Mobilização

Indígenas montam acampamento em Brasília e fazem reivindicações

Etnias de todo o país montam acampamento em Brasília para reivindicar direitos e criticar propostas sobre terras e garimpo

Tainá Andrade
postado em 25/04/2023 03:55 / atualizado em 25/04/2023 10:23
 (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
(crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Membros de quase 200 povos indígenas, de todas as regiões do Brasil, marcharam na Esplanada dos Ministérios até o Congresso Nacional ontem à tarde. A caminhada foi a primeira manifestação da 19ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). O acampamento começou ontem, com a chegada dos primeiros indígenas a Brasília, e seguirá até o dia 28 de abril. Eles reivindicam a retirada de uma lista de Projetos de Lei (PLs) que, segundo eles, afetam a qualidade de suas vidas.

Alguns participantes foram recebidos em uma sessão solene, dentro do Plenário da Câmara dos Deputados, para assistirem ao lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas. A deputada federal indígena Célia Xakriabá (Psol-MG) coordenará a bancada na Câmara; e o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), no Senado.

"Seguiremos no chão da luta, mas inaugurando uma atuação também do lado de dentro [do Congresso]. Estamos rompendo o racismo da ausência e carregamos nós, executivo e legislativo, junto a Apib, os mais de 1,6 milhão de cocares desse país. É preciso que essa Casa tenha responsabilidade, porque nós somos reconhecidos como a solução número um para barrar as mudanças climáticas", afirmou a deputada.

Em dia de quórum baixo, as regras de vestimenta do Plenário foram suspensas. Saíram os paletós e os saltos altos, entraram os adereços de penas, miçangas, as pinturas à mostra nos corpos, os chinelos, os shorts e os cocares bem coloridos. Cantos indígenas ecoaram pelo Plenário encerrando a sessão, que ganhou mais força com os barulhos dos maracás.

Ao Correio, Célia Xakriabá relembrou momentos difíceis da causa indígena. "Em 2017, nesta Casa, fomos recebidos com várias repressões policiais. Hoje, promover esse momento de homenagem aos povos indígenas, é um momento histórico. Acreditamos que somente por meio da luta podemos mudar o momento de decisão", disse.

A manifestação em frente do Congresso ocorreu pacificamente, com a supervisão da Secretaria de Segurança do Distrito Federal. Há a expectativa de que 6 mil indígenas se juntem ao acampamento.

O movimento tem uma lista de pautas para serem debatidas, principalmente no Congresso Nacional. Os chamados "PLs da morte" abordam o Marco Temporal; a exploração dos bens da natureza em Terras Indígenas (TIs); a regularização de Grilagem de Terras; o Licenciamento Ambiental e a denúncia da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Demarcação de terras

O principal tema deste ano são as demarcações das TIs, sobretudo as 14 que já estão prontas para serem homologadas. O coordenador-executivo da Apib pela Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), Dinaman Tuxá, informou, extraoficialmente, que serão decretados apenas cinco territórios durante a programação do acampamento. Porém, há 1.393 terras que precisam ter o processo de demarcação verificado.

"Existem para mais de 600 territórios indígenas sem nenhuma providência a ser feita", lamentou Kleber Karipuna, coordenador-executivo da Apib e representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

Cinco perguntas para Maurício Terena, coordenador-executivo jurídico da Apib ...

O que o Acampamento Terra Livre reivindica este ano?

O acampamento acontece há 19 anos. É histórico porque busca mobilizar, em Brasília, indígenas de todo o país. Eles vêm para apresentar reivindicações, fazer luta, pedir as demarcações das terras. Apesar de a gente estar inserido em um contexto novo da política indigenista brasileira, a gente entende que precisa avançar muito ainda. Estamos aqui para comemorar esse movimento do atual governo. Mas também viemos cobrar as demarcações, a política de educação, de saúde indígena. Não abrimos mão de fazer pressão. Por isso esse acampamento.

A ideia é manter o movimento independente do governo?

Com Lula e Dilma, o poder de articulação popular ficou muito atrelado à vontade do governo. Uma parte de nós indígenas entrou no governo, mas nós, enquanto movimento, permanecemos articulados. Se for necessário pressionar o presidente, assim faremos. Se for preciso judicializar, iremos.

O marco temporal é uma ameaça?

No dia 19 de abril, a ministra Rosa Weber fez o anúncio (do julgamento para 7 de junho). Foi recebido com muito ânimo por nós, porque entendemos que o Supremo precisa decidir de uma vez por todas pela inconstitucionalidade do Marco Temporal. Esse julgamento não afeta só os povos indígenas. A gente está em um contexto em que as mudanças climáticas estão se fazendo presente, e é cientificamente provado que as terras indígenas é onde mais se preserva o meio ambiente. É um julgamento que vai interferir não só em nossas vidas, mas também na questão climática. Disso os ministros não devem abrir mão.

Vocês planejam uma campanha?

É preciso que os ministros estejam atentos para as questões climáticas, culturais e étnicas que estão sobre esse julgamento. A gente possivelmente vai chamar novamente uma mobilização para junho — talvez um novo acampamento. Será uma campanha de aproximação. A gente está promovendo um ciclo de debates para sinalizar tecnicamente as fragilidades do Marco Temporal.

O que vocês esperam da política indigenista?

É necessário que mudanças estruturais aconteçam. A política indigenista precisa ser estruturada no sentido de que a Funai tenha orçamento; de que as demarcações saiam; de que a saúde indígena, por mais que fique no Ministério da Saúde, tenha um um planejamento estratégico a longo prazo; de que as terras indígenas que precisam de demarcação andem; de que a política de isolados e de recente contato seja repensada; de que o Estatuto do Índio tenha uma nova configuração. Essas questões estruturais precisam acontecer para que, em um eventual novo governo de direita, a gente não viva o sufoco que a gente viveu. Me pergunto se em quatro anos é um tempo hábil para isso. É pouco tempo.

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