A noite do Oscar 2025 terminou com sentimentos contraditórios para o Brasil. Ainda Estou Aqui fez história ao conquistar o primeiro Oscar brasileiro na categoria Melhor Filme Internacional, mas as derrotas em Melhor Filme e Melhor Atriz deixaram um sabor agridoce. Anora, dirigido por Sean Baker, dominou a cerimônia com cinco estatuetas, incluindo as duas categorias onde o filme nacional tinha chances reais de vitória. Mikey Madison superou Fernanda Torres na disputa por Melhor Atriz, frustrando milhões de brasileiros que acompanharam a transmissão.
Apesar das expectativas não correspondidas, a conquista representou um marco incontestável para o cinema nacional. Walter Salles subiu ao palco do Dolby Theatre para dedicar a vitória diretamente a Eunice Paiva, à Fernanda Torres e à Fernanda Montenegro. O momento emocionou não apenas os brasileiros, mas toda a plateia internacional. A vitória chegou após quatro tentativas frustradas do país na categoria, validando décadas de investimento em cinema de qualidade. O resultado final demonstrou que o reconhecimento internacional do talento brasileiro já não depende apenas de uma estatueta.
Por que Anora dominou onde Ainda Estou Aqui disputava?
Anora construiu uma campanha avassaladora que culminou em cinco Oscars, estabelecendo Sean Baker como força criativa incontestável. O filme quebrou recordes ao garantir que Baker se tornasse apenas a segunda pessoa na história a ganhar quatro Oscars numa só noite pelo mesmo projeto. A obra sobre uma prostituta envolvida em um casamento por conveniência encontrou eco entre os votantes da Academia, que tradicionalmente valorizam narrativas sobre pessoas marginalizadas lutando por dignidade.
A estratégia de Baker foi impecável desde o início da temporada de premiações. Ele conseguiu posicionar Anora simultaneamente como cinema independente autêntico e entretenimento comercialmente viável. O discurso de Baker ao receber o prêmio de Melhor Diretor foi particularmente eficaz, quando pediu apaixonadamente para que as pessoas “tentem ver filmes no cinema” e apoiem cinemas independentes em perigo. Essa mensagem ressoou profundamente entre votantes preocupados com o futuro da experiência cinematográfica, criando conexão emocional que transcendeu mérito artístico puro.
Como Mikey Madison superou Fernanda Torres na categoria principal?
A vitória de Mikey Madison como Melhor Atriz surpreendeu muitos observadores que esperavam disputa mais acirrada com Fernanda Torres. Aos 25 anos, Madison se tornou a nona mulher mais jovem a receber o prêmio, beneficiando-se de uma performance que os críticos descreveram como “revelação” e “desempenho a todo vapor”. Sua interpretação de uma prostituta de Brooklyn demonstrou range dramático impressionante, especialmente considerando seus trabalhos anteriores em filmes como Pânico e Era uma Vez em Hollywood.
O sistema de votação da Academia pode ter favorecido Madison sobre Torres. Com mais de 9 mil votantes de diversas categorias profissionais, a dinâmica difere dos sindicatos especializados onde Torres teve melhor performance. Barbara Demerov, crítica de cinema, explicou que “na última fase da votação, todo mundo vota em todo mundo, e não só ator vota em ator”. Essa diferença estrutural pode ter beneficiado Madison, cujo filme teve maior exposição comercial nos Estados Unidos durante a temporada de campanhas, criando familiaridade maior entre votantes que assistiram Anora nos cinemas americanos.
Qual foi o verdadeiro impacto da campanha brasileira?
A campanha de Ainda Estou Aqui conseguiu algo inédito para o cinema brasileiro: colocar o país consistentemente na conversa das principais categorias do Oscar. Fernanda Torres participou de entrevistas em veículos como Variety, The Hollywood Reporter e Deadline, onde sua performance foi elogiada como “soberba” e “profundamente comovente”. A estratégia de posicionamento familiar, destacando a conexão com Fernanda Montenegro, criou narrativa poderosa que transcendeu barreiras culturais.
O momento mais significativo pode ter sido o encontro entre Madison e Torres nos bastidores após a cerimônia. Madison relatou ao THR que “vi Fernanda nos bastidores e nós nos abraçamos”, demonstrando respeito mútuo que caracterizou toda a temporada. Esse gesto simbolizou como a campanha brasileira conseguiu criar relacionamentos genuínos na comunidade cinematográfica internacional. Torres também elogiou Anora, chamando-o de “primo de Ainda Estou Aqui“, mostrando generosidade que impressionou observadores e pode ter plantado sementes para futuras colaborações.
Como a derrota nas categorias principais afeta o legado do filme?
Paradoxalmente, as derrotas de Ainda Estou Aqui em Melhor Filme e Melhor Atriz podem ter solidificado seu legado de forma mais duradoura que vitórias completas teriam conseguido. A narrativa de “vitória parcial” criou identificação emocional com o público brasileiro, que reconheceu paralelos com a própria experiência nacional de conquistas incompletas. Salles comentou que a vitória representa reconhecimento não apenas do filme, mas da “cultura, a forma como fazemos filmes, a literatura através do livro, a música brasileira”.
A conquista do Oscar de Melhor Filme Internacional abre precedente para futuras produções brasileiras disputarem categorias principais com seriedade. Estúdios internacionais agora reconhecem que o Brasil produz cinema comercialmente viável e artisticamente relevante. A Sony Pictures, responsável pela distribuição internacional, já demonstrou interesse em expandir investimentos no cinema latino-americano. Para Walter Salles, a vitória valida sua abordagem de criar filmes distintamente brasileiros com apelo universal, estabelecendo modelo que outros cineastas nacionais podem seguir.
Qual o significado cultural da conquista brasileira?
A vitória de Ainda Estou Aqui ressoa muito além do reconhecimento cinematográfico, tocando questões fundamentais sobre memória histórica e resistência política. O filme conseguiu transformar a história específica de Eunice Paiva em símbolo universal de dignidade humana diante da opressão. A Academia reconheceu não apenas qualidade artística, mas relevância temática em momento onde democracias mundiais enfrentam desafios autoritários similares aos retratados no filme.
O timing da vitória, ocorrendo simultaneamente ao Carnaval brasileiro, criou simbolismo poderoso sobre a capacidade do país de celebrar cultura enquanto confronta traumas históricos. Salles mencionou especificamente como músicas de Erasmo Carlos, Gal Costa e Caetano Veloso deram significado às cenas, demonstrando como o filme funciona como “celebração do Brasil” integral. A conquista prova que cinema nacional pode competir globalmente sem sacrificar identidade cultural, estabelecendo precedente inspirador para futuras gerações de cineastas brasileiros que buscam reconhecimento internacional.










