Entrevista

"A gente tem que falar sobre HPV", diz gerente médico da MSD Brasil

Representante da indústria farmacêutica desenvolve pesquisa para ampliar a conscientização sobre o vírus responsável pela infecção sexualmente transmissível mais comum no mundo. Patógeno está vinculado a diversos tipos de câncer

Estevam Baldon -  (crédito: Reprodução/Redes Sociais)
Estevam Baldon - (crédito: Reprodução/Redes Sociais)
postado em 18/11/2023 03:55 / atualizado em 18/11/2023 08:54

São Paulo — Outubro e novembro são coloridos de rosa e azul para conscientizar sobre a importância da prevenção ao câncer — em especial, de mama, colo de útero e próstata. De acordo com o Instituto Butantan, cerca de 20% das neoplasias malignas são causadas por vírus — e destas, metade é provocada pelo papilomavírus humano (HPV). Infeccioso para homens e mulheres, o HPV está ligado ao câncer de colo de útero, mas também está presente em outros como o anal, de vulva, de vagina, de pênis e de orofaringe.

O HPV é responsável pela infecção sexualmente transmissível (IST) mais frequente no mundo — estima-se que entre 25% e 50% das mulheres e 50% dos homens no mundo esteja infectado com o vírus. A imunização ainda na infância é a maneira mais eficaz de impedir que a doença se agrave e vire algum tipo de câncer.

No Brasil, a vacina contra o HPV está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2014. É indicada para meninas e meninos na faixa etária de 9 a 14 anos. A vacina atende, ainda, a pessoas com HIV, transplantados de órgãos sólidos e medula, além de pacientes oncológicos, na faixa etária de 9 a 45 anos. Também é recomendada para vítimas de abuso sexual. Mas o HPV, seus riscos e prevenção, ainda carecem de maior discussão.

O gerente médico de vacinas da farmacêutica MSD Brasil, Estevam Baldon, explicou ao Correio como esse vírus acomete a população brasileira. Detalhou, ainda, o desenvolvimento de estudos para ampliar a conscientização sobre formas de contágio, vacinação e tratamento. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

As mulheres correm mais risco de desenvolver câncer pelo HPV do que os homens?

Não. Quando a gente vê o câncer anal, mais de 90% está relacionado ao HPV, tanto em homens, quanto em mulheres. A questão é que se descobriu que o HPV é 100% relacionado a todos os cânceres de colo de útero, enquanto nos outros há uma variação. Por exemplo, no câncer peniano, o HPV é responsável por 68% até 75%, porque existem outras causas. A falta de higiene, por exemplo, é uma predisposição muito grande. A gente sabe que a carga de cânceres relacionados ao HPV no mundo e no Brasil é muito alta, e homens e mulheres são afetados da mesma forma. Só que o que a gente tem hoje é que, no mundo, o câncer de colo de útero tem um impacto gigantesco.

Que tipo de impacto?

A Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou em 2020 que quer erradicar o câncer de colo de útero como um problema de saúde pública. Em países subdesenvolvidos, como os da África, o número de mortes de mulheres por esse tipo de câncer é muito alto. Para se ter uma ideia, se todos os países, desde 2020 até 2030, tivessem 70% com exames de diagnóstico e 90% das pessoas tratadas, o mundo erradicaria o câncer de colo de útero em 125 anos.

Há testes para identificar o HPV?

Sim. Não está ainda dentro do Sistema Único de Saúde (SUS), mas existem. Não é recomendado fazer o teste em toda a população, pois a maior parte das pessoas vai eliminar o vírus. O ideal é que o exame seja disponibilizado para pessoas com risco aumentado. O HPV demora muito para causar o câncer após penetrar na célula. É preciso entender que eu posso ter esse vírus, mas que vou prestar atenção em sintomas e sinais para que eu evite que essa doença evolua.

Qual a experiência no Brasil com o teste de HPV?

Em Pernambuco, o Ministério da Saúde, junto com a Secretaria de Saúde de lá, está implementando os exames de papanicolau nas mulheres. Em paralelo, vão fazer o exame de HPV/DNA — que é o exame que vai demonstrar qual é o HPV que pode estar infectando; se ele é de alto risco oncológico ou não. Isso já é feito nos Estados Unidos. Aqui no Brasil, fez papanicolau, repete no ano que vem. Deu normal, espaça três anos. Nos Estados Unidos, você faz o exame de papanicolau, associa ao exame de HPV. Se o exame de HPV não detecta nada de alto risco, essa mulher vai fazer só depois de cinco anos. Então, desafoga também um pouco o sistema de saúde. A Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) está pensando no que a gente pode fazer no Brasil para também tentar trazer essa associação.

Essa associação de exames seria feita nos homens também?

Dá para fazer o teste em homens e mulheres. Se o HPV estiver presente, você consegue saber qual é. Só que o preço varia muito. São tecnologias caras. Quanto mais HPV detecta, mais caro é esse exame. Mas, só de saber se ele é de alto risco ou não, já é o suficiente.

Como está a vacinação contra o HPV no Brasil?

Vai fazer dez anos de vacinação do HPV no Programa Nacional de Imunização (PNI), que começou com meninas de 11 anos de idade. Então, elas estão fazendo 21. As pessoas com mais de 21 anos, provavelmente, não receberam. A gente tem a vacinação de meninos e meninas de 9 a 14 anos de idade. Antes, era de 11 a 14 para meninas. Só ano passado ocorreu a equidade de idade.

Você desenvolve um estudo que pretende identificar como pessoas trans são prejudicadas tanto em relação à imunização quanto à conscientização. Como está essa situação?

A gente precisa entender a população que, naturalmente, não vai procurar a vacina e não tem ou teve direito à vacina, o que acontece com essas pessoas. O intuito é ver o que aconteceu e criar uma política pública para que tenha vacinação; para que tenha diagnóstico precoce; para que tenha um acompanhamento adequado dessas pessoas. As pessoas trans estão mais marginalizadas, têm mais contato sexual, muitas vezes são profissionais do sexo.

Como protegê-las?

A vacina não trata infecção pelo HPV; ela evita que você tenha novos contatos com o mesmo HPV e com outros. Você acaba se protegendo de alguma forma. Evita esse tipo de contato, que pode ser de alto risco, no futuro. Existem ações de ONGs que tentam trazer essa discussão, mas ainda é muito pouco. A gente precisa, por exemplo, em locais que tem população de pessoas pretas ou indígenas, levar mais consciência sobre o impacto dessa doença, a prevenção por vacinação e aprender como é transmitido.

Como falar de HPV para a sociedade de uma forma diversa?

A vacinação contra o HPV começou nas escolas. Depois, por um medo, um desconhecimento, ela saiu das escolas. A escola seria um ambiente super oportuno de instrução para essas crianças, adolescentes e para os pais, para levar essa informação a mais pessoas, de maneira mais transparente e mais impactante. Desta forma, a gente desmistifica o HPV como uma coisa sexual e da qual eu tenho nojo. É preciso dizer: o HPV é a infecção sexual mais comum no mundo e a gente tem que falar dela como a gente fala de HIV, de sífilis, e gonorreia. A gente precisa fazer com que as pessoas, se tiverem algum sintoma, busquem ajuda médica o mais rápido possível, sem se sentirem culpadas em relação a isso. Dá para tratar.

Há desafios regionais
nessas metas?

Sim. O tratamento de câncer de colo de útero no Brasil é o eixo Rio-São Paulo, Minas Gerais, estados do Sul, que têm uma assistência melhor. Quando a gente vai ver radioterapia, é mais difícil ter esses aparelhos no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Para braquiterapia (dentro da lesão do colo), você não tem esses aparelhos distribuídos no país. É muito difícil. É um trabalho que tem que ser em conjunto com a sociedade e com o Ministério da Saúde, de modo que todo mundo seja englobado e a gente consiga dar acesso a tratamento para as pessoas.

*A jornalista viajou a convite da MSD Brasil para o 20º Seminário Latino-Americano de Jornalismo em Ciência e Saúde.

 

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