A ideia de que basta pensar positivo para que tudo funcione da melhor forma ganhou espaço em livros, palestras, redes sociais e até em ambientes de trabalho. Em muitos contextos, a positividade passou a ser tratada como requisito para o sucesso profissional, para relacionamentos estáveis e para uma vida considerada equilibrada, mas esse discurso vem sendo analisado com mais cuidado por profissionais da saúde mental, que apontam limites claros entre um otimismo saudável e o chamado positivismo tóxico, destacando a importância de validar todos os tipos de emoção.
O que é positivismo tóxico e como ele aparece no dia a dia
A palavra-chave central desse debate é o positivismo tóxico, conceito que descreve a insistência em manter uma atitude positiva em todas as circunstâncias, mesmo diante de perdas, lutos, crises ou estresse intenso. Nessa lógica, a pessoa sente que precisa transformar qualquer problema em “lição” ou “oportunidade” rapidamente, sem espaço para elaborar o impacto emocional das experiências difíceis.
Esse padrão costuma surgir em frases como “poderia ser pior”, “pense nas coisas boas”, “não é para tanto” ou “quem reclama atrai coisa ruim”. Em um primeiro olhar, podem parecer comentários de apoio, mas quando repetidos de forma constante, podem invalidar emoções legítimas e gerar a sensação de que estar triste, abalado ou cansado é sinal de fracasso pessoal.
Para entender melhor esse conceito, trouxemos o vídeo da psicóloga Patricia Leopoldino, publicado em seu perfil:
@psipatricialeopoldino Respondendo a @alesan explicando com detalhes o que é positividade tóxica #psicologia @🧠 Psicóloga Patrícia | TDAH ♬ Tension – Shinjey Kurama
Quais são os impactos do positivismo tóxico na saúde mental
Especialistas em saúde mental apontam que a supressão contínua de emoções negativas está associada ao aumento de sintomas de ansiedade, estresse crônico e somatizações, como dores de cabeça, tensão muscular e alterações de sono. Pesquisas em psicologia das emoções indicam que tentar esconder o que se sente não apenas não resolve o problema, como pode intensificá-lo ao longo do tempo.
Em um estudo experimental clássico, Gross e Levenson (1997) observaram que inibir a expressão tanto de emoções negativas quanto positivas elevou a ativação fisiológica, intensificou o estresse e levou a uma piora do estado emocional geral. Isso sugere que “engolir” sentimentos cobra um custo direto do organismo e aumenta o desgaste psicológico, reduzindo inclusive a capacidade de pedir ajuda.
Como o positivismo tóxico afeta relações e ambiente de trabalho
Essa lógica interfere também nas relações sociais e no ambiente profissional, criando contextos em que falar sobre sofrimento é visto como fraqueza. Quando alguém percebe que, ao compartilhar um problema, recebe respostas imediatas como “seja grato pelo que tem” ou “pare de reclamar”, é comum que passe a silenciar as próprias experiências difíceis e a usar uma máscara de felicidade.
O ambiente se torna pouco seguro para diálogos sinceros sobre perdas ou conflitos, favorecendo quadros de burnout e priorizando apenas metas e produtividade. Resultados apresentados por Van Dam (2021) indicam que ambientes que desencorajam expressões negativas — exigindo postura constantemente positiva — estão associados a maiores níveis de exaustão emocional, reforçando que a pressão por positividade pode ter efeito contrário ao bem-estar pretendido.
- Culpa: a pessoa se sente responsável por não conseguir “manter o pensamento positivo”.
- Vergonha: surge a impressão de que demonstrar fragilidade é inadequado.
- Isolamento: experiências dolorosas deixam de ser partilhadas por medo de julgamentos.
- Desconexão interna: emoções são ignoradas, gerando sensação de vazio ou de “vida automática”.
Como diferenciar otimismo saudável de positividade tóxica
Um ponto importante é separar o otimismo realista da positividade tóxica. O primeiro reconhece que dificuldades existem, admite emoções desconfortáveis e, ao mesmo tempo, busca caminhos possíveis de enfrentamento, articulando esperança com a noção de limites e contexto.
Já a positividade tóxica tenta pular etapas, exige aceitação imediata de tudo o que acontece e transforma o “pensar positivo” em regra inflexível. Sinais como a ideia de que a alegria vira obrigação e a tendência de substituir pedidos de ajuda por autoexigência (“se eu me esforçar mais, não vou me sentir assim”) indicam que a busca por resiliência genuína está sendo comprometida.
- Não há espaço para falar de tristeza, raiva ou medo sem que alguém tente “consertar” o sentimento imediatamente.
- Frases motivacionais são usadas para encerrar conversas difíceis, e não para acolher o que está sendo relatado.
- A pessoa sente que precisa sorrir e parecer bem, mesmo em situações de luto, doença ou perda importante.
- Pedidos de ajuda são substituídos por autoexigência: “se eu me esforçar mais, não vou me sentir assim”.

Quais estratégias ajudam a evitar o positivismo tóxico
A literatura em psicologia contemporânea sugere integrar o pensamento positivo a uma visão mais ampla de saúde emocional, em vez de abandonar qualquer forma de otimismo. Isso inclui reconhecer que emoções desagradáveis também têm função adaptativa, sinalizam necessidades e podem orientar mudanças importantes na rotina, nos relacionamentos e no trabalho.
Algumas abordagens são apontadas como aliadas nesse processo e ajudam a substituir a negação por um acolhimento ativo das emoções. Em ambientes de trabalho, escolas, famílias e redes sociais, criar uma cultura em que o bem-estar não dependa da negação do sofrimento é fundamental para a saúde mental coletiva e para desenvolver recursos internos mais sólidos.
- Aceitação emocional: aceitar que determinados sentimentos fazem parte de situações difíceis, sem julgá-los como “fracos” ou “errados”.
- Mindfulness: práticas de atenção plena ajudam a observar pensamentos e emoções sem se confundir com eles, reduzindo reatividade.
- Autocompaixão: tratar-se com o mesmo cuidado que se teria com alguém próximo em sofrimento, em vez de responder com críticas internas duras.
- Rede de apoio: construir espaços em que seja possível falar de alegrias e também de dores, sem pressão para manter uma imagem perfeita.
Referências bibliográficas
GROSS, J. J.; LEVENSON, R. W. Hiding feelings: The acute effects of inhibiting negative and positive emotion. Journal of Abnormal Psychology, Washington, DC, v. 106, n. 1, p. 95-103, 1997.
VAN DAM, A. Workplace positivity pressure and burnout. Oral Presentation, European Academy of Occupational Health Psychology, 2021.









