A ascensão de “You” no cenário das séries de suspense marcou um momento decisivo para o gênero thriller psicológico. Protagonizada por Penn Badgley, a produção conquistou milhões de espectadores ao longo de suas cinco temporadas, consolidando-se como uma das adaptações mais bem-sucedidas da Netflix. Baseada nos livros de Caroline Kepnes, a série transformou uma narrativa literária inovadora em um fenômeno cultural que questionou os limites entre fascínio e horror na representação de comportamentos obsessivos.
O encerramento da série em abril de 2025 representa o fim de uma jornada que durou sete anos e atravessou diferentes cenários urbanos. Joe Goldberg percorreu Nova York, Los Angeles, Madre Linda e Londres antes de retornar à cidade onde tudo começou. Esta trajetória geográfica espelha a evolução psicológica de um personagem que desafiou convenções ao ser simultaneamente protagonista e antagonista de sua própria história.
Como a adaptação literária revolucionou o formato televisivo?
A transição dos livros de Caroline Kepnes para a televisão criou um precedente único no panorama das adaptações. A série You fez sucesso de audiência na Netflix por tanto tempo graças ao carisma de Penn Badgley e à trama intrigante, fazendo com que o público se surpreendesse a cada episódio e devorando cada uma das temporadas em maratona. A autora americana de Cape Cod, Massachusetts, desenvolveu uma narrativa em segunda pessoa que colocava o leitor na perspectiva do stalker, criando um desconforto proposital que foi magistralmente traduzido para a linguagem audiovisual.
Caroline Kepnes escreveu outros livros da franquia: Corpos Ocultos, segundo volume do thriller, seguido por Você Me Ama e, por último, For You and Only You, que será lançado apenas em abril deste ano nos Estados Unidos e ainda não tem previsão de chegar em território nacional. A profundidade psicológica dos textos originais permitiu que a série explorasse camadas complexas de manipulação emocional e dependência tecnológica, temas que ressoaram profundamente com audiências contemporâneas.
Por que a produção mudou de canal antes de chegar à Netflix?
A trajetória de “You” até a Netflix revela aspectos fascinantes sobre a indústria televisiva moderna. Apesar de You ter encontrado seu público na Netflix, a série de suspense psicológico não é uma produção original da plataforma de streaming, pelo menos não a primeira temporada. Isso porque originalmente o seriado foi encomendado pela rede de televisão por assinatura Showtime, como foi noticiado pelo Deadline, em 2015. No entanto, a emissora acabou desistindo da empreitada de última hora.
O Lifetime assumiu a produção e lançou a primeira temporada em setembro de 2018, mas foi apenas quando a Netflix adquiriu os direitos de distribuição internacional que a série explodiu globalmente. A magnitude do sucesso do seriado se deve pela distribuição internacional oferecida pela própria Netflix, na qual a primeira parte do projeto foi vista por mais de quarenta milhões de assinantes pelo mundo afora. Esta mudança de plataforma demonstra como o streaming transformou a viabilidade comercial de narrativas complexas e controversas.
Qual o impacto da representação feminina na equipe criativa?
Um dos aspectos mais significativos de “You” foi o protagonismo feminino em sua concepção e produção. Um dos grandes trunfos da série é a composição feminina na equipe técnica e no time de atuação. Um exemplo disso se dá logo com Caroline Kepnes, autora do livro que deu origem à adaptação, e Sera Gamble, showrunner e co-criadora do projeto seriado. Penn Badgley afirmou que “em geral, todas as pessoas responsáveis por isso são mulheres”.
A escolha deliberada de ter mulheres comandando uma narrativa sobre violência de gênero e stalking criou uma perspectiva crítica única. Sera Gamble, que criou You com Berlanti, deixou o cargo de showrunner para a Temporada 5 para se concentrar no desenvolvimento de outros projetos. Em sua substituição, Foley, que está com a série desde a Temporada 1, e Lo, que se juntou na Temporada 2, assumiram as funções de showrunning. Esta transição preservou a visão original enquanto permitiu uma conclusão coesa para a narrativa de Joe Goldberg.
Como a série abordou questões de vigilância digital e privacidade?
“You” emergiu como uma das produções mais prescientes sobre os perigos da exposição digital desenfreada. A facilidade com que Joe Goldberg rastreava suas vítimas através de redes sociais e informações públicas serviu como um alerta perturbador sobre vulnerabilidades contemporâneas. Toda essa exposição nas redes sociais facilitava o trabalho de Joe para encontrar informações sobre Beck, algo que alguém poderia fazer facilmente na vida real, e isso é assustador.
A série explorou sistematicamente como dados pessoais aparentemente inofensivos podem ser utilizados para construir perfis detalhados de indivíduos. Joe utilizava informações de cartões de crédito, postagens em redes sociais, padrões de localização e hábitos de consumo para orquestrar encontros “casuais” e manipular situações. Esta representação antecipou preocupações que se tornariam centrais nos debates sobre privacidade digital, demonstrando como a tecnologia pode ser instrumentalizada para fins predatórios.
Que elementos únicos diferenciaram “You” de outros thrillers?
A singularidade de “You” residiu em sua capacidade de humanizar um protagonista profundamente perturbado sem romantizar suas ações. Penn Badgley precisou jogar fora sua regra de “sem sexo” para a 5ª temporada de You: “O que eu estou disposto a fazer?”, demonstrando o comprometimento do ator com a complexidade moral do personagem. Penn Badgley quase recusou o papel inicialmente, temendo que a série romantizasse comportamentos tóxicos como stalking.
A narrativa conseguiu manter um equilíbrio delicado entre entretenimento e crítica social, utilizando humor negro e autoironia para expor as contradições do protagonista. Joe final da série finalmente exposto como predador sexual, com a série desconstruindo sistematicamente a fachada de charme que mascarava sua natureza violenta. O castigo final do personagem, que incluiu castração e prisão perpétua, representou uma conclusão moralmente clara para uma narrativa que consistentemente desafiou a empatia do público.
Qual será o legado cultural de “You” após seu encerramento?
O impacto de “You” transcende os limites do entretenimento, estabelecendo novos parâmetros para a representação de violência de gênero na mídia popular. A série demonstrou que as audiências contemporâneas estão preparadas para narrativas moralmente complexas que não oferecem resoluções simplificadas ou protagonistas convencionalmente heroicos. Joe agora é um pária em todo o mundo, com as mulheres que sobreviveram seguindo em frente com suas vidas.
A influência da série pode ser observada no surgimento de discussões mais fundamentadas sobre consentimento, manipulação emocional e responsabilidade digital. Nadia retorna à escrita e começa a ensinar; Maddie cria a família que sempre quis; Kate volta à arte; Marienne se torna uma pintora mundialmente amada. O final otimista para as sobreviventes contrasta deliberadamente com a ruína de Joe, estabelecendo uma mensagem clara sobre justiça e recuperação. Este legado posiciona “You” como uma obra definidora de sua época, capaz de entreter e educar simultaneamente sobre os perigos ocultos da era digital.










