A tendência a imaginar cenários negativos em situações de incerteza tem sido um tema recorrente em conversas sobre saúde mental. Especialistas apontam que esse hábito de se preparar para o pior não surge do nada, mas está ligado à forma como o cérebro humano foi moldado ao longo da história..
Por que o cérebro humano foca tanto no negativo
Pesquisas em psicologia e neurociência descrevem o chamado viés de negatividade, um mecanismo pelo qual o cérebro dá mais peso às experiências negativas do que às positivas. Em ambientes cheios de riscos físicos, era mais seguro interpretar qualquer sinal ambíguo como um possível perigo, o que ajudava a garantir a autopreservação em contextos hostis.
Modelos evolucionistas, como o de Haselton e Nettle (2006), conhecido como paranoid optimist, mostram que superestimar a probabilidade de ameaça em situações ambíguas era menos custoso do que ignorar um risco real. Estudos clássicos, como o de Baumeister et al. (2001), reforçam que “o ruim é mais forte do que o bom”, explicando por que um único comentário crítico pode dominar a atenção, mesmo em dias equilibrados.
Para aprofundarmos no tema, trouxemos o vídeo do perfil@psicologmind:
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Como o medo de ameaças se manifesta no cotidiano atual
Hoje, ameaças físicas foram em grande parte substituídas por preocupações sociais, profissionais e emocionais. Uma avaliação no trabalho, um conflito em um relacionamento ou uma mudança inesperada na rotina podem ser encarados pelo cérebro como riscos graves, ativando um estado de hipervigilância.
O organismo reage com respostas de estresse que, em pequenas doses, têm função protetora. Porém, quando esse modo de alerta permanece ligado quase o tempo todo, o cotidiano passa a ser vivido como um campo de perigo permanente, e o cérebro opera como um “otimista paranoico”: espera que as coisas possam dar certo, mas mantém um radar hiperativado para qualquer pista de ameaça.
Como ansiedade e incerteza alimentam a sensação de perda de controle
A aversão à incerteza ajuda a entender por que tantas pessoas se colocam sempre “no pior cenário”. A mente costuma preferir uma notícia ruim, porém definida, a uma situação em aberto; sem clareza, cresce a ansiedade e surge a sensação de que nada está sob controle, o que intensifica pensamentos antecipatórios negativos.
Imaginar o desfecho mais negativo pode funcionar como uma tentativa de recuperar algum senso de domínio: se o pior já foi previsto, a pessoa sente que está mais preparada. Entretanto, ao tratar cada incerteza como ameaça real, o cérebro passa a atuar como se vivesse em um ambiente hostil permanente, favorecendo preocupações crônicas e dificuldade de usufruir momentos neutros ou positivos.
Como lidar com o hábito automático de sempre esperar o pior
A gestão desse padrão começa ao reconhecer que se trata de um funcionamento automático do cérebro, e não de um defeito de caráter. Ao entender que a mente foi moldada para “errar para o lado da segurança”, torna-se possível adotar uma postura mais compassiva consigo mesmo e, ao mesmo tempo, mais ativa na hora de ajustar essas respostas ao contexto atual.
Profissionais de saúde mental sugerem algumas estratégias práticas para reduzir o impacto do viés de negatividade e da aversão à incerteza, sem ignorar riscos reais. Essas ações ajudam a treinar a atenção para incluir cenários mais equilibrados, e podem ser aplicadas no dia a dia:
- Observar os pensamentos: notar quando a mente começa a criar cenários extremos ajuda a diferenciar fatos de interpretações.
- Questionar previsões catastróficas: perguntar-se qual é a evidência concreta para o pior cenário pode reduzir a força desses pensamentos.
- Considerar alternativas: além do pior desfecho, incluir mentalmente possibilidades neutras e também resultados favoráveis.
- Trabalhar a tolerância à incerteza: aceitar que nem tudo pode ser controlado diminui a necessidade de antecipar cada detalhe.
Em muitos casos, a ajuda profissional é indicada, especialmente quando a preocupação constante interfere no sono, no trabalho, nos estudos ou nas relações pessoais. Abordagens como a terapia cognitivo-comportamental focam na identificação de padrões automáticos de pensamento e na construção de respostas mais equilibradas aos momentos de dúvida e insegurança.

É possível mudar o padrão mental de sobrevivência constante
Embora o cérebro tenha sido configurado para priorizar a sobrevivência, isso não significa viver em alerta o tempo todo. Com práticas consistentes, é possível treinar a mente para reconhecer ameaças reais sem transformar toda incerteza em perigo, atualizando um “software mental” antigo para as demandas simbólicas, sociais e emocionais do mundo atual.
Esse processo inclui desenvolver autoconsciência, fortalecer recursos emocionais e criar hábitos que favoreçam um contato mais equilibrado com as próprias preocupações. Dessa forma, o medo da incerteza deixa de orientar todas as escolhas, abrindo espaço para considerar o que já foi superado, os recursos disponíveis e a capacidade de lidar com o que de fato ocorre, em vez de viver apenas em função do que pode dar errado.
Referências bibliográficas
BAUMEISTER, R. F.; BRATSLAVSKY, E.; FINKENAUER, C.; VOHS, K. D. Bad is stronger than good. Review of General Psychology, Washington, DC, v. 5, n. 4, p. 323-370, 2001.
HASELTON, M. G.; NETTLE, D. The paranoid optimist: An integrative evolutionary model of cognitive biases. Personality and Social Psychology Review, 2006.









