Com quase 170 dias de isolamento social no Distrito Federal, ficar em casa tem sido cada vez mais difícil para as crianças. Desde o início da pandemia, a realidade do público infantil mudou completamente. Dentro de casa em período quase integral, fora das escolas, sem companhias de amigos e familiares. Por isso, o assunto requer atenção cada vez maior dos pais. Especialistas abordam o tema e dão dicas de como reduzir os efeitos psicológicos causados pelo isolamento.
Para a neuropsicóloga e doutora em educação Simone Lavorato, por exemplo, apesar do longo período de enclausuramento, é possível contornar a situação e propiciar uma infância saudável para as crianças. “A principal questão é um acompanhamento constante dos pais nas atitudes e pensamentos dos filhos. A depressão infantil é um assunto extremamente complexo e delicado, então, qualquer tristeza além do normal precisa ser observada e, se necessário, acompanhada por um profissional”, destaca.
A falta de socialização é um dos principais pontos negativos causados pela pandemia, segundo Simone. “Mesmo que não seja a interação ideal, é necessário que os pais promovam uma socialização virtual das crianças com amigos e familiares. A tecnologia ajuda bastante nesse momento”, afirma. Outra questão é garantir um tempo de qualidade com os filhos. “Estabeleça um horário para interagir e acompanhar em uma atividade escolar e evite fazer outra coisa ao mesmo tempo (como mexer no celular). Também, pode-se optar por uma atividade física que gaste a energia das crianças (correr, jogar futebol)”, acrescenta a especialista.
A carga na rotina de Thatiane de Oliveira, 28 anos, aumentou ainda mais na pandemia, devido aos cuidados com a filha Ana, 3.“Suprir a energia de uma criança pequena exige muito esforço, dedicação e atenção, ainda mais sendo filho único”, explica. A opção da mãe foi tornar a rotina da família mais leve e garantir maior lazer. “Acrescentamos mais momentos juntos, em família, como criar brincadeiras e um tempo de qualidade dentro de casa, filmes, jogos e usando bastante a criatividade”, conta. As tarefas são divididas com o marido Arthur de Oliveira, 31. “Esse processo de isolamento é muito difícil, cansativo e estressante. Lidar com tudo isso exige uma disposição diária que nem sempre existe. Às vezes, jogamos algumas atividades para o lado para dar mais atenção, mas a divisão de tarefas nesse momento e a atenção com o filho com alguém que está fazendo o isolamento junto também é muito importante para não sobrecarregar ninguém”, observa.
Uma das alternativas de Ticiana Haas Villas Bôas, 42, mãe de Gustavo,11, Guilherme, 8, e Henrique, 5, foi adaptar ao horário deles. “Precisei alterar meu horário de trabalho para que um deles use o computador que temos em casa. A escola emprestou um, também. Então eles têm aulas a manhã inteira e eu trabalho à tarde. O mais novo, tirei da escola uma vez que não está em fase de alfabetização ainda e tem sido o que tem demandado mais atenção”, conta. Neste momento, a maior preocupação é com a saúde mental de todos. “Tento não me estressar muito com atividades de escola, uma vez que tenho um tdah e um disléxico em casa e a rotina de aula via internet, para eles, é ainda mais massacrante. Acho, que este ano, deveria ser cancelado e começar de novo no ano que vem. Muitas pessoas acham que isso seria uma perda, eu vejo como ganho” avalia.
Rotina
A diversão vem depois da obrigação. Todos os dias, Pedro Ramos, 8, assiste às videoaulas. A mãe, Cristiane Ramos, 26, controla o uso dos aparelhos eletrônicos em casa. “O combinado é dele usar os aparelhos eletrônicos somente depois que fizer as obrigações escolares”, comenta a mãe. O ritmo escolar do filho tem sido positivo.“Ele tem se empenhado mais. Antes, ele já era um bom aluno, mas acredito que o fato de eu e o pai podermos acompanhar as atitudes dele durante a aula o ajuda a focar mais”, avalia Cristiane. Mas não foi sempre assim. No início da pandemia, Pedro tinha dificuldades de entender a necessidade de ficar em casa. “Comecei a ensinar vários hábitos importantes para a prevenção. Como, agora, nós moramos com minha mãe, que está no grupo de risco, ele leva mais a sério. Toda vez que chega em casa, depois de ir ao mercado, passa álcool em gel, lava as mãos e a própria máscara dele”, diz.
A psicóloga Raquel Manzini explica que, neste momento, é importante os pais saberem diferenciar o que pode ou não contribuir com a rotina do público infantil. “Durante a pandemia, as crianças podem ter diversos comportamentos novos, como ficarem mais isoladas ou dedicarem mais tempo a tablets e celulares, e até mesmo apresentar dificuldades em interagir com a família. Por isso, é importante que, mesmo na pandemia, exista uma organização da rotina e que os cuidadores criem estratégicas com as crianças para elas se sentirem amadas, acolhidas, respeitadas e sempre dando uma esperança de que as coisas vão passar”, aponta a profissional.
Alguns comportamentos e atitudes como agressividade, tristeza, pesadelos constantes, fazer xixi na cama e dificuldades com o vaso sanitário podem ser alguns alertas para os pais. “Tudo isso pode estar representando uma ansiedade, então, é importante sentar com a criança e perguntar o que está acontecendo e o que ela está sentindo”, explica Raquel. Caso não haja melhora, aconselha-se o auxílio de um profissional. “Ele vai ajudar a ponderar o que é possível melhorar, aceita o que não está sob controle e deve-se deixar acontecer. Essa fase vai passar e o mais importante é resguardar a saúde mental das crianças”, conclui a psicóloga.
Dicas
• Garantir uma socialização virtual da criança com amigos e familiares
• Dedicar um tempo de qualidade às crianças (agendar um horário para cada atividade, por exemplo)
• Observar qualquer mudança de comportamento
• Caso a família more em um espaço pequeno, tentar ao máximo esvaziar algum local da residência para a criança brincar e gastar energia
• Estabelecer uma rotina para a criança
• Acompanhar nas atividades escolares
• Ler uma história para a criança
• Ver um filme juntos
• Dar uma volta de máscara ao ar livre e pegar sol
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