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Adolescentes e jovens são alvo de ofensas de cunho sexual em perfil do Facebook

As vítimas têm entre 11 e 20 anos e são moradoras do Paranoá e Itapoã. Pelo Facebook, fotos das mulheres são associadas a textos de cunho sexual degradante

Sarah Peres
postado em 21/08/2020 19:52 / atualizado em 21/08/2020 19:52
Vítimas de exposição sexual em página do Facebook. As adolescentes e jovens são do Paranoá e Itapoã -  (crédito: Redes sociais)
Vítimas de exposição sexual em página do Facebook. As adolescentes e jovens são do Paranoá e Itapoã - (crédito: Redes sociais)

“Minha dor é imensa. Eu e minha amiga aparecemos em um vídeo, com humilhações sexuais. As palavras são degradantes e passar por isso mudou nossas vidas. Andamos na rua, e as pessoas apontam o dedo para nós, nos ridicularizando. Estamos com o psicológico abalado a ponto de tentarmos tirar nossas vidas.” Esse é o desabafo, em meio às lágrimas, de uma jovem de 20 anos que teve fotos expostas em uma página do Facebook, para moradores do Paranoá e Itapoã, com ofensas escritas em textos de cunho sexual.

A mulher e a amiga, de 17 anos, é uma entre mais de 20 jovens e adolescentes que tiveram imagens, nomes e perfis nas redes sociais relacionados a publicações sexualmente vexatórias. “Já que aqui é pra esparra, vamos lá. Quem vai entra nessa agora sou eu. (...) Não tou ai (xingamento) que da pro (...) eh? Só pode né. Sua otaria. Pra sua informação, ele nem gosta que eu ando com você, porque você é rodada. Me conhece e que da uma de loka. Vai com calma amada que você não aguenta nem um soco (sic)”, é um dos textos que aparece no perfil, que foi tirado do ar desde quarta-feira (19/8).

A reportagem do Correio Braziliense, em parceria com a produtora da TV Brasília Vivien Doherty, conversou com exclusividade com as jovens e familiares que foram vítimas da página criada no Facebook. Os relatos, marcados por grande emoção, foram obtidos nos últimos dois dias, com o objetivo de expor o perfil criminoso, bem como cobrar a identificação e punição dos possíveis envolvidos no caso, que objetificam as mulheres e menosprezam os sentimentos das vítimas.

Acusações

Nas publicações, foram colocadas fotos das vítimas relacionadas a textos com afirmações pejorativas e preconceituosas, afirmando que teriam envolvimento com prostituição, eram portadoras de doenças sexualmente transmissíveis, envolvimento com homens mais velhos, sexo com mais de um parceiro, além do uso de drogas ilícitas. As imagens são de meninas e mulheres, com idades entre 11 e 20 anos.

Uma vítima, de 20 anos, almoçava na casa da sogra, no momento em que passou a ser bombardeada com mensagens e links sobre a postagem na página do Facebook. A mulher, casada, se viu em meio a um furacão, e não conseguiu esboçar qualquer reação. "Fiquei ali, em choque, olhando para a tela do meu celular, com um texto horrível escrito sobre mim e minha vida sexual.”

“Minha vontade era simplesmente sumir. Passou um filme pela minha cabeça, pensando como eu mostraria esse material à minha família e ao meu marido. Meu mundo acabou naquele momento. A minha sorte é que meu companheiro e minha sogra, ao lerem aquela publicação, ficaram do meu lado, prestando apoio e me incentivando a denunciar o caso”, conta.

Apesar do apoio do núcleo familiar, a vítima também passou por situações vexatórias nas ruas do Paranoá e Itapoã. Após registrar o crime na 6ª Delegacia de Polícia (Paranoá), ela decidiu deixar o Distrito Federal e se mudar para outro estado do Centro-Oeste.

  • Vítimas de exposição sexual em página do Facebook. As adolescentes e jovens são do Paranoá e Itapoã
    Vítimas de exposição sexual em página do Facebook. As adolescentes e jovens são do Paranoá e Itapoã Redes sociais
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“Tive de deixar tudo para trás, porque sofri muita retaliação. Um sofrimento fora do comum. O que mais desejo é que se encontre quem está por trás disso, para parar com algo tão grave. Eu peço justiça, porque nunca me envolvi em qualquer problema. Essa pessoa precisa entender que isso é crime, e pode destruir não apenas a minha vida, mas a de outras meninas”, destaca.

Investigação

Desde o surgimento da página, as vítimas, familiares e amigos realizaram um mutirão para tirar o perfil do Facebook do ar. Até a tarde desta sexta-feira (21), mais adolescentes e jovens procuravam a 6ª DP para apuração do caso. De acordo com a delegada-chefe Jane Klébia, a intenção é que todos os processos integrem apenas um inquérito, para que a pessoa ou o grupo por trás do perfil seja preso.

“Tomamos conhecimento desse crime absurdo, praticado por meio de uma página fake em rede social. As publicações expõem fotos e partes dos corpos dessas meninas, a intimidade, a vida privada de maneira pejorativa. São textos que chocam. Estamos trabalhando para a retirada do material da plataforma e a identificação dos autores”, afirma a investigadora.

A delegada Jane Klébia frisa que há agentes “empenhados no caso, com o objetivo de chegar até os envolvidos o mais rápido possível". "Eles podem responder por calúnia, difamação e injúria, além dos delitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, tendo em vista que algumas das vítimas têm menos de 18 anos”, completa.

A reportagem também entrou em contato com o Facebook, que se pronunciou oficialmente, por meio de nota: “A empresa tem políticas que proíbem o compartilhamento de imagens íntimas não-consensuais na plataforma. Removemos esse tipo de conteúdo quando é denunciado, e nos últimos anos passamos a usar a tecnologia para impedir que essas imagens sejam publicadas na plataforma. Trabalhamos ainda com especialistas para mostrar às pessoas como se proteger, e disponibilizamos uma central de recursos para orientar as vítimas.”

Representantes da plataforma de rede social não informaram, contudo, se vão disponibilizar dados do perfil criado para a 6ª DP, o que pode auxiliar na identificação dos criminosos.

Traumas

De acordo com a psicóloga e subsecretária de Atividade Psicossocial da Defensoria Pública do Distrito Federal, Roberta de Ávila, a exposição das vidas íntimas das vítimas causa danos não apenas na vida social, mas acarreta no sofrimento psíquico. “A violência psicológica, se não for tratada, fica para a vida inteira, gerando problemas de saúde mental, perturbando todo o desenvolvimento saudável, comprometendo a habilidade de resoluções e enfrentamento de problemas, na qual a principal consequência, na maioria das vezes, é não conseguir tomar boas decisões. Daí o alto índice de morte precoce por meio do suicídio, como forma de acabar com tamanho sofrimento”, sinaliza. 

A especialista destaca que a situação vexatória a que as meninas e mulheres passaram está ligada à construção social dos papeis de gênero. “As mulheres, em geral, aprendem e utilizam dois dispositivos, o amoroso e o materno. Ela tem que ser a cuidadora, dedicada e afetiva. No ponto de vista de relacionamento, a mulher aprende culturalmente que se sujeitar a qualquer coisa para ter o amor e a aprovação masculina e 'ser escolhida' é muito importante na sociedade”, explica.

“Os homens têm o dispositivo da virilidade laboral e sexual e, quanto mais garanhão e agressivo, mais ele reafirma a própria masculinidade. Então, o homem objetifica a mulher, que é vista como algo que pode ser, simplesmente, descartado. Isso reforça a organização social de gênero, baseada nessa virilidade como força, dominação e potência de exploração das mulheres, na qual a violência de gênero não é apenas física, mas sobretudo, psicológica”, analisa Roberta de Ávila. 

A subsecretária também esclarece, nesse viés, que “não há determinismos". "Mas é raro os casais que constroem uma relação igualitária, sem hierarquia. Isso seria contrariar o contexto social que acontece.” Por fim, Roberta indica como a exposição das vítimas pode gerar conflitos na construção de relacionamentos amorosos futuros.

“Nossa estrutura psíquica é construída por meio de experiências que temos a todo momento. Em meio a essas respostas que temos para o que vivemos, caso ocorra um abalo muito grande em relação à violência psicológica sofrida, isso pode afetar nos relacionamentos. Pode reforçar a perpetuação da violência na vida dessa mulher, com um papel de vítima ou de algoz”, finaliza.

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