Ao longo da história da língua portuguesa, a forma feminina de campeão nem sempre foi campeã. A marcação de gênero passou por mudanças que acompanharam transformações sociais, o contato com outras línguas e ajustes internos do sistema, refletindo também o aumento da visibilidade feminina em esportes e competições e o debate contemporâneo sobre linguagem inclusiva.
Como surgiu o masculino campeão no português
O ponto de partida está no latim. A palavra remonta a campio, campionis, ligada a “combatente na arena” ou “lutador no campo de batalha”. No português medieval, esse vocábulo foi adaptado para formas como campião e, mais tarde, campeão, aproximando-se da grafia atual.
Inicialmente, o termo estava associado a batalhas, torneios e disputas físicas, sendo aplicado majoritariamente a figuras masculinas. Em textos antigos, quando havia referência a mulheres vencedoras, apareciam expressões descritivas, o que retardou a fixação de um feminino específico para campeão.
Qual era o feminino de campeão antes de campeã
Em diferentes momentos, o português registrou soluções variadas para o feminino de campeão. Em muitos contextos mais antigos, não se formava um feminino específico; o masculino aparecia de modo genérico, mesmo quando a referência era a uma mulher.
Também surgiam construções como “a campeão”, sem alteração formal do substantivo, apoiando-se apenas no artigo feminino para indicar o gênero. Ao longo do século XIX e início do XX, aparecem registros de campeona, seguindo o padrão de palavras em -ão com feminino em -ona, embora sem se estabilizar como forma predominante.
Por que campeã se consolidou como forma feminina
A opção por campeã dialoga com processos regulares de formação de feminino em português. Muitos substantivos terminados em -ão admitem femininos em -ã, como irmão/irmã e cristão/cristã, o que favoreceu a aceitação analógica desse padrão.
A visibilidade crescente de mulheres em competições esportivas, artísticas e acadêmicas exigiu formas claras de marcação de gênero. A imprensa esportiva, regulamentos oficiais e documentos de federações passaram a usar campeã de maneira consistente, reforçando o padrão e alinhando-o a discussões atuais de equidade de gênero na linguagem.
Como o francês influenciou o feminino de campeão
O francês exerceu forte influência sobre o português entre os séculos XIX e XX, em áreas como vocabulário, moda, cultura e terminologia esportiva. No caso de champion, o francês distingue champion (masculino) e championne (feminino), par amplamente difundido em competições internacionais.
A presença desse par em traduções, crônicas esportivas e textos sobre eventos internacionais reforçou a ideia de que o português também deveria ter uma marca feminina clara para “campeão”. Ainda assim, o português não copiou championne, mas ajustou o termo ao seu próprio sistema morfológico, escolhendo campeã.

Como evoluíram campeão e campeã ao longo do tempo
A trajetória do feminino de campeão pode ser resumida em marcos aproximados, que ajudam a visualizar o processo de mudança. Essa linha do tempo mostra a passagem de um uso quase exclusivo do masculino para uma oposição de gênero hoje amplamente estabilizada.
- Período medieval (séculos XIII–XV) – formas derivadas do latim, como “campião”, associadas a guerreiros e lutadores em campos de batalha ou torneios.
- Época moderna (séculos XVI–XVIII) – consolidação de “campeão” no masculino; raridade de forma feminina específica; uso de expressões descritivas para mulheres vencedoras.
- Século XIX – intensificação do contato com o francês; circulação de “champion” em traduções; aparição esporádica de “campeona” e de construções como “a campeão”.
- Início do século XX – diversificação de práticas esportivas; registros paralelos de “campeão” (como masculino genérico) e tentativas de femininos como “campeona”.
- Segunda metade do século XX – aumento da participação feminina em campeonatos; imprensa e regulamentos passam a empregar campeã com maior frequência.
- Final do século XX e início do XXI – consolidação de campeã em dicionários, gramáticas e documentos oficiais; “campeona” torna-se forma residual ou regional.
- Década de 2020 – uso predominante de campeã na mídia, em competições nacionais e internacionais e em registros institucionais.
Quais outras formas e usos ainda aparecem no cotidiano
Mesmo com a predominância de campeã, algumas variações ainda surgem em contextos específicos. Em linguagem coloquial ou regional, encontra-se ocasionalmente campeona, embora essa forma não seja a mais prestigiada em registros formais.
Também é comum o uso de expressões como “atleta campeã”, “equipe campeã” ou “dupla campeã”, em que o termo qualifica pessoas e grupos. Em textos técnicos e notícias, a tendência é manter a distinção clara campeão/campeã, mostrando como a língua ajusta sua gramática ao uso real e dialoga com debates sobre representatividade feminina sem abandonar suas regras internas.







