O momento de crise ainda não tem data para terminar. No entanto, após a retomada de praticamente todas as atividades no Distrito Federal, discutir a economia para a fase pós-pandemia está no radar do poder público. Até março, o DF vivia um momento de lenta recuperação, mas os acontecimentos de 2020 atrasaram ainda mais esse processo. Um dos desafios que se anunciam tem a ver com a arrecadação. Entre abril e junho, a receita prevista era de, aproximadamente, R$ 2,1 bilhões. Porém, esse total ficou em R$ 1,7 bilhão, devido a R$ 418 milhões que não se concretizaram com tributos.
A quantia inclui, apenas, as obrigações com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). A taxa é uma das principais fontes de receita do Distrito Federal, pois representa metade do total arrecadado. Somadas outras contribuições, como os impostos sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e Predial e Territorial Urbano (IPTU), a perda real aproxima-se de R$ 500 milhões, segundo a Secretaria de Economia. Até 26 de junho, a inadimplência com o IPVA estava em 35%, e em 21% com o IPTU. Em contrapartida, dados da pasta mostram que houve redução de despesas entre maio e junho.
Na comparação com o mesmo período do ano passado, o Governo do Distrito Federal (GDF) conseguiu economizar R$ 18,3 milhões (20,97%) com custos de energia elétrica, água e esgoto, além de combustíveis e lubrificantes. O motivo foi a adoção do home office no serviço público. A média de acessos diários às 150 plataformas de trabalho remoto chegou a 45 mil. No Sistema Eletrônico de Informações (SEI), por exemplo, cerca de 30 mil documentos são gerados por dia. Além disso, de 3 de março a 17 de julho, foram feitas 17.104 reuniões virtuais. A prática, segundo a pasta, será mantida após o fim da pandemia, com os devidos ajustes.
Sugestões
A Secretaria de Economia ainda estuda os dados relacionados à retomada das atividades econômicas no DF. O órgão não tem dados consolidados sobre os efeitos da reabertura, mas a previsão é de que eles sejam divulgados na segunda quinzena de agosto. Para economistas ouvidos pelo Correio, os cenários de agora e do futuro pós-pandemia são preocupantes. Eles consideram não ser possível saber a dimensão da crise, mas apontam práticas que podem ajudar na retomada.
Para Maria Cristina de Araújo, integrante do Conselho Regional de Economia (Corecon-DF), a recuperação vai exigir desde “políticas agressivas contra o desemprego” até a criação de novos programas de concessão de créditos para microempresários, autônomos e o setor rural. “Além disso, será necessário pensar em ações focadas no setor de serviços. Houve queda grande no turismo, área que gerava renda. É preciso ouvir representantes e desenvolver meios até para explorar pontos turísticos e estruturas como a do Mané Garrincha”, sugere.
Na avaliação da conselheira, uma das saídas para auxiliar e qualificar quem ficou desempregado seria um convênio com o Sistema S. “O trabalho autônomo no DF é grande. Seria uma política de captação dos trabalhadores para que eles sejam inseridos no mercado”, observa Maria Cristina. “As empresas, por sua vez, podem contar com benefícios fiscais com a contrapartida de se comprometerem a manter postos de trabalho e criar vagas”, acrescenta.
Reinvenção
Com o aumento do desemprego, alguns tiveram de se arriscar em meio à pandemia para conseguir arcar com despesas básicas. Waléria dos Santos Castro, 40 anos, teve redução da jornada de trabalho e passou a receber metade do salário. O filho dela, Lucas Vinicius Castro, 21, foi demitido. Os dois decidiram usar as economias e o valor da rescisão para abrir um carrinho de cachorro-quente, em Vicente Pires.
“Tivemos de nos reinventar com coisas que não estávamos esperando, mas estamos tendo um retorno muito bom”, conta a empresária. Mesmo sem precisar recorrer a linhas de crédito, Waléria acredita que ter apoio para o período posterior à pandemia será importante. “Talvez empréstimos com taxas menores podem ajudar. Muita gente fechou as portas e vai acabar precisando. Tenho medo disso. Até porque temos esperança de abrir uma loja futuramente”, comenta.
Emprego
Consultor da direção do Conselho Federal de Economia, o professor universitário Roberto Piscitelli considera que os recursos ainda têm sido usados de maneira ruim e defende a aplicação do dinheiro público em atividades que gerem retorno. “O que também precisa mudar é que aqui dependemos muito do Governo Federal e do Fundo Constitucional. O fundo é muito importante, mas depende de arrecadação da União. Temos de pensar nisso. Se não houver retomada de crescimento do país e melhoria dos níveis de arrecadação, dificilmente poderemos dar passos mais largos”, analisa.
Manter as pessoas no emprego neste momento é uma das principais preocupações de Rander Rogério Guimarães, 30, e de Geovana Melissa Agostini, 41. Os dois sócios abriram um bar em Taguatinga Norte em meio à pandemia e contrataram 10 funcionários. “Para empregar hoje, é preciso ter coragem. Estamos em um cenário totalmente atípico. Às vezes, pergunto-me: será que vamos conseguir manter esse pessoal? Será que não estamos dando esperanças que serão reduzidas depois?”, reflete Rander. “Contratar uma quantidade boa de pessoas, mesmo com receio, é apostar na volta e no sucesso do bar. Essa foi uma das maiores dificuldades, pois estamos lidando com vidas.”
Pela importância, o setor de serviços pode ser um dos que mais demorarão a se recuperar, segundo o professor de economia e finanças do Ibmec-DF Frederico Gomes. “Se você considerar os bares e restaurantes, não vai bastar o número de casos começar a cair. Talvez, (os resultados) só retornem mesmo com a vacina”, observa. Ele considera que os empreendedores estão “estrangulados”, por isso, garantir que o crédito chegue a eles, em taxas acessíveis e sem muita burocracia, é o ideal. “O DF deve sofrer bastante, ainda. Para o pessoal do setor privado, o baque vai ser grande. Há muita gente que não figura nas estatísticas de emprego porque não está procurando (vaga). Quando as coisas começarem a voltar ao normal, essas estatísticas do desemprego vão aumentar”, alerta Frederico.
Três perguntas para Espedito Souza, subsecretário da Receita
Como a crise afetou o desempenho esperado para o DF neste ano?
O governo não é gerador de riquezas. Ele gira com a riqueza produzida pelas pessoas físicas e jurídicas, por meio da arrecadação tributária. A crise que vivemos fez essa arrecadação se ressentir bastante. Seja por causa da inatividade de vários setores da economia, seja pelo desemprego de muitas pessoas físicas que têm seus tributos diretos, a receita acabou sentindo esse impacto. A frustração só não foi tão ruim porque nossos parlamentares dispõem de parte do orçamento para emendas. Tanto os distritais quanto os federais foram bastante compreensivos e destinaram parte das emendas para programas de governo do DF, principalmente para a Saúde. O Governo Federal também entrou para assistir todos os estados com algum recurso, para compensar parte da perda de arrecadação. O secretário (de Economia) André Clemente tem feito esse balanço entre receitas e despesas de forma bastante eficiente para que o DF não sinta os efeitos dessa perda de arrecadação.
Quais são as propostas concretas do GDF para a recuperação da economia?
O GDF tomou algumas iniciativas importantes. O Procred (Programa Emergencial de Crédito Empresarial do DF) foi uma delas, para disponibilizar a nossos empreendedores acesso a linhas de crédito que pudessem ajudar nesse período de depressão e de recuperação econômica. Várias empresas não têm condição de se reerguer. Conseguimos perceber algum movimento maior do que o normal no pedido de baixa de emprego. A economia realmente se ressentiu por causa desse período de pandemia, mas o DF não tem economizado esforços. Além do Procred, aprovado na Câmara Legislativa, enviamos o Refis (Programa de Incentivo à Regularização Fiscal), mas esse, infelizmente, não foi aprovado. Se tivesse sido, seria bastante importante para a recuperação de nossos empresários. Muitos não conseguem ter a certidão negativa por causa de inadimplência tributária, e isso começa a prejudicar os negócios. Essa teria sido uma boa saída. No entanto, nossos representantes entenderam que não era o momento. Então, temos de trabalhar com o que temos.
Houve uma economia considerável com o teletrabalho. Onde mais o GDF pode cortar gastos?
Quem faz esse balanço é o nosso secretário, André Clemente. Ele é o responsável maior pela Receita e pelo Tesouro. Ele tem tomado iniciativas de melhorar a eficiência da gestão pública, de modo que possamos ter economia, não apenas em razão do teletrabalho, mas, também, de economias na gestão da folha de pagamento. O secretário determinou que fosse feita auditoria nelas, para verificar eventuais inconsistências, trazendo para a realidade e para que o DF pague somente o que é devido. Apesar da crise, o secretário tem trabalhado para não deixar de pagar os prestadores de serviço, os fornecedores. Porque sabemos que esses fornecedores ao governo são parte importante da economia e não podem deixar de receber, senão começa um efeito cascata e a economia pode se ressentir mais ainda. Então, há eficiência e auditoria nas folhas de pagamento; eficiência no gasto público; e atenção total às medidas de combate à covid-19, via Secretaria de Saúde e emendas parlamentares.
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