A produção argentina O Eternauta chegou com tudo na Netflix no dia 30 de abril e rapidamente se tornou um fenômeno mundial. Com apenas seis episódios, a série estrelada por Ricardo Darín conquistou a liderança de audiência em pelo menos 20 países, incluindo Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e até México. A adaptação da icônica história em quadrinhos criada por Héctor Germán Oesterheld e Francisco Solano López entre 1957 e 1959 não apenas recuperou o interesse por essa obra clássica, mas também provou que a América Latina pode produzir ficção científica de alta qualidade.
O sucesso foi tão estrondoso que a Netflix confirmou oficialmente a renovação para uma segunda e última temporada poucos dias após a estreia. Bruno Stagnaro, diretor da série, e Ariel Staltari, roteirista e ator, já estão trabalhando nos roteiros dos novos episódios. A plataforma prometeu que os oito episódios da segunda temporada encerrarão o arco narrativo conforme planejado desde o início, respeitando o ciclo criativo da obra original.
Como a série modernizou uma história em quadrinhos dos anos 1950?
A adaptação trouxe mudanças significativas em relação aos quadrinhos originais para funcionar na televisão contemporânea. Diferente da obra original, a série da Netflix se passa nos dias atuais, e não no começo dos anos 1960 como nos quadrinhos. Essa atualização temporal permitiu que os criadores explorassem questões modernas enquanto mantinham a essência crítica da narrativa original.
Ricardo Darín interpreta Juan Salvo, um homem comum que se vê obrigado a liderar um grupo de sobreviventes após uma misteriosa nevasca tóxica devastar Buenos Aires. A série mantém o espírito da história em quadrinhos original e a visão de seu criador, mas adapta elementos visuais e narrativos para o formato audiovisual. Os efeitos especiais conseguiram trazer à vida os alienígenas descritos nos quadrinhos, que muitos compararam a besouros gigantes, mantendo a fidelidade visual da obra original.
Por que a história de Héctor Oesterheld continua relevante hoje?
A trajetória pessoal de Héctor Oesterheld adiciona uma camada profunda de significado à série. O criador de O Eternauta se tornou uma das figuras mais simbólicas da repressão durante a ditadura argentina. Em 1977, Oesterheld e suas quatro filhas foram sequestrados por forças ligadas à repressão militar. Nenhum deles foi visto novamente, permanecendo até hoje como desaparecidos políticos.
O escritor utilizava sua narrativa para criticar o autoritarismo e a desigualdade social, temas que ecoam fortemente na série atual. A obra publicada em 1969 na revista Gente passou a ter um tom mais abertamente político, com críticas claras ao autoritarismo. Essa dimensão política da história original ressoa perfeitamente com questões contemporâneas sobre resistência e luta coletiva, explicando em parte o sucesso mundial da adaptação.
Quais elementos tornaram a produção um sucesso internacional?
A série inova ao focar no conceito de herói coletivo em vez de um protagonista solitário salvando o mundo. São pessoas comuns, vizinhos e amigos que se unem para sobreviver diante do caos. Essa abordagem revolucionária no gênero de ficção científica diferencia O Eternauta de outras produções similares e cria uma identificação maior com o público.
Os elementos culturais latino-americanos estão presentes de forma autêntica, tornando a experiência mais genuína. Quando os espectadores veem as ruas de Buenos Aires sendo invadidas, sentem que poderia ser sua própria cidade. É ficção científica que fala nossa língua, literal e figurativamente, criando uma conexão emocional que transcende fronteiras geográficas.
O que podemos esperar da segunda temporada confirmada?
A segunda temporada promete expandir os temas que foram apenas sugeridos no primeiro ano, como viagem no tempo, controle mental e a verdadeira natureza da entidade conhecida como A Mão. Matías Mosteirin, produtor da série, confirmou que os oito novos episódios encerrarão o arco narrativo conforme planejado desde o início.
A primeira temporada termina com grandes revelações sobre a invasão alienígena e deixa várias pontas soltas propositalmente. O público descobre que a filha de Juan Salvo está sendo controlada por forças alienígenas, indicando que a invasão ainda está em andamento. Se a série seguir fielmente os quadrinhos, podemos esperar a introdução de mais raças alienígenas e a revelação de que as ameaças enfrentadas pelos sobreviventes são ainda maiores do que imaginavam.
Como O Eternauta redefiniu a ficção científica latino-americana?
A série provou que a América Latina pode produzir ficção científica de classe mundial sem depender de orçamentos milionários de Hollywood. Os efeitos especiais e a produção visual conseguiram criar uma atmosfera convincente de caos pós-apocalíptico, rivalizando com produções internacionais de grande orçamento.
O Eternauta também estabeleceu um novo padrão para adaptações de quadrinhos na região. A Netflix entendeu a responsabilidade cultural envolvida e tratou a adaptação com extremo cuidado para manter o espírito original. Cada personagem e situação foi pensada para honrar a obra que inspirou décadas de luta social. A série se tornou uma linguagem comum para falar sobre resistência, união e esperança em tempos difíceis, exatamente como os quadrinhos originais fizeram há mais de 60 anos.
Qual impacto cultural a série trouxe para a preservação da memória histórica?
Além do entretenimento, O Eternauta serve como veículo de preservação da memória histórica argentina e latino-americana. A obra original nasceu durante um período turbulento da história regional, e sua adaptação contemporânea reintroduz essas questões para uma nova geração que pode não conhecer os detalhes da repressão militar.
A série funciona como ponte entre gerações, conectando jovens espectadores com uma história de resistência que moldou a identidade cultural argentina. Isso é particularmente significativo considerando que Héctor Oesterheld e suas filhas se tornaram símbolos da luta contra a opressão. A popularidade mundial da série garante que essa memória histórica transcenda fronteiras nacionais, educando audiências internacionais sobre os períodos sombrios da América Latina enquanto oferece uma narrativa de esperança e resistência coletiva.










