O voo de Belgrado para Moscou durou seis horas. Com as outras seis, desde minha última refeição na Sérvia, mais o desembarque na capital russa eram mais de 12 horas sem comer. E eu, que sonhava que a companhia aérea russa servia caviar e vodka durante o voo. Nem uma barrinha de cereal, nem uma ‘cashew nut’, nem um ‘amendoinsky’.
O tempo em jejum foi distraído por uma cerveja, que tomei antes de embarcar, e pela ansiedade de chegar à Rússia. Finalmente, visitaria um país que sempre quis ver de perto, que só conhecia pelos livros, filmes ou pela senhora Lyudmila Tsoukanova, minha professora de russo durante a adolescência.
Saí do aeroporto e encontrei o assédio de vários taxistas, loucos por uma corrida em tempos de aplicativo. Dei uma driblada neles e fui direto ao metrô. Desci na estação Belaruskaya, próximo ao hotel (que não era hotel, mas um pequeno apartamento cheio de gente), e vi a neve pela primeira vez. Congelei-me, quase a ponto de dar piripaque.
Foi quando a fome bateu. Fiquei confuso, à beira de um ataque de pânico, e só queria chegar na hospedagem. Após andar em círculos, debaixo da neve, e quase desmaiar, pedi ajuda em um quiosque que vendia comida. Comi umas esfirras armenas enquanto tentava me localizar, pedindo ajuda ao dono do ‘kiosk’. O senhor armeno, muito gentil, me ajudou na localização até a hospedaria e recusou o pagamento pelo lanche, que foi um banquete, algo divino, tamanha minha fome.
O apartamento era minúsculo, com pessoas de várias etnias da Rússia, muitos da parte asiática. Tinha reservado o maior quarto, creio, talvez o da filha da dona do imóvel, a julgar pela decoração e pelos ursos de pelúcia. “Meu Deus, que fria (claro, é a Rússia)”, pensei. Mas, de fria, eu não tinha visto nada.
Era começo de inverno, menos alguns graus, que gelavam até... Depois de um banho quente, sai faminto em busca de comida (as esfirras do senhor armeno só serviram para eu sobreviver até o ‘hotel’). Nevava, e eu era a única pessoa na rua despreparada para aquilo — meu sobretudo preto estava todo branco da neve, e eu não tinha luvas.
Após cinco minutos intermináveis, estava em uma grande avenida. Parecia o Eixão, Brasília sem a neve. Um provável restaurante ficava do outro lado. Como atravessar aquela via gigante, cheia de carros e sem faixa de pedestre? Impossível. “Vou morrer de fome, na neve. Cadê o tiozinho da Armênia?”
Lembrei-me de Brasília, da minha casa, do... Do Eixão. Oscar Niemeyer, a influência dele na arquitetura modernista soviética. “Deve ter alguma passagem subterrânea nesse Eixão moscovita, não é possível”, creio que falei alto, na esperança de algum brasileiro me ajudar. Fui andando, seguindo o fluxo de pessoas (que lembravam pinguins), mas sem muitas esperanças. Quando pensei em voltar para a cama, vejo a luz no fim do túnel — na verdade uma passagem, assim como as do nosso Eixão. Atravessei a grande avenida pelo buraco e achei o ‘restaurante’; dizia-se mexicano.
Depois do tiozinho armeno, graças à Brasília, graças a Niemeyer, consegui não morrer de fome na neve. Encontrei, em minha memória, um célebre brasileiro em Moscou. Já o jantar, bem... Não foi muito tranquilo. Qualquer hora eu continuo a história.
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