POVOS ORIGINÁRIOS

Conflito entre indígenas Pataxó e fazendeiros se agrava no sul da Bahia

Ao menos sete indígenas já morreram, entre eles o adolescente Gustavo Pataxó, de 14 anos, nos conflitos na região que se estendem desde junho do ano passado

Aline Gouveia
postado em 22/03/2023 18:22 / atualizado em 24/03/2023 15:03
 (crédito: Divulgação/Alberto Maraux/Secretaria de Segurança Pública da Bahia)
(crédito: Divulgação/Alberto Maraux/Secretaria de Segurança Pública da Bahia)

Desde junho do ano passado, o povo indígena Pataxó, no extremo sul da Bahia, vem enfrentando ataques no processo de retomada do território entre as Terras Indígenas Comexatibá e Barra Velha do Monte Pascoal. Desde então, ao menos sete indígenas morreram, entre eles o adolescente Gustavo Pataxó, de 14 anos. A situação vem se agravando com o risco de novos ataques. Segundo a advogada Lethicia Reis, do Conselho Indigenista Missionário, um cacique e até mesmo autoridades policiais estão ligados aos fazendeiros — que reivindicam a área que está em processo de demarcação.

Em vídeos enviados ao Correio, é possível ver diversos indígenas discutindo. Segundo uma fonte ouvida pelo jornal, um dos caciques, junto com a família, se aliou aos fazendeiros do local. Esse líder acusa os envolvidos no processo de retomada de "falsos indígenas". De acordo com a advogada Lethicia, ainda não se sabe como foi o processo de cooptação do cacique Baia, da comunidade de Águas Belas.

"Isso tem enfraquecido bastante a luta. Durante essa semana, tomamos conhecimento de quatro decisões de reintegração de posse para retirar os Pataxó das áreas de retomada. As medidas jurídicas cabíveis foram tomadas e estamos aguardando", contou. Ainda segundo Lethicia, o cacique Baia tem visitado as comunidades juntamente com os fazendeiros para pressionar as lideranças do processo de retomada do território a se retirarem do local. "Entendemos que é um processo de coerção, possivelmente ele está sofrendo alguma pressão do agronegócio ou do setor hoteleiro, que são fortes na região", diz a especialista.

Falta de demarcação

Pela Constituição Federal, é dever da União demarcar territórios indígenas. Esse processo tem sete fases: estudos de identificação, aprovação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), contestações, declaração de limites, demarcação dos limites, demarcação física, homologação e registro.

"A TI Barra Velha do Monte Pascoal está com processo aberto desde 2000 e aguarda, agora, a assinatura da portaria declatória, cuja competência é do Ministério dos Povos Indígenas. Já a TI Comexatibá está numa fase anterior da demarcação. Teve o relatório de delimitação publicado em 2015 e aguarda, desde então, a análise das contestações de quem é contrário à demarcação", explicou a advogada Lethicia, que trabalha com os Pataxós da região.

Segundo a especialista, a falta da demarcação gera insegurança jurídica aos indígenas locais e abre espaço para os conflitos com os fazendeiros, tendo em vista que a região é alvo de especulação imobiliária. "Esse processo de retomada se fortaleceu a partir do não julgamento do caso Xokleng no STF", pontua Lethicia, se referindo à Terra Indígena Ibirama Laklãnõ, em Santa Catarina. 

Demandas

As lideranças indígenas locais cobram a presença da Força Nacional nas operações na região. A força-tarefa instaurada no local é composta pelas Polícias Civil e Militar do estado. A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) também está envolvida, especialmente no gabinete de crise que foi criado pelo Ministério dos Povos Indígenas em janeiro deste ano.

Em janeiro, a ministra Sonia Guajajara disse que são "inadmissíveis" os ataques sofridos pelos povos indígenas da região. “É inadmissível que os povos indígenas continuem sendo perseguidos e ameaçados dentro de seus próprios territórios. Este crime não pode ficar impune e, por isso, trabalharemos junto ao Ministério da Justiça e aos demais órgãos e entidades para garantir a rigorosa investigação e punição dos criminosos, além, é claro, da proteção do povo Pataxó”, declarou em nota a ministra.

Ao Correio, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia afirmou, em nota, que as forças de segurança estadual e federal permanecem na localidade para evitar agressões e garantir a ordem. Sobre a suspeita de que há policiais envolvidos com os fazendeiros, a pasta disse que "nenhum registro foi realizado".

"A Força Integrada de Combate a Crimes Comuns Envolvendo Povos e Comunidades Tradicionais da Secretaria da Segurança Pública atuou, na madrugada desta quarta-feira (22/3), para evitar um conflito entre indígenas, no Extremo Sul da Bahia", informou a Secretaria.

Veja os vídeos:

O Correio tentou contato com os caciques Mãdy Pataxó e Baia e aguarda retorno.

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