Crimes

Registros de golpes na internet crescem 310% no DF durante a pandemia

Registro de furto mediante fraude on-line aumentou 310% no DF entre março e junho deste ano. Especialistas e a polícia alertam para redobrar os cuidados e desconfiar de contatos de desconhecidos

Jaqueline Fonseca
postado em 17/08/2020 06:00
 (crédito: Ed. Arte/CB)
(crédito: Ed. Arte/CB)

O número de vítimas de crimes praticados pela internet aumentou drasticamente no período de pandemia. O aumento do tempo de tela — período em que as pessoas passam conectadas — e os novos comportamentos impostos em função do novo coronavírus, como maior adesão da população às compras pela internet, têm contribuído para a ação de criminosos.

O delegado-chefe da Delegacia de Repressão aos Crimes Cibernéticos (DRCC), Giancarlos Zuliani, analisa que o aumento da presença on-line gera oportunidade para os que enganam internautas em sites falsos ou de outras maneiras. Ele destaca que o comportamento do usuário também pode colocá-lo em risco, por isso alerta para alguns cuidados básicos. “Comprar em um site novo ou desconhecido é perigoso. Com os dados do cartão, número completo e vencimento, qualquer pessoa pode comprar qualquer coisa no seu nome. Outro erro frequente é repetir senhas em diversas contas. Aí, se vaza uma senha do e-mail, por exemplo, o criminoso pode acessar outros serviços”, alerta.

Segundo registros da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), entre março e junho deste ano, os crimes de estelionatos praticados pela internet aumentaram 198,95%. Já os de furto mediante fraude subiram 310,97%. De março a junho de 2019, foram 82 enquanto, no mesmo período de 2020, houve 337 ocorrências registradas.

O delegado Wisllei Salomão, da Coordenação de Repressão aos Crimes Contra o Consumidor, a Propriedade Imaterial e a Fraudes (Corf) confirma o aumento no número de fraudes, mas pondera que o registro das ocorrências foi facilitado pela delegacia virtual. “Em 2019, não era possível o registro eletrônico desses crimes. A inclusão na DP Eletrônica contribuiu para este aumento do registro com certeza, já que a população não precisa se deslocar até uma delegacia de polícia”, observa.

Alvos na internet

A advogada Mylena Uchôa destaca que, embora o ciberespaço seja ambiente propício para outros tipos de crimes, como ofensa à honra e divulgação indevida de fotos íntimas, o crime organizado costuma buscar lucros e qualquer um pode ser alvo dos bandidos. “Se engana quem acredita que as vítimas desses crimes são somente pessoas que não têm o total domínio no uso da internet e das redes sociais. Todos estão sujeitos, até mesmo pequenas e grandes empresas são alvos dessas organizações criminosas. E, atualmente, esses grupos estão especializados em crimes de cunho patrimonial, como estelionato e fraude.”

A empresária Jéssica Lima, 28 anos, é prova disso. Ela mora em Sobradinho e tem uma loja virtual de pijamas. Mesmo com vasta experiência na internet, foi vítima de golpistas que clonaram seu cartão de crédito, provavelmente durante uma transação virtual. “O banco suspeita que eles tenham acessado meus dados por meio de uma compra que fiz de um pacote de viagens para a Disney. E eu demorei muito a perceber que estava sendo roubada”, relata.

A compra pela internet foi feita no começo do ano, mas só em abril ela percebeu a fraude. “Em janeiro, ele roubou R$ 10, depois, R$ 20. Em março, eu viajei e fiquei 30 dias fora, aí ele roubou mais e eu nem percebi, porque pagava a fatura do cartão sem nem olhar”, contra a empresária. “Em abril, eu estava em casa, de quarentena, em home office, quando recebi uma mensagem do banco, coisa que nunca tinha acontecido antes, dizendo que eu havia feito uma compra de R$ 500, mas eu não tinha comprado nada. Nesse período ele me roubou R$ 2,5 mil, mas o banco ressarciu tudo”, completa. Jéssica registrou ocorrência, mas, por enquanto, não há pistas do golpista.

A Polícia Civil do DF tem atuado para coibir esses crimes e alertar a população sobre os cuidados, mas, em muitos casos, os estelionatários são de outras unidades da Federação. “Na maioria dos crimes de fraudes virtuais, os criminosos não residem no DF e a vantagem ilícita também não é creditada aqui”, afirma o delegado Wisllei Salomão.

Por telefone

Embora não haja dados detalhados sobre esse tipo de crime, sabe-se que tem crescido também o número de golpes praticados por meio de ligações telefônicas — a maioria deles associado a fraudes bancárias. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) registrou aumento de 65% no golpe conhecido como “falso motoboy”.

Trata-se de fraude em que uma pessoa se passa por funcionário do banco e, em uma ligação, informa que o cartão da vítima foi clonado, por isso, é necessário que a pessoa o entregue à polícia. Devido ao período de distanciamento social, o golpista informa que um motoboy irá à casa da vítima para pegar o cartão. Lá, ele pede que o dono digite a senha em uma máquina.

No Guará 1, uma senhora de 78 anos, que preferiu não se identificar, teve um prejuízo de mais de R$ 2,6 mil com esse tipo de golpe. Ela recebeu a ligação de uma mulher, que se dizia funcionária do banco e informava que duas tentativas de compra no cartão tinham sido realizadas. A criminosa disse à vítima que ela deveria entregar o cartão a um funcionário, que o buscaria na casa dela.

Em seguida, um homem chegou, dizendo ser da “Central de Segurança Antifraudes” do banco e apresentando papéis para “comprovar”. O rapaz levou o cartão e os criminosos subtraíram a quantia da conta dela. O prejuízo só não foi maior porque, minutos depois, o filho da vítima chegou, percebeu o golpe e fez o bloqueio por meio da Central Telefônica. A polícia investiga o caso.

O diretor-adjunto de Operações da Febraban, Walter de Faria, alerta: “Os bancos nunca enviam funcionários para recolher os cartões dos clientes. A mistura de medo da doença e a confusão trazida pelo excesso de fontes de informação criam o ambiente perfeito para a ação dos golpistas”.

Nova modalidade

Delegado da 4ª Delegacia de Polícia (Guará), João Ataliba Neto alerta também para um novo golpe na capital federal. Em dois dias, quatro vítimas, todas idosas, registraram ocorrência na unidade policial alegando que foram procuradas por pessoas que disseram que um parente estava em dificuldade financeira. Ao aceitar colaborar, um motorista de aplicativo — que não sabe que fará parte de um golpe — vai até a casa da vítima para passar o cartão dela.

O condutor recebe o chamado para um trajeto normal, mas, ao chegar ao local, é contatado pelo criminoso e informado de que não há corrida. Ele conta a mesma história dita à vítima e pede que o motorista passe o cartão dela e faça a transferência em troca de comissão de R$ 100 a R$ 300.

As vítimas que denunciaram o golpe têm entre 62 e 86 anos. Uma das histórias inventadas para conseguir o dinheiro é a de que um neto está precisando de ajuda para consertar ou comprar um carro. “Orientamos aos moradores do DF que tenham parentes idosos que deem a eles conhecimento sobre essa nova modalidade de estelionato”, diz Ataliba. “Também orientamos aos idosos e aos moradores em geral do Distrito Federal que, quando receberem telefonemas de parentes solicitando auxílios financeiros de qualquer espécie, que tentem retornar a ligação para eles e confirmem tal necessidade e, no caso de não conseguirem, que peçam a ajuda de algum familiar mais próximo”, reforça.

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Fique atento

Confira dicas para se proteger de fraudes bancárias:

» O banco não liga nem encaminha links por SMS, WhatsApp ou e-mail pedindo atualização dos dados, sincronização de token ou desbloqueio de cartão

» Não clique em nenhum link. Digite, no navegador, o endereço eletrônico do banco ou da loja em que pretende realizar a transação ou compra

» Sempre baixar aplicativos apenas da loja oficial do sistema operacional do seu dispositivo

» O banco não entra em contato para pedir cadastro de favorecido, transferências, transações para testes ou estorno de valores nem desbloqueio de cartão

» O banco não entra em contato para dizer que sua conta será bloqueada por falta de atualização cadastral

» Também não envia ninguém em sua casa para retirar seu cartão, notebook, computador, tablet, celular ou o chip dele, nem para pedir atualização ou sincronismo de token

» Fique atento àalinks encurtados e desconhecidos enviados por SMS ou e-mail. Não clique nem informe seus dados

Fonte: Febraban

Legislação garantirá mais segurança

A Lei de Crimes Cibernéticos define que a punição dos criminosos que atuam na internet pode variar de três meses a cinco anos de prisão, a depender da gravidade do delito. No entanto, com relação às empresas que vazam dados dos clientes, voluntária ou arbitrariamente, a responsabilização ainda não é tratada de maneira objetiva. “Atualmente, no ordenamento jurídico brasileiro, existem alguns entendimentos sobre a responsabilização civil da empresa, mas não se prevê especificamente o ilícito civil”, explica o advogado Lucas Aquino, estudioso da ciência de dados.

“Todas as vezes que efetuamos compras e colocamos nossos dados, informações do nosso escore são disponibilizadas num mercado. Com a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), este cenário será diferente, pois as empresas serão penalizadas pelo vazamento de dados caso não estejam em compliance com a norma”, avisa o advogado.

A norma a que ele se refere foi sancionada pelo então presidente Michel Temer, em 2018, e a previsão era de que entrasse em vigor ontem. No entanto, em abril deste ano, o presidente Jair Bolsonaro assinou e publicou a Medida Provisória 959, que prevê que a LGPD entre em vigor apenas em maio de 2021. Durante a votação da MP no Congresso, no entanto, poderá haver alteração.

Para a advogada Mariani Chater, a lei contribuirá para que empresas sejam responsabilizadas com mais previsibilidade. “A LGPD traz como princípio o consentimento de seu titular. Restringe o uso dos dados pessoais apenas àqueles fins específicos e explícitos informados ao titular, com os quais consentiu”, detalha.

Entre as sanções previstas em caso de descumprimento, estão multa de até 2% do faturamento da empresa; eliminação dos dados pessoais a que se refere a infração; e a proibição parcial ou total do exercício de atividades relacionadas ao tratamento de dados. “Espera-se, de fato, uma mudança cultural quanto à coleta indiscriminada de dados e o seu uso irresponsável”, acrescenta Mariana Chater.

Cautela

Enquanto não há previsão de responsabilização civil clara a empresas para o vazamento ou comércio de dados de seus clientes, o advogado Lucas Aquino prevê aumento no número de fraudes e recomenda que o cidadão tenha muita cautela ao fazer compras pela internet. “Atenção aos anúncios on-line como sugestão em redes sociais. Muitas vezes, são fantasiados para se parecer com lojas famosas e assim persuadir o consumidor e levá-lo a erro”, alerta.

“Sempre quando realizar compras pela internet é importante verificar as questões de segurança e confiabilidade do site; procure um atendimento e tire todas as dúvidas possíveis, com a finalidade de desmascarar eventual fraude; sempre guarde todos os comprovantes; evite passar dados por meio de telefone”, continua o advogado (JF).

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