Após conquistar o mundo com sua performance em Oppenheimer, Cillian Murphy retorna às telas brasileiras em 13 de março de 2025 com Pequenas Coisas Como Estas, uma produção intimista que marca sua estreia como produtor. O ator irlandês trocou os grandes estúdios de Hollywood pela atmosfera acolhedora de sua terra natal, criando um filme que toca no coração de questões sociais profundas. Baseado no aclamado romance de Claire Keegan, publicado em 2021, o longa promete ser uma experiência cinematográfica transformadora e necessária.
A narrativa se desenrola em New Ross, uma pequena cidade irlandesa dominada pela influência da Igreja Católica em 1985. Bill Furlong, interpretado magistralmente por Murphy, é um respeitado comerciante de carvão que leva uma vida simples ao lado de sua esposa e cinco filhas. Durante uma entrega rotineira de Natal em um convento local, Bill faz uma descoberta chocante que abala suas convicções e o força a confrontar verdades incômodas sobre sua própria comunidade. O encontro inesperado com uma jovem mulher aprisionada desperta memórias dolorosas de sua infância e o coloca diante de uma escolha moral devastadora.
Como Bill Furlong enfrenta seu passado traumático?
A jornada de Bill em Pequenas Coisas Como Estas é profundamente marcada pela conexão com sua própria história familiar. O protagonista foi criado por uma mulher rica e generosa, Srta. Wilson (interpretada por Michelle Fairley), após sua mãe morrer e seu pai desaparecer quando ele ainda era criança. Essa experiência de abandono e posterior acolhimento molda sua visão de mundo e sua compaixão pelas pessoas vulneráveis. Murphy demonstra toda sua habilidade dramática ao retratar um homem que carrega as cicatrizes emocionais de ter crescido sem a proteção de uma família tradicional.
O filme explora como o trauma infantil influencia as decisões de Bill na vida adulta, especialmente quando ele se depara com situações que ecoam sua própria experiência de vulnerabilidade social. A descoberta das práticas cruéis no convento ressoa profundamente com suas memórias, criando um conflito interno entre o desejo de proteger sua família atual e a necessidade moral de agir contra as injustiças. Tim Mielants, diretor conhecido por seu trabalho em Peaky Blinders, conduz essa narrativa psicológica com sensibilidade, permitindo que Murphy explore camadas complexas de emoção através de olhares e gestos sutis.
Qual é a verdade sombria por trás das Lavanderias de Madalena?
Pequenas Coisas Como Estas revela um dos capítulos mais perturbadores da história irlandesa: as chamadas Lavanderias de Madalena ou Asilos de Madalena. Essas instituições funcionaram entre os séculos XVIII e XX, administradas pela Igreja Católica, com o objetivo supostamente nobre de “reabilitar” mulheres consideradas problemáticas pela sociedade da época. Na prática, esses locais se tornaram verdadeiras prisões onde mães solteiras, vítimas de abuso sexual, prostitutas e mulheres com deficiências físicas ou mentais eram mantidas contra sua vontade.
Estima-se que aproximadamente 30 mil mulheres passaram por essas instituições na Irlanda ao longo de sua existência. As internas eram forçadas a trabalhar gratuitamente em lavanderias comerciais, costurando e lavando roupas para empresas, órgãos públicos e Forças Armadas, gerando lucros substanciais para as ordens religiosas. O último asilo foi fechado apenas em 1996, em Waterford, revelando como essas práticas abusivas persistiram até o final do século XX. O governo irlandês só reconheceu oficialmente essas atrocidades em 2013, quando o primeiro-ministro Enda Kenny pediu desculpas formais às vítimas.
Por que Emily Watson brilha como antagonista?
Emily Watson, conhecida por sua performance em Duna: A Profecia, oferece uma interpretação memorável como Irmã Mary, a madre superiora do convento que personifica o sistema opressivo retratado no filme. Sua personagem representa a face institucional da crueldade disfarçada de caridade religiosa, utilizando manipulação psicológica e autoridade moral para manter o silêncio sobre os abusos cometidos. Watson consegue transmitir a frieza calculada de alguém que acredita genuinamente estar fazendo o bem, tornando sua vilania ainda mais perturbadora.
A química entre Murphy e Watson cria alguns dos momentos mais tensos do filme, especialmente durante uma conversa agonizante onde a madre superiora deixa implícitas as consequências que Bill, sua esposa e suas filhas enfrentarão caso ele revele o que descobriu. Essa dinâmica de poder ilustra perfeitamente como instituições religiosas mantinham controle sobre comunidades inteiras através do medo e da intimidação. O elenco ainda conta com Eileen Walsh, Clare Dunne, Helen Behan e outros talentosos atores irlandeses que enriquecem a narrativa com suas performances autênticas e comoventes.
Como Cillian Murphy se tornou produtor do projeto?
A transformação de Cillian Murphy em produtor aconteceu de forma orgânica durante as filmagens de Oppenheimer. Em conversas com Matt Damon sobre projetos futuros, Murphy apresentou sua ideia de adaptar o livro de Claire Keegan para o cinema. Coincidentemente, Damon e Ben Affleck haviam acabado de lançar a produtora Artists Equity e se interessaram imediatamente pelo projeto. Essa parceria permitiu que Murphy tivesse controle criativo total sobre a adaptação, garantindo que a essência do livro fosse preservada.
O ator irlandês trabalhou com colaboradores de longa data, incluindo o roteirista Enda Walsh (conhecido por The House), com quem mantém amizade há quase 30 anos, e Alan Moloney, outro produtor com quem desenvolveu diversos projetos ao longo de três décadas. Essa rede de confiança profissional permitiu que Murphy explorasse temas pessoalmente significativos, já que ele próprio é um defensor ativo de causas sociais na Irlanda. O resultado é um filme que reflete tanto sua maturidade artística quanto seu compromisso com narrativas que promovem mudanças sociais positivas.
Qual é o legado histórico que o filme pretende preservar?
Pequenas Coisas Como Estas chega aos cinemas em um momento crucial para a memória coletiva irlandesa, quando sobreviventes das Lavanderias de Madalena ainda lutam por justiça e reparação. Em 1993, a descoberta de 155 corpos não identificados em um terreno de um antigo convento em Dublin chocou o país e levou a investigações que revelaram a extensão dos abusos. Organizações de ex-internas e seus descendentes continuam exigindo compensações, enquanto as ordens religiosas responsáveis se recusam a participar dos esquemas de reparação propostos pelo governo irlandês.
O filme serve como um lembrete poderoso de que injustiças históricas não devem ser esquecidas ou minimizadas. Murphy comparou publicamente seu projeto com Ainda Estou Aqui, o filme brasileiro vencedor do Oscar 2025, destacando como ambas as produções abordam períodos sombrios de suas respectivas histórias nacionais. Através da história pessoal de Bill Furlong, o longa convida os espectadores a refletirem sobre a importância da coragem individual diante de sistemas opressivos e sobre como pequenos atos de resistência podem ter consequências profundas para toda uma comunidade.










