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As "peneiras" e os "tapetes": malha viária desigual impacta a economia

Novo governo tem um velho desafio: diminuir a diferença de conservação entre as estradas que cortam as cinco regiões do país

Michelle Portela
Aline Gouveia
Francisco Artur
postado em 31/12/2022 03:55
Rodovia BR-334 -  (crédito: Reprodução/redes sociais)
Rodovia BR-334 - (crédito: Reprodução/redes sociais)

Na primeira declaração depois de ser anunciado como o futuro ministro dos Transportes, o senador eleito Renan Filho (MDB-AL) disse, na quinta-feira, que um diagnóstico do grupo de transição sobre as estradas de rodagem do país constatou que 66% delas estão em condições ruins ou péssimas. Conforme adiantou, a captação de investimentos para a recuperação e modernização das vias deverá ser prioridade, atendendo a demandas de empresários e entidades.

"Precisamos mudar essa realidade", assegurou Renan Filho, assim que teve o nome confirmado pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Segundo o futuro ministro, o objetivo da pasta é retomar os investimentos do principal eixo de escoamento da produção do país. "Há muito tempo, o Brasil reduziu muito a capacidade de investimento e, com a PEC (da Transição) que foi recentemente aprovada, o país resgata essa capacidade", salientou.

De acordo com levantamento realizado pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT), apenas 8,9% das estradas estão em perfeitas condições de trânsito. Isso explica, em parte, os dados coletados pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), segundo os quais de janeiro a outubro as rodovias registraram 28.480 mil acidentes e 2.877 óbitos.

"O investimento na malha rodoviária tem de ser perene. Não é possível resolver o problema do Brasil em quatro anos, é preciso fazer um planejamento a longo prazo", critica o economista Marcus Quintella, diretor da área de Transportes da Fundação Getúlio Vargas (FGV), acrescentando a redução de investimentos no setor nos últimos quatro anos.

  • Rodovia SP-332 Reprodução/Redes sociais
  • Rodovia BR-334 Reprodução/redes sociais
  • BR-050 Reprodução/Redes sociais
  • Rodovia MG-267 (Campanha/MG) Reprodução/Redes sociais
  • Rodovia BR-174 (Beruri/AM) Redes sociais
  • Rodovia TO-296 (Paranã-Tocantins) Reproduções/Redes sociais

Desinvestimento

Isso, aliás, é corroborado pela 25ª edição da Pesquisa CNT de Rodovias. Em 2010, a aplicação de recursos pelo Ministério dos Transportes somaram R$ 26,6 bilhões — em valores de 2022 atualizados pela inflação. No final de 2021, a verba do governo federal destinada às rodovias foi de apenas R$ 7,6 bilhões, pouco mais de 1/3 do que era injetado pelo governo federal.

Diante da diminuição dos recursos, Quintella defende a concessão da malha rodoviária à iniciativa privada. "Não tem mágica. Só a iniciativa privada tem capacidade de investir e gerir rodovias. Mas essa gestão precisa ser fiscalizada pelo governo, porque, senão, as estradas podem ficar devendo em qualidade", alertou.

Ainda segundo o levantamento da CNT, o sistema de concessões trouxe benefícios para os usuários — que, ao final, se refletem em toda a cadeia econômica. Conforme ranking elaborado pela entidade, o melhor complexo viário é o da SP-334 que liga as cidades Cristais Paulistas a Ribeirão Preto, em São Paulo — entregue à administração privada. Já a pior do país é a TO-296, que liga Paranã a São Salvador do Tocantins.

De acordo com os dados coletados pela CNT, atualmente há 110,3 mil quilômetros de rodovias geridas por empresas. Ramon Goulart Cunha, especialista em Políticas e Indústria na Gerência Executiva de Infraestrutura da Confederação Nacional da Indústria (CNI), argumenta que a parceria com iniciativas privadas para a gestão das estradas fomenta a produtividade das empresas do setor secundário.

"O fato de as rodovias pedagiadas proporcionarem maior segurança, agilidade e redução de custos às transportadoras e aos caminhoneiros, faz com que os empresários aumentem a produção e o faturamento", observa Goulart.

"Tão importante quanto construir, é manter", pontua o engenheiro civil e professor de Transportes da Universidade de Brasília (UnB), Fábio Zanchetta. Ele explica que há etapas importantes a serem consideradas quando o assunto são as rodovias. "Para que um projeto seja bem feito, temos que saber qual é a carga que está atuando, para poder dimensionar a estrutura de forma adequada. E no Brasil, historicamente, existe a dificuldade de caracterizar o tráfego sobre a rodovia", aponta.

Veículos como ônibus e caminhões são os que desgastam o pavimento ao longo dos anos, justamente por causa do peso que carregam e a frequência com que trafegam — fatores que, segundo Zanchetta, devem ser equacionados na elaboração de projetos, com a escolha do material adequado para a construção da malha rodoviária. "Não temos a tradição, no Brasil, de fazer manutenção preventiva. Mas, se não a fizermos, a rodovia não vai durar o previsto no projeto. Tem que ter inspeção periódica", frisa.

O professor da UnB lembra, ainda, que a tendência dos países desenvolvidos é focar na preservação das vias já existentes, e não a construção de novas rodovias. "Quando a estrutura é boa, todo transporte flui de forma satisfatória para a sociedade. Quando é ruim, tanto o transporte de carga quanto o de passageiros fica prejudicado", destaca.

Entregas

Entretanto, de acordo com balanço de fim de gestão do Ministério da Infraestrutura — desmembrado em dois, sendo que a parte relacionada a portos e aeroportos ficará com o ex-governador Márcio França —, o quadro é mais positivo do que o apontado pela equipe de transição de governo e pela CNT. Conforme levantamento da pasta, o governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deverá herdar um total de 364 empreendimentos de infraestrutura concluídos no país e entregues à população, entre janeiro de 2019 e dezembro de 2022, em todas as regiões do país. Representam mais de R$ 20 bilhões em investimentos, que se somam aos quase R$ 117 bilhões de recursos privados contratados após 100 ativos do setor estarem, atualmente, em sistema de concessão.

O maior número de empreendimentos entregues foi justamente no modal rodoviário. Foram 262 intervenções concluídas, com investimentos da ordem de R$ 13,5 bilhões. Entre os destaques estão a BR-163/230, entre Mato Grosso e Pará — que teve a pavimentação totalmente executada em dois anos (2019 e 2020) e cujo contrato de concessão foi firmado em abril — e a integração entre Rondônia e Acre, com a construção de ponte sobre o Rio Madeira.

Nessa lista entram, ainda, obras urbanas, como a conclusão de três travessias urbanas: a de São José do Rio Preto, na BR 153/SP; a de Tianguá, com o viaduto de acesso a Viçosa do Ceará, na BR-222/CE; e a de Imperatriz, com nova ponte sobre o Rio Cacau, na BR-010/MA. Os contornos de Pelotas, na BR-392/RS, e de Barra das Garças, na BR-070/MT, fazem parte do rol de intervenções que já estão disponíveis para a população.

Segundo o Ministério da Infraestrutura, houve avanço na cobertura contratual dos serviços de manutenção rodoviária, que atualmente é de aproximadamente 96% da malha sob supervisão estatal. Assim, foram contratados R$ 50 bilhões em investimentos privados com as sete concessões de estradas, com destaque para os sistemas formados pela Nova Dutra com a Rio-Santos, com mais de R$ 14 bilhões em investimentos previstos, e Rio-Governador Valadares (MG), com R$ 11 bilhões.

"Desde o primeiro dia da gestão, encaramos a infraestrutura como questão de Estado. Isso nos fez retomar e concluir obras paradas, executar novas intervenções e buscar parcerias para atrair o investimento privado, fazendo frente aos desafios impostos pelas restrições orçamentárias que enfrentamos nesses quatro anos", justificou o ministro da Infraestrutura, Marcelo Sampaio.

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