ÁGUA MINERAL

Privatização do Parque Nacional de Brasília deixa dúvidas

Governo federal sustenta que a administração de unidades de conservação continuará com o ICMBio, mas pesquisadores preocupam-se com exploração econômica em detrimento da preservação

Jéssica Eufrásio
Augusto Fernandes
postado em 11/08/2020 06:00 / atualizado em 11/08/2020 22:42
 (crédito: Vinicius Cardoso Vieira/Esp. CB/D.A Press - 3/10/18 )
(crédito: Vinicius Cardoso Vieira/Esp. CB/D.A Press - 3/10/18 )

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) autorizou, nesta segunda-feira (10/8), a abertura do processo de concessão à iniciativa privada do Parque Nacional de Brasília, também conhecido como Água Mineral, e do Parque Nacional de São Joaquim (SC). As duas unidades continuarão sob gestão, fiscalização e proteção do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). As empresas escolhidas, contudo, terão de prestar serviços de apoio à visitação, à conservação, à proteção e à gestão das unidades. Os investimentos deverão ocorrer de forma regulada, nos termos contratuais e por período determinado.

A Secretaria-Geral da Presidência da República informou que o decreto busca aumentar o acesso à população e otimizar o uso de recursos públicos. A mudança ocorre no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e inclui as duas unidades no Programa Nacional de Desestatização (PND) do Governo Federal. Os parques nacionais da Tijuca (RJ), do Iguaçu (PR) e de Fernando de Noronha (PE) são alguns locais cuja administração foi concedida a empresas privadas. Nesses três casos, as concessionárias ficaram responsáveis pela exploração das áreas de uso público.

Outras unidades geridas pelo ICMBio, como o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses (MA), o Parque Nacional de Jericoacoara (CE) e o Parque Nacional do Iguaçu (PR) entraram no PND em dezembro. No entanto, um projeto de decreto legislativo protocolado pelo deputado federal José Guimarães (PT/CE), no mesmo mês, tenta sustar os efeitos da medida, por considerá-la inconstitucional. A proposta está parada na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara Federal desde a apresentação.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que a concessão dos espaços pode durar 15 anos, mas acrescentou que há possibilidade de os contratos durarem o dobro, caso sejam prorrogados. No DF, além da Água Mineral, a Floresta Nacional de Brasília (Flona) também deve ser concedida à iniciativa privada. “São as unidades que nós entendemos que têm grande potencial de turismo e (estão) subutilizadas, subvisitadas. A gente entende que essa é uma grande oportunidade para os brasileiros”, afirmou Salles durante visita ao Parque Nacional de Brasília, em 30 de julho.

Possibilidades

Presidente da Associação dos Amigos do Parque Nacional de Brasília (Afam), Moacir Putini teme que a mudança gere prejuízos, como restrições e aumento de preços. Para ele, a comparação com outros parques nacionais geridos por concessionárias não faz sentido pela diferença de características entre as unidades. “A Água Mineral é uma área de lazer da população daqui. Ela é mais acessível. Mas vamos tentar dois caminhos — o jurídico e o político, junto à bancada federal do DF — para sugerir uma parceria entre o Governo do Distrito Federal e o Ministério do Meio Ambiente (no lugar da concessão)”, afirmou Moacir.

Especialista em meio ambiente e professor do Centro Universitário Iesb, Luiz Fernando Ferreira considera que o resultado pode ser positivo se tratar apenas de serviços turísticos prestados. “O problema é que o decreto transfere à iniciativa privada não só a concessão dos serviços, mas também a gestão do parque como um todo, incluindo a conservação. Isso é uma obrigação da gestão pública. Há uma previsão no Sistema Nacional de Unidades de Conservação de fazer a concessão dos serviços, o que inclui a conservação, mas seria para uma organização da sociedade civil, não para a iniciativa privada”, comenta. “Se a empresa tiver de decidir entre lucrar mais ou deixar uma área de proteção intangível de acordo com o plano de manejo, ela pode optar pela exploração em detrimento da conservação.”

Professor de gestão ambiental da Universidade de Brasília (UnB), Gustavo Souto Maior destaca que o orçamento da União destinado ao ICMBio para a manutenção de mais de 300 unidades de conservação é ínfimo. Ele acredita que, se o processo ocorrer de maneira bem-feita, pode melhorar as condições de preservação. “Com certeza, há uma questão econômica por trás. São parques com potencial turístico muito grande. Mas eles continuarão sob responsabilidade do Estado. O que será concedida é só a parte destinada a uso público. Como você controla isso? Revendo o plano de manejo e garantindo o cumprimento dele, com a sociedade civil participando desse controle”, orienta o pesquisador.




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Estrutura e valor

Ambientalistas dividem opiniões sobre a entrega de patrimônios naturais à iniciativa privada. O diretor-presidente da Fundação Pró-Natureza (Funatura), Bráulio Dias, acredita que há potencial ecoturístico a ser explorado nas unidades de conservação. “A concessão é um modelo que o governo tem para viabilizar uma gestão com mais eficiência de um bem público. Há unidades de conservação que exigem grandes investimentos de infraestrutura e o governo pode não ter recursos para isso. Como consequência, muitas permanecem fechadas para visitação pública, o que representa uma falta de aproveitamento da oportunidade do potencial ecoturístico desses parques. Nesse contexto, fazer a concessão para empresas privadas é uma opção que pode ser considerada”, opina.

Integrante do Fórum das ONGs Ambientalistas do DF e Entorno, o engenheiro florestal César Victor do Espírito Santo é contra a desestatização dos parques nacionais. Ele diz que as unidades de conservação são “patrimônios do povo” e que não poderiam ser terceirizadas só com base no potencial econômico. “O governo sempre considera essa questão como uma despesa que não traz retorno, mas é uma visão absurda. No momento em que estamos protegendo nosso patrimônio natural, garantimos boas condições de vida para as atuais e futuras gerações. O próprio poder público tem de ter uma estrutura mínima para fazer esse trabalho”, defende.

Lazer na natureza

Criado em novembro de 1961, o Parque Nacional de Brasília, conhecido como Água Mineral, tem área de aproximadamente 42,4 mil hectares, entre Sobradinho, Brazlândia e Padre Bernardo (GO). As principais atrações são as piscinas Areal e Pedreira, abastecidas por águas de nascentes no interior da unidade de conservação ou nas proximidades dela. O parque conta com duas trilhas: a da Capivara, com 1,3km de extensão, e a Cristal, de 15km. Nesta segunda trilha, são permitidos passeios de bicicletas e o acesso a uma área chamada de Ilha da Meditação, indicada para a observação de aves.

O Parque Nacional de São Joaquim foi criado alguns meses antes, em julho de 1961. A unidade de conservação estende-se por 49,8 mil hectares na região serrana de Santa Catarina. Conta com atrativos como o Morro da Igreja, a Pedra Furada, paredões, cânions, penhascos, cachoeiras e rios. Por estar em umas das regiões mais frias do Brasil, abriga campos e paisagens florestais que ficam cobertos de neve durante o inverno. Entre as atividades disponíveis há caminhadas, cavalgadas, escaladas e mountain bike.

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