O filme brasileiro O Agente Secreto arrebentou no Festival de Cannes 2025 e mostrou que nosso cinema tem muito a dizer para o mundo. Dirigido pelo pernambucano Kleber Mendonça Filho e estrelado por Wagner Moura, o longa conquistou nada menos que quatro prêmios importantes no festival mais prestigiado do cinema mundial. A obra levou os prêmios de Melhor Ator para Wagner Moura, Melhor Diretor para Kleber Mendonça Filho, além do Prêmio FIPRESCI e o Prix des Cinémas d’Art et Essai.
A recepção do público foi emocionante. O filme recebeu uma ovação de pé que durou impressionantes 13 minutos após a exibição. Para quem conhece Cannes, isso é um sinal claro de que a obra tocou fundo no coração dos espectadores. A delegação brasileira levou até frevo para celebrar a estreia, transformando a Croisette numa pequena festa nordestina. O filme estreia nos cinemas brasileiros no dia 6 de novembro de 2025, com distribuição da Vitrine Filmes.
Como Wagner Moura criou um personagem marcante na ditadura militar?
Wagner Moura interpreta Marcelo, um professor universitário especialista em tecnologia que foge de São Paulo para Recife em 1977, durante os anos mais duros da ditadura militar. O personagem carrega um passado violento e misterioso, tentando recomeçar a vida numa época em que desaparecer era uma possibilidade real para quem se opunha ao regime. A performance de Moura foi tão intensa que conquistou o júri internacional de Cannes.
O interessante é que Marcelo não é um herói tradicional. Ele é um cara comum tentando sobreviver num sistema que pode destruí-lo a qualquer momento. Kleber Mendonça Filho conseguiu mostrar como pessoas normais lidavam com a repressão, criando um thriller que funciona tanto como entretenimento quanto como lição de história. O filme dura 158 minutos, mas a tensão mantém o espectador grudado na tela do começo ao fim.
Por que Kleber Mendonça Filho escolheu 1977 como cenário?
O ano de 1977 foi estratégico na escolha do diretor. Era o período do governo Ernesto Geisel, uma fase da ditadura militar que o cinema brasileiro ainda não tinha explorado muito. Kleber tinha apenas oito anos na época, mas guardou memórias vívidas daquele tempo. Ele queria fazer um “exercício histórico” que mostrasse como era viver sob vigilância constante, onde até os vizinhos podiam ser espiões do governo.
Recife vira quase um personagem do filme. A cidade aparece sufocante, cheia de calor e paranoia. Os homens trabalham sem camisa por causa do clima, mas isso não é nada comparado à pressão diária de viver sob uma ditadura. O diretor recria a atmosfera da época com uma precisão impressionante, desde os objetos de casa até as roupas e carros. É um mergulho completo nos anos 1970 brasileiros.
Qual o segredo por trás do sucesso internacional do filme?
O Agente Secreto funcionou tão bem em Cannes porque combina uma história local com temas universais. Todo mundo entende o que é viver com medo, ser perseguido ou ter que esconder quem realmente é. Kleber Mendonça Filho pegou elementos do thriller de espionagem, como Hitchcock fazia, e misturou com a realidade brasileira. O resultado é um filme que fala tanto para quem viveu aquela época quanto para quem só conhece a história pelos livros.
A crítica internacional elogiou especialmente a forma como o filme equilibra suspense com crítica social. Peter Debruge, da revista Variety, chamou a obra de “thriller terrifico dos anos 1970” e “drama de época deslumbrante”. O filme não prega sermão, mas mostra como funcionava um sistema que protegia os ricos e esmagava os trabalhadores. É cinema inteligente que respeita a inteligência do espectador.
Como o filme retrata a resistência durante a ditadura militar?
Uma das partes mais interessantes de O Agente Secreto é mostrar como existia uma rede de apoio clandestina durante a ditadura. Marcelo encontra abrigo numa casa que esconde várias pessoas perseguidas pelo regime. São “cabeludos”, gays, mulheres questionadoras, gente que não se encaixava no modelo que o governo queria impor. Kleber chama esse local de “bunker de afeição”, um lugar onde pessoas diferentes se unem pela sobrevivência.
Maria Fernanda Cândido interpreta Elza, uma mulher que organiza identidades falsas e rotas de fuga. Ela representa as milhares de pessoas que arriscaram suas vidas para proteger outros durante os anos de chumbo. O filme mostra que a resistência não era feita só de guerrilheiros armados, mas também de gente comum que escolheu não ficar de braços cruzados diante da injustiça.
Qual o impacto cultural de O Agente Secreto para o cinema brasileiro?
O sucesso em Cannes coloca O Agente Secreto numa posição única para disputar prêmios internacionais importantes, incluindo o Oscar. Depois de Ainda Estou Aqui ter aberto caminho, agora temos outro filme brasileiro com chances reais de reconhecimento mundial. Isso não é só uma vitória para Kleber Mendonça Filho ou Wagner Moura, mas para todo o cinema nacional.
O filme prova que histórias brasileiras bem contadas podem conquistar qualquer plateia do mundo. Kleber já tinha mostrado isso com Bacurau e Aquarius, mas O Agente Secreto leva essa capacidade a outro nível. O interessante é que ele não “traduz” o Brasil para estrangeiros, mas conta nossa história com honestidade e competência. O resultado é um cinema que nos representa sem complexo de vira-lata, mostrando que temos muito a ensinar sobre resistência, criatividade e humanidade.
Por que este filme chega na hora certa para o público brasileiro?
O Agente Secreto estreia num momento em que discutir ditadura militar voltou a ser necessário no Brasil. Muita gente jovem não sabe direito o que aconteceu entre 1964 e 1985, e o filme funciona como uma aula de história disfarçada de thriller. Kleber Mendonça Filho não faz panfletagem, mas mostra como era perigoso discordar do governo, como famílias foram destroçadas e como a vigilância fazia parte do dia a dia.
O filme também dialoga com questões atuais sobre tecnologia, vigilância e controle da informação. Marcelo é especialista em tecnologia numa época em que isso ainda era novidade, e o filme mostra como conhecimento pode ser usado tanto para libertar quanto para oprimir. É um lembrete de que a democracia não é garantida para sempre e precisa ser defendida todos os dias.
