ 1,08; no ensino fundamental e no ensino médio, de R$ 0,36 para R$ 0,84. Portanto, o recurso do PNAE teria que ser recalculado de R$ 4,49 bilhões, último valor de 2021, para R$ 7,9 bilhões em 2023, o que significa um aumento de 75%. No entanto, em 2022 o Congresso Nacional aprovou apenas R$ 3,92 bilhões para o programa, menor que o valor do ano anterior.

Ao longo dos anos, houve flutuações nos repasses, principalmente na época do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Os repasses não foram reajustados e, desde a eleição de Bolsonaro até o ano passado a queda foi contínua, passando de R$ 5,97 bilhões, em 2019, para R$ 4,49 bilhões — menor registro da série histórica do programa.

"Tem que fazer complementação, porque com R$ 0,32 você compra o quê? Nem um picolé. Então, os prefeitos fazem a complementação, as escolas têm merendeiras. De acordo com a perspectiva da gestão há essa complementação, mas os alimentos ficaram mais caros. A solução é a quebra da qualidade ou você divide. O que era para um acaba ficando para dois. Ou você dá uma merenda de péssimo valor nutricional, bolacha ou biscoito são os preferidos, porque são os itens mais fáceis, junto com um suquinho artificial", ressaltou a senadora.

Quebra de cadeias

Mariana Santarelli, coordenadora do Observatório da Alimentação Escolar e assessora de políticas da Fian Brasil, ressaltou que a partir de 2009, o PNAE trouxe um ganho a mais por fazer a base alimentar de crianças e adolescentes transitar de lanches — biscoitos e bolachas — para uma alimentação saudável, com implementação de produtos locais. Isso foi possível devido a uma determinação na lei que obriga a União a utilizar 30% dos recursos do programa para a aquisição de itens da agricultura familiar e do empreendedor rural, com atenção aos alimentos específicos de cada região.

Mariana relembrou que mais do que leis apropriadas é preciso ter verba para fornecer alimentação saudável nas escolas. "De nada adianta ter uma lei avançada se não tem orçamento público para garantir o que está na lei. O caso do PNAE é interessante para entender o que acontece com as políticas públicas do ponto de vista do ajuste fiscal de um estado mínimo", alertou Mariana.

Com o passar dos anos houve um desestímulo nos Conselhos Alimentares para essas aquisições locais. Diretor do sistema de cooperativas da Agricultura Familiar e agricultor no município de Ministro Andreazza, em Rondônia, Sandro Souza da Silva Unicafes, 43 anos, contou que viu o seu investimento anual de produção cair junto com as chamadas públicas de alimentos do PNAE.

"Cada ano, de acordo com as chamadas públicas, a gente investia mais de 200% em produção ou até mais que isso, conforme a oportunidade. A gente entregava para o mercado institucional, o que trazia segurança, e com o que sobrava buscávamos outras oportunidades. De uns cinco anos para cá vem reduzindo, mas desandou de vez com a pandemia. O governo não tinha estratégia para absorver o produto dos agricultores", explicou.

Ele viu o orçamento da família encurtar, teve que cortar o supérfluo. "Tem que reduzir os custos e priorizar aquilo que é útil, dificuldade não passamos porque o básico da alimentação a gente produz e consome. Às vezes, fico me perguntando sobre as famílias do meio urbano, que não têm condições de produzir, como fazem?", refletiu.

A percepção tem sido de que quem trabalha com compras dos entes públicos tem preferido comprar nos mercados industrializados e enlatados, que fogem da realidade produtiva local. Nas reuniões com a comunidade escolar, essa é uma reclamação da equipe, segundo Sandro. Seus filhos, inclusive, sentem falta da alimentação mais natural, com itens regionais, como mandioca e abóbora. Eles também têm sido vítimas das substituições.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.