Saúde Ambiental

Os direitos de quem trabalha exposto ao Sol

Trabalhadores enfrentam lacunas da legislação e especialistas alertam para riscos crescentes e necessidade de registrar casos

Jerman Matute, de 52 anos trabalhando em Brasília   -  (crédito: Victoria Lacerda/CB/DA/Jornalismo na Prática 2023)
Jerman Matute, de 52 anos trabalhando em Brasília - (crédito: Victoria Lacerda/CB/DA/Jornalismo na Prática 2023)
postado em 10/11/2023 06:00

Quem trabalha exposto ao sol e sofre um agravo decorrente da atividade ocupacional, precisa acionar a Justiça para obter um adicional ou aposentadoria por insalubridade. A norma regulamentadora garante esse benefício somente a atividades ocupacionais realizadas com fontes artificiais de calor, pelas quais o empregador teria controle.

"A pessoa que trabalha embaixo do sol quente, pode receber a porcentagem máxima por insalubridade se conseguir provar que há um nexo causal entre a doença, o sintoma que ela apresenta e o trabalho que executa", esclarece José Willams Gomes, professor e técnico em Saúde e Segurança do Trabalho. "Mas esse valor não é o suficiente para cuidar de um câncer de pele, por exemplo. Do meu ponto de vista, esse pagamento por insalubridade é compensatório."

As ondas de calor podem provocar doenças agudas ou crônicas, e agravar condições de saúde pré-existentes no trabalhador. A Fundação Jorge Duprat (Fundacentro), responsável por estabelecer as normas de higiene ocupacional, tem estudos que verificam os riscos de trabalhar durante dias muito quentes no campo e na cidade.

"Temos um olhar mais criterioso naqueles que trabalham ao ar livre. Pode-se destacar os [trabalhadores] da agricultura e pecuária, a construção civil e a limpeza pública nas grandes cidades. São setores que possuem um grande contingente de impactados, e isso é preocupante, porque uma vertigem ou tontura ocasionada pelo calor, por mais rápida que seja, pode ocasionar acidentes", pontua Daniel Bitencourt, pesquisador da Fundacentro.

Em casos de enfermidades ou agravos, o trabalhador pode recorrer às Unidades Básicas de Saúde (UBS), onde poderá ser direcionado a um Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) para orientações. Os CERESTs realizam a vigilância de ambientes e processos de trabalho nos níveis estadual e municipal.

"Com o aquecimento global, já se tem percebido que quem vai ser mais impactado são aqueles que estão mais vulneráveis. Mais vulnerável significa aquele que tem menos acesso à saúde pública, tem menos salário e menos estudo", pondera Bitencourt.

Para o pesquisador, os eventos climáticos extremos aumentam a precariedade no trabalho. "As normas não são perfeitas, nem sempre são seguidas à risca. Já é um sistema complexo dentro do que está na formalidade, e ainda existe um contingente muito grande de trabalhadores que não estão no sistema formal. E aí, inclusive, não é possível nem se ter registro exato disso."

O Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador, do Ministério da Saúde, é o órgão responsável por articular políticas públicas que protegem a saúde dos trabalhadores. No âmbito do Ministério da Saúde, as medidas preventivas e de resposta a condições de risco adversas têm como base os dados coletados por meio da notificações de doenças e agravos dispostos na Lista Nacional de Doenças e Agravos de Notificação. Essa notificação é realizada pelos profissionais de saúde. Por isso, é importante que os cidadãos notifiquem distúrbios e enfermidades decorrentes do trabalho.

De acordo com a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho (SEPRT) é responsabilidade do empregador garantir a segurança e o bem-estar do trabalhador, adotando medidas de prevenção, orientação e capacitação regularmente, sobretudo em relação aos fatores de risco relacionados à exposição ao calor.

Como medir o calor? 

Segundo a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, a avaliação quantitativa do calor deve ser realizada com base na metodologia da Fundação Jorge Duprat Figueiredo (Fundacentro), que avalia a sobrecarga térmica por meio do índice IBUTG – Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo. Para facilitar e difundir o acesso ao índice, a Fundacentro desenvolveu o Sistema Monitor IBUTG, disponível gratuitamente para celulares Android e iOS e para computador pelo site da ferramenta.

O aplicativo é destinado a auxiliar empregados, empregadores, instituições públicas e pesquisadores, especialmente em ambientes de trabalho externos. “Percebemos que, cada vez mais, o calor representa um fator agravante para condições biológicas do trabalhador”, diz Daniel Bitencourt, meteorologista, pesquisador eumdos desenvolvedores do Monitor IBUTG.

Como funciona o aplicativo?

Com o Monitor IBUTG, qualquer pessoa pode descobrir se está em um cenário de risco para a saúde por causa do calor. Para isso é preciso informar a localização, a natureza das atividades e a vestimenta que está usando. Como resultado, o Monitor calcula a taxa metabólica média para 1 hora de execução da atividade, conforme a composição de movimentos realizados neste tempo. Essa medida quantifica o calor produzido pelo corpo do trabalhador, que é expressa na unidade de Watts (W). Os indicadores do Nível de Ação (NA) e o Limite de Exposição (LE) definem por quanto tempo se pode continuar na tarefa nas condições em que se encontra.

Por exemplo, no dia 25/10, às 12 horas, o Monitor IBUTG registrou 26,8oC. Considerando a vestimenta que a pessoa estava usando, o valor foi ajustado para o IBUTGAj = 27,8 oC. Nesse caso, o trabalhador deveria tomar “Medidas Preventivas” porque estava trabalhando acima do limite físico suportado. Se superasse o Limite de Exposição (LE), deveria tomar as “Medidas Corretivas” pois teria entrado em um cenário de risco.

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