DENÚNCIA

Arte de rua censurada

Criador do personagem Gurulino, Pedro Sangeon relata que ele e outros dois grafiteiros foram impedidos de forma truculenta, pela Polícia Militar, de pintar painel no Lago Norte. MP apura o caso

Correio Braziliense
postado em 02/09/2020 21:15
 (crédito: Jaqueline Fonseca/CB/D.A Press)
(crédito: Jaqueline Fonseca/CB/D.A Press)

» Jaqueline Fonseca

Três artistas brasilienses relatam terem sido vítimas de violência policial enquanto pintavam um painel na saída do Lago Norte. O caso ocorreu em 28 de junho e veio a público nesta terça-feira, em uma postagem nas redes sociais. Ontem, uma denúncia foi apresentada à Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa e está sendo acompanhada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), por meio do Núcleo de Investigação e Controle Externo da Atividade Policial (NCap).
Segundo narra o grafiteiro Pedro Sangeon, criador do personagem Gurulino, naquela manhã de junho ele saiu com outros dois artistas, Guilherme Silva e Renato Moll, para pintar um mural em uma área isolada, à beira da pista da saída do Lago Norte. Uma viatura da Polícia Militar abordou os três. Os policiais não teriam permitido que eles se apresentassem ou dessem qualquer explicação. “Eles falavam que nós éramos artistas vagabundos, financiados por comitês e sindicatos de esquerda, comunistas”, disse Sangeon ao Correio.
Após a abordagem caracterizada como truculenta pelos grafiteiros, eles foram levados à 6ª Delegacia de Polícia (Paranoá), onde foi feito um registro policial. A ocorrência da Polícia Civil diz que a Polícia Militar apresentou três homens flagrados pichando uma área pública. Eles teriam prestado depoimento e liberados em seguida.
Pedro narra, no entanto, que enquanto estava na delegacia ele e os amigos passaram por situações que violam direitos básicos. “Lá na DP trataram a gente ainda pior. A gente já chegou sendo xingado. Fomos impedidos de falar, obrigados a tirar as roupas, a fazer flexões e a ficar algemado em uma barra de ferro dentro na cela. Escutamos insultos variados. Pedimos nosso telefonema de direito e foi recusado duas vezes. Eles diziam que logo a gente ia ser liberado.”
O artista conta que ele e os amigos ficaram cerca de quatro horas na delegacia. As tintas, os equipamentos e outros materiais utilizados pelo grupo foram apreendidos e liberados apenas ontem à tarde, conforme explicou Renato Moll. A Justiça sentenciou Pedro e Guilherme a pagar multa de R$ 100 cada, enquanto que Renato pagou R$ 300.

Sem autorização

O criador do personagem Gurulino assume que não tinha uma autorização formal para pintar o painel, mas relata que seu trabalho é reconhecido, inclusive, pelo próprio Governo do Distrito Federal, e é costumeiramente realizado após aprovação verbal. Em junho, o artista recebeu um reconhecimento da Secretaria de Cultura do DF pelos painéis que faz pela cidade. Em nota, a administração do Lago Norte disse que não foi procurada pelos grafiteiros para pedir orientação ou autorização para a realização do trabalho.
O caso foi apresentado à Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa. O presidente da comissão, deputado Fábio Félix (PSOL), disse que pediu explicações às corregedorias da Polícia Civil e Militar, por meio da Secretaria de Segurança Pública, e oficiou o Ministério Público para acompanhar o caso. “Oficiamos os órgãos de controle da nossa cidade para que façam uma investigação rigorosa desse caso. A gente não pode tolerar a criminalização da arte de rua e também práticas criminosas por parte de instituições que deveriam proteger a população. A comissão será rígida e vai acompanhar até o fim essas investigações”, declarou o deputado.
A Secretaria de Segurança Pública esclareceu que foi comunicada oficialmente sobre o assunto e fez os devidos encaminhamentos junto às forças de segurança. Já a Polícia Civil disse que vai ouvir todos os envolvidos no episódio para apurar os fatos. A Polícia Militar frisou que os artistas foram presos por pichação de área pública e disse que aqueles que se sentirem prejudicados podem acionar a corregedoria.

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