Alunos da UnB combatem fake news sobre covid entre população de baixa renda

Um projeto criado por estudantes de ciências naturais da Universidade de Brasília leva informações apuradas e com base científica sobre o coronavírus para pessoas de baixa escolaridade. O intuito é acabar com as falsas notícias sobre a doença

Caroline Cintra
postado em 17/08/2020 06:00
 (crédito: Arquivo Pessoal)
(crédito: Arquivo Pessoal)

Diariamente, centenas de informações sobre o coronavírus circulam nas redes sociais. Mas até onde elas são verdadeiras? Estudo realizado por duas pesquisadoras da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em abril deste ano, apontou que os meios de comunicação mais usados para disseminação de falsas notícias sobre a doença foram Instagram, Facebook e WhatsApp. De acordo com os resultados, 73,7% dessas mensagens são transmitidas pelo WhatsApp. Para evitar a propagação desse tipo de conteúdo, alunos do Programa de Educação Tutorial (PET) Ciência da Universidade de Brasília (UnB) criaram um grupo para esclarecer dúvidas sobre a covid-19, principalmente para pessoas com baixa escolaridade e sem acesso à informação.

O projeto PET Covid-19 começou no início da pandemia, em abril. Com a suspensão das atividades acadêmicas, seguindo o decreto do Governo do Distrito Federal, como medida de combate ao coronavírus, os integrantes do grupo decidiram dar continuidade às pesquisas científicas, mesmo em casa. A iniciativa foi do estudante de ciências naturais Gabriel Cajado, 22 anos. Ele contou que começou a receber notícias de familiares e amigos sobre possíveis curas da doença, entre outros assuntos, e decidiu criar um meio de apurar as informações com base em estudos e fontes seguras para repassar à população.

“Resolvi criar esse grupo, no WhatsApp mesmo. Pensei que professores da faculdade poderiam ajudar a tirar essa dúvida. Pensei que não daria certo. Mas ganhou uma proporção que eu não imaginava. Todo dia a gente abre o grupo para perguntas e várias pessoas participam. Mostra que está dando muito certo”, comemorou Gabriel. Hoje, o grupo é composto por 245 pessoas, sendo 20 alunos da UnB e 225 cidadãos participantes.

Gabriel ressaltou que o principal intuito do grupo é levar informação verídica e de forma simplificada. “A gente recebe muitas perguntas sobre questões mais técnicas e difíceis. Adaptamos para quem não tem conhecimento. Tem termos que nem alunos de uma graduação sabem, quanto mais quem tem baixa escolaridade. As pessoas confiam muito no que a gente faz. É um sentimento bom poder levar ciência para as pessoas”, afirmou o estudante.

Coordenador do PET Ciência e professor de zoologia, Eduardo Bessa lembra que quando soube da ideia do aluno, teve o mesmo sentimento inicial e desacreditava do projeto. “Achei que não ia funcionar. Pensava que o WhatsApp era território de fake news, de informações de baixa qualidade. Mas ele acabou me convencendo. Criamos o grupo em 1º de abril e não podíamos estar mais errados. Nós nos saímos muito bem e, no começo, muitas pessoas aderiram e começaram a mandar perguntas”, contou.

Plataformas

Como chegavam várias dúvidas iguais no grupo, o professor criou um site chamado Facilita Aí, para armazenar todas as respostas e conteúdos produzidos pelos alunos. O endereço eletrônico funciona como um FAQ (Frequently Asked Questions) ou, traduzido, Perguntas Frequentes. Antes da pandemia, os integrantes do PET Ciência tinham um programa em uma rádio comunitária, mas, com o fechamento do estúdio, devido à crise epidemiológica, eles criaram um podcast no Spotify, onde divulgam, semanalvmente, conteúdos sobre a doença.

“São meios que encontramos para conversarmos com a comunidade da periferia. As orientações que recebemos são ‘se um familiar tem o diagnóstico positivo, isola ele’, mas isso numa casa da periferia é inviável. As casas são pequenas, não têm como isolar alguém”, ressalta o professor. Para ele, os alunos têm se destacado a cada nova ação proposta. “Eles têm se saído muito bem. Uma pessoa uma vez perguntou se máscara feita de filtro de café era eficiente. Eles (alunos) foram em um site de pesquisa alemão e encontraram a resposta. Mesmo sem entender nada do idioma, com ajuda do tradutor, eles se esforçam muito em procurar a informação”, completa Bessa.

Programa

O PET é um programa do Ministério da Educação (MEC), desenvolvido por grupos de estudantes, com tutoria de um docente nas instituições de ensino superior no país. Na UnB, participam os alunos com alto desempenho acadêmico e com as melhores notas. Além disso, é preciso passar por uma série de provas, testes e dinâmicas até ser selecionado. Existem duas modalidades, de bolsistas e de voluntários.

A estudante de ciências naturais Daniele Rodrigues, 21, lembrou que, quando estava no terceiro semestre do curso, ouviu falar do projeto, mas não sabia do que se tratava. “Comecei a conhecer, vi a variedade de oportunidades para o currículo e me apaixonei, principalmente pela rádio. Até criei meu próprio podcast, onde falo sobre ciência”, contou. Ela, no entanto, sentia falta do contato com o público. E o PET Covid-19 foi a oportunidade para isso. “Foi a coisa mais doida que já fiz”, brincou. “Está sendo incrível. Nunca vi ninguém fazer divulgação científica pelo WhatsApp e com o apoio da população. Rolam trocas interessantes. É gratificante”, declarou.

Todos os dias, os administradores do grupo abrem o espaço para perguntas, das 8h às 12h. Os estudantes têm o período da tarde para responder as questões. “Vamos no nosso grupo privado e começamos as pesquisas. Tem sido um trabalho desafiador. A gente vê cada informação absurda e umas difíceis de ser respondidas. Uma senhora perguntou uma vez se podia abraçar o filho coberta de plástico. Tem coisa que emociona”, disse a aluna de ciência naturais Bruna Lara de Andrade, 21.

Gratidão

Passados quatro meses do início do projeto, o grupo reúne moradores não só do Distrito Federal, mas de outros lugares como Goiás, Rio de Janeiro, São Paulo, Tocantins, Recife e Paraná. Moradora de Rio Verde (GO), a professora Haihani Silva Passos, 44, está no grupo desde o começo. Para ela, a iniciativa é importante, porque hoje, a sociedade tem acesso a todo tipo de informação e não sabe a veracidade e a origem dela. “É um grupo fantástico e esclarecedor. Para responder às perguntas leva tempo e eles decodificam a ciência. Pegam a ideia central, com termos técnicos e científicos e passam para uma linguagem clara”, disse.

A aposentada Maria Augusta Ribeiro, 65, soube do projeto por meio de amigos. Ela recebeu o convite para entrar no grupo e logo aceitou. Acompanhou as perguntas e respostas por três dias e, ao ver o resultado, começou a participar. “Fiquei surpresa, porque a intenção é informar tendo bases científicas, médicas, e não na ideia de políticos ou pessoas que não são da área. Vi confiança, porque tem fundamento e consistência. É um trabalho sério, feito por pessoas que sabem”, destacou.

Os interessados em mandar perguntas para os estudantes devem entrar em contato pela página do Instagram ou por e-mail.

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  • Gabriel Cajado, estudante de ciências naturais e idealizador do projeto
    Gabriel Cajado, estudante de ciências naturais e idealizador do projeto Foto: Arquivo Pessoal
  • Professor Eduardo Bessa, coordenador do PET Ciência (E), comemora bons resultados. Acima, estudantes que faziam parte do grupo antes de pandemia e que, agora de casa, continuam o trabalho, combatendo notícias falsas
    Professor Eduardo Bessa, coordenador do PET Ciência (E), comemora bons resultados. Acima, estudantes que faziam parte do grupo antes de pandemia e que, agora de casa, continuam o trabalho, combatendo notícias falsas Foto: Arquivo Pessoal
  • Professor Eduardo Bessa, coordenador do PET Ciência (E), comemora bons resultados. Acima, estudantes que faziam parte do grupo antes de pandemia e que, agora de casa, continuam o trabalho, combatendo notícias falsas
    Professor Eduardo Bessa, coordenador do PET Ciência (E), comemora bons resultados. Acima, estudantes que faziam parte do grupo antes de pandemia e que, agora de casa, continuam o trabalho, combatendo notícias falsas Foto: Ed Alves/CB/D.A. Press - 30/7/20

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