Em muitas situações do dia a dia, pedir desculpas surge quase de forma automática. Algumas pessoas se desculpam por falar, por ocupar espaço, por fazer uma pergunta ou até por existir em determinados contextos. Esse comportamento nem sempre está ligado apenas à boa educação: em muitos casos, o pedido de perdão constante é um reflexo de insegurança interna.
O que significa pedir desculpas o tempo todo na prática
O hábito de pedir desculpas em excesso, chamado por muitos psicólogos de perdão excessivo ou “desculpa compulsiva”, não se limita a reconhecer erros genuínos. Trata-se de uma forma de se colocar em segundo plano, buscando aprovação constante e evitando qualquer possibilidade de confronto.
Nessa lógica, o perdão vira uma espécie de passaporte para ser aceito, mesmo quando não houve falha concreta. Antes de avaliar se houve erro real, a pessoa já está se justificando ou assumindo culpas que não lhe pertencem, enfraquecendo a própria voz e sabotando a construção de uma identidade mais firme e autônoma (LEARY, 2001).
Para aprofundar no tema, trouxemos o vídeo do especialista Rafael Gratta:
@rafaelgrattap A psicologia mostra que se desculpar em excesso (“over-apologizing”) pode levar a ressentimento pelos outros, vergonha da própria identidade e dificuldade de se posicionar em situações sociais. Eu costumo dizer para sermos nossa versão mais autêntica de nós mesmos sem se desculpar por isso. Até porque ninguém é “normal”, você só não conhece aquela pessoa o suficiente, e se reprimir e só piora as coisas. MFMA ❤️🔥🙏 #saúdemental #timidez #ansiedadesocial #ansiedade ♬ som original – Rafael Gratta
Quais fatores emocionais estão por trás do perdão em excesso
Do ponto de vista emocional, esse padrão costuma estar ligado à baixa autoestima, à autocrítica exagerada e à sensação de ser responsável por tudo o que acontece ao redor. A pessoa tende a assumir culpas alheias, interpretar reações neutras como descontentamento e sentir necessidade de “consertar” o ambiente o tempo todo.
Assim, o pedido de desculpas perde sua função original de reparação de danos reais e passa a funcionar como uma forma de autoanulação. Em vez de fortalecer vínculos saudáveis, esse comportamento alimenta culpa crônica, ansiedade e a crença de que sempre há algo errado em si, mesmo sem evidências claras.
Por que o hábito de pedir perdão em excesso se desenvolve ao longo da vida
A origem do perdão em excesso costuma estar ligada à infância e à adolescência, em ambientes em que conflitos eram vistos como algo a ser evitado a qualquer custo. Crianças que crescem ouvindo que devem ser agradáveis, discretas e não incomodar ninguém muitas vezes aprendem a se desculpar antes mesmo de entender o que sentem.
Em contextos marcados por crítica constante, humilhação ou punições severas, o pedido recorrente de desculpas passa a funcionar como um escudo emocional. O indivíduo aprende a antecipar o desagrado do outro, desenvolvendo um padrão de submissão emocional que tende a se repetir na vida adulta (GILBERT, 2005).
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Como o ambiente e a cultura influenciam a desculpa constante
Do ponto de vista biopsicossocial, ambientes críticos ou punitivos favorecem estratégias de defesa baseadas na submissão. Quando a criança cresce em um clima de medo ou avaliação permanente, seu sistema interno de alerta fica mais sensível, levando a uma postura cada vez mais submissa para reduzir riscos de conflito.
Além disso, fatores culturais reforçam o padrão de desculpa constante. Em sociedades que valorizam a cortesia e a aparência de harmonia, pedir desculpas com frequência pode ser visto como sinal de boa educação, alimentando a ideia de que qualquer discordância é um problema a ser apagado rapidamente.
Como a autocrítica e o medo de julgamento alimentam esse padrão
Outro elemento importante é a tendência à autocrítica intensa. Pessoas que se cobram demais podem interpretar pequenos atrasos, esquecimentos simples ou discordâncias comuns como grandes falhas pessoais, gerando um monitoramento interno rígido e exaustivo.
Assim, mesmo em situações triviais, surgem frases como “desculpa atrapalhar” ou “desculpa falar isso”, reforçando sentimentos de culpa e ansiedade. Esse ciclo fortalece o medo de julgamento e dificulta o desenvolvimento de uma postura mais compassiva e realista em relação aos próprios erros.

De que forma o perdão em excesso afeta a autoestima e as relações pessoais
Quando o pedido de perdão se torna automático, a própria imagem pessoal é afetada. A pessoa passa a se enxergar como alguém que erra o tempo todo, reforçando a ideia de que há sempre algo inadequado em seu comportamento e enfraquecendo a autoconfiança e a capacidade de decisão.
Nas relações, o perdão excessivo pode favorecer vínculos desequilibrados e submissos, em que conflitos são evitados, mas problemas reais permanecem. Isso se reflete em diferentes áreas da vida, como ilustram os pontos a seguir:
- Papéis de submissão em amizades, relacionamentos e ambiente de trabalho;
- Dificuldade em colocar limites claros e sustentar decisões importantes;
- Sensação recorrente de culpa e medo intenso de desagradar outras pessoas;
- Comunicação pouco autêntica, focada apenas em evitar conflitos diretos.
Como usar o perdão de forma saudável e parar de se desculpar por tudo
O pedido de desculpas em si não é um problema; ao contrário, quando sincero, é um recurso importante para reparar danos reais e preservar vínculos. A questão está no uso automático, por isso é útil aprender a pausar antes de pedir desculpas e perguntar mentalmente se houve de fato um erro ou se você está assumindo uma culpa que não é sua.
Em muitas situações, pode ser mais adequado trocar o “desculpa” por expressões como “obrigado pela paciência” ou “grato por esperar”, além de praticar comunicação assertiva para discordar, negociar e marcar limites com clareza. Algumas estratégias práticas podem apoiar essa mudança de forma gradual:
- Observar em quais situações o “desculpa” surge automaticamente e o que você sente nesses momentos;
- Registrar pensamentos autocríticos associados a esses episódios de pedido de perdão;
- Treinar frases alternativas, como agradecimentos ou explicações objetivas, em vez de se culpar;
- Praticar o hábito de dizer “não” quando algo ultrapassa limites pessoais e valores;
- Buscar apoio profissional, se o padrão estiver ligado a ansiedade intensa, traumas antigos ou relações abusivas.
Quais são as principais referências sobre perdão excessivo e rejeição interpessoal
Ao usar o perdão de forma mais consciente, ele volta a ter o papel para o qual foi criado: reconhecer um erro real, reparar danos e facilitar a convivência. Em vez de rodar como um pedido vazio, torna-se um gesto de responsabilidade e respeito, tanto por quem pede quanto por quem recebe, fortalecendo relações mais saudáveis e autênticas.
Estudos sobre rejeição interpessoal, autocrítica e compaixão ajudam a compreender esse padrão e orientam intervenções em psicoterapia. As obras de Leary e Gilbert, entre outros autores, discutem como o medo de rejeição e ambientes punitivos moldam comportamentos de submissão e pedidos de desculpa excessivos.
Referências bibliográficas
LEARY, M. R. Toward a conceptualization of interpersonal rejection. Psychological Bulletin, v. 127, n. 5, p. 472-489, 2001.
GILBERT, P. Compassion and cruelty: A biopsychosocial approach. In: GILBERT, P. (org.). Compassion: Conceptualisations, research and use in psychotherapy. London: Brunner-Routledge, 2005.










