Entrevista

"Não vi nenhum fato que pudesse levar a essa prisão", diz Ibaneis sobre detenção de secretário de Saúde

Chefe do Executivo local considera a detenção do secretário de Saúde, Francisco Araújo, desnecessária e avalia que a crise sanitária começa a dar sinais de melhora. "A pandemia pegou todos de surpresa. Todas as áreas. Abateu a todos, comércio e empresas"

Denise Rothenburg
Alexandre de Paula
postado em 03/09/2020 06:00 / atualizado em 03/09/2020 07:43
 (crédito: Ana Rayssa/CB/D.A.Press. Brasil)
(crédito: Ana Rayssa/CB/D.A.Press. Brasil)

Em meio à crise provocada pela suspeita de irregularidades nas compras de testes rápidos, o governador Ibaneis Rocha (MDB) afirma, em entrevista exclusiva ao Correio, que não se pode apontar o dedo para nenhum dos investigados. Na visão do emedebista, a prisão do secretário de Saúde afastado, Francisco Araújo, e outros gestores da pasta, foi desnecessária e que a investigação do Ministério Público poderia seguir apenas com o afastamento deles do cargo.

“Do meu ponto de vista, não acredito que haja culpa. Li os documentos. Sou advogado e não vi ali nenhum fato que pudesse levar a essa prisão, mas é direito do Ministério Público fiscalizar e é direito do Poder Judiciário decidir”, declarou. “Agora, caso seja comprovado, cada um com a sua culpa. É bom deixar claro isso. Tenho convicção de que não participei de nenhum desses atos e, até que se apresente a denúncia e se faça a defesa, eu os tenho como inocentes”, acrescentou.

Ibaneis avalia que o cenário da pandemia no DF começa a melhorar e que o pior momento passou. Para o governador, a tendência, a partir de agora, é de queda no número de casos, e o sistema público da capital tem condições de atender à demanda atual. Na entrevista, o governador também tratou de temas como economia, eleições de 2022 e avaliou a atuação do governo federal na gestão da crise sanitária.


O senhor foi extremamente elogiado no início da pandemia, porque teve a coragem de tomar medidas necessárias. Mas, depois, de repente, resolveu reabrir tudo. O que houve?
Desde o início, quando reunimos os técnicos, tínhamos um cronograma do que aconteceria. Vimos no cenário mundial quais as experiências boas e quais as que deram errado. E tínhamos uma ideia de quando seria a data para começar a reabertura. Então, fizemos o isolamento inicial, passamos de 70%, mas tínhamos a previsão de que, a partir de um determinado momento, esse isolamento ia cair naturalmente, porque ninguém aguenta ficar recluso um tempo maior do que 60, 65 dias. A partir dali, tem que fazer um processo de reabertura. De outro lado, tínhamos que acelerar no lado da saúde para poder, no momento da reabertura, ter leitos para acompanhamento dessas pessoas. Conseguimos, ao longo do período, colocar leitos de UTI e de enfermaria num número também programado.

O pessoal da saúde trabalhou para programar o que seria necessário naquele determinado momento. Isso tudo foi cronometrado. A gente sabe que tem as variáveis. Até essa data, em que chegamos, se vocês lembrarem, eu falei que na segunda quinzena de julho e início de agosto teríamos o pior período e, a partir daí, começariam a cair, e isso está acontecendo, tanto que temos leito sobrando, tanto de enfermaria quanto de UTI.

A tendência, então, é que comece a cair mais acentuadamente?
A tendência é exatamente essa, porque você tem uma conta em que, para cada pessoa que teve a infecção, em torno de 10 tiveram contato com o vírus. Isso coloca o DF em torno de 800 mil pessoas que tiveram contato com o vírus, o que nos deixa próximo ao que se chama de imunidade de rebanho, o que faz com que tenha uma queda mais acentuada.

O senhor acha que tem espaço para a volta das escolas ainda este ano?
A questão escolar é um pouco mais difícil. Tem que dividir em grupos. Existe o grupo do ensino médio e esse tem uma dificuldade, porque tem o Enem, que está marcado. E temos o grupo dos menores, em que há uma dificuldade maior, no que diz respeito à higienização e no retorno para suas residências. Eu, hoje, sinceramente, entendo que a medida mais correta, e está sendo adotada pelo secretário de Educação, é ter muita cautela em tratar desse retorno. Penso que antes do mês de outubro a gente não consiga voltar, mas vamos tentar fazer o máximo possível para levar algum conteúdo para que essas crianças não percam o contato com as escolas.

O pessoal do ensino médio, então, volta quando?
Estamos focando para que eles tenham, mesmo a distância, um conteúdo mais próximo do que seria o presencial. E, se tiver que voltar, temos condições de colocar as medidas sanitárias bem mais próximas daquilo que é exigido pelos órgãos de saúde.

A gente vê que muita gente não está mais seguindo as regras, age até como se não estivéssemos num momento como esse. Há receio de segunda onda, por causa desse comportamento?
Sempre foi preocupante, não tenha dúvida. Mas, como a população do DF é muito restrita — temos 3,2 milhões de habitantes —, diferentemente de outros países onde houve uma nova leva. Não acredito que tenhamos uma segunda onda. E esse acreditar meu é baseado no que os técnicos informam.

Então, chegamos à imunização de rebanho?
Não, para chegar à imunização de rebanho completa temos que passar de 1,2 milhão de pessoas que tenham tido contato com o vírus.

Mas, o pior momento já passou?
Sem dúvida nenhuma, mas isso não quer dizer que as pessoas tenham que relaxar. O uso de máscaras é necessário, a não aglomeração, a multa continua e continua, também, a fiscalização. A gente sabe da dificuldade que tem para fiscalizar, porque o número de fiscais é pequeno. Principalmente, nos bares e restaurantes. Os restaurantes, por exemplo, tenho visto cumprir com mais rigor as regras. No que diz respeito aos bares, não posso falar a mesma coisa. Tenho visto, nas matérias que a imprensa publica, que existe uma desobediência, que pode ser natural, mas não deveria acontecer.

O senhor acha que a abertura dos bares e restaurantes teve influência no resultado de julho, como afirmam os especialistas?
Não, o resultado ia ser esse de qualquer maneira. Quando chegamos ali, em torno de 42% só de isolamento, a gente sabia que o máximo que ia conseguir manter era em torno de 40%. E, hoje, nós temos 39% de isolamento e essa é a média que a gente já aguardava. Então, não tem esse efeito que é colocado. E é o que a gente diz: o isolamento só serve para uma coisa, para você preparar o seu sistema de saúde.

Tivemos a prisão do secretário de Saúde, um pedido de CPI na Câmara Legislativa. Como o senhor está lidando com isso?
Em primeiro lugar, temos a função do Ministério Público que tem que ser respeitada. Eles estão aí para fiscalizar. A ordem minha, aqui, sempre foi de manter as portas abertas para o Ministério Público, entregando todos os dados e todos os documentos. Até para que eles realizassem a operação, nada do que foi feito, foi sem que a gente fornecesse os documentos. Do meu ponto de vista, não acredito que haja culpa. Até porque eu li os documentos, sou advogado e não vi nenhum fato que pudesse levar a essa prisão. Mas, é o direito do Ministério Público de fiscalizar e o direito da Justiça de decidir. E o que diz respeito à Câmara Legislativa, acho que ela está no seu papel, ela tem realmente o dever de investigar. (…) Como Poder Executivo, temos que fornecer todos os dados. Abrir as portas para que possam seguir nas investigações. Caso seja comprovado, cada um com a sua culpa. É bom deixar claro isso. Tenho convicção de que não participei de nenhum desses atos e, até que se apresente a denúncia e eles façam sua defesa, eu os tenho como inocentes.

Onde a prevenção falhou?
Acho que não houve falta de prevenção. Nós vivemos um momento de pandemia em que ninguém tinha testes. Era algo que não existia no Brasil, falava-se em importação, o próprio governo federal editou uma lei exatamente para proteger esses gestores. Aquilo que você tinha lá atrás, que custava R$ 180, hoje se compra por R$ 20 no mercado. Querer comparar esses preços nesse momento é uma coisa muito difícil. Chegamos a abrir oito pregões e não aparecer nenhuma empresa que tivesse condições de entregar o material. Acho que pode ter ocorrido algum erro na condução, mas não que implique corrupção e sobrepreço. Nós fizemos aqui o melhor trabalho, eu posso dizer, de todos os estados. Conseguimos um hospital de campanha entregue, tudo fiscalizado pelo Ministério Público. Tivemos Rio de Janeiro, Goiás e outros estados que não entregaram. Nós fomos o estado que mais testou. Chegamos em torno de 17% (da população) de testes, o que nos deu segurança para poder fazer todo esse processo de reabertura. Acho que essas coisas vão acabar se esclarecendo ao longo do tempo, com as defesas que serão produzidas, com os laudos técnicos que serão feitos. O que temos, hoje, é uma decisão numa medida cautelar. Não temos sequer denúncia. Então, não podemos apontar o dedo ainda para ninguém.

O senhor acha que houve exagero, então, do Ministério Público e do Judiciário nessas prisões?
Acho que não era necessário. Se era uma questão de continuidade do delito, que eles dizem haver, bastava o afastamento dos cargos. Não era necessário colocar na prisão. Isso eu falo como jurista que sou. Então, nós temos casos como o do Rio de Janeiro em que o governador (Wilson Witzel) foi afastado, mas não precisou prendê-lo. Acho que a medida foi um pouco além do que era necessário.

No caso do Witzel, o senhor acha a intervenção do Judiciário também exagerada?
Totalmente. A intervenção do Judiciário, neste momento, mostra-se um pouco exagerada, até porque nós temos que esclarecer os fatos durante uma pandemia que ninguém esperava. Ninguém foi eleito, nem eu nem Witzel, nenhum dos 27 governadores deste país, para viver a pandemia que nós vivemos e sem nenhum tipo de orientação do Ministério da Saúde, que, tanto no período do (Henrique) Mandetta quanto no do (Nelson) Teich, não fez nenhuma compra para entregar nos estados. Ele poderia ter entregue 50 milhões de testes divididos pelos estados e pela população. Nós não tivemos a menor orientação do Ministério da Saúde ao longo da pandemia.

Agora tem orientação?
Continua sem. Nós estamos saindo da pandemia pelo esforço de cada um dos governadores. O ministro (Eduardo) Pazuello, que está interino, é quem tem feito o melhor trabalho, mas está fazendo o melhor trabalho depois que passou a época de maior crise. Agora, nós tivemos que fazer tudo só, eu e os demais governadores. E estamos sofrendo ainda, porque os gastos foram elevados, valores que poderiam estar sendo investidos em outras áreas, deixando de priorizar muitas das nossas demandas, que eram importantes.

A pandemia pegou todos de surpresa. Todas as áreas. Abateu a todos, comércio, empresas. Nós estamos em uma situação que não é de não ter luz no fim do túnel, ninguém sabe nem onde está o túnel. Isso eu falo aqui e no governo federal, que está fazendo uma proposta, agora, para colocar mais R$ 300 para as pessoas até dezembro, só que ele não sabe como vai ficar. A fome no ano que vem vai ser um grande problema que vamos ter. Não existe previsão de recontratação das pessoas demitidas. Nós todos fomos pegos de surpresa, inclusive o governo federal. A maioria do que se aponta hoje, se tivesse sido coordenado pelo governo federal, seria muito mais fácil, como uma compra internacional de testes.

Na questão da economia, o senhor citou a prorrogação do auxílio emergencial pelo governo federal, virá algum programa do GDF para tentar estimular?
Aqui, no GDF, nós fizemos alguns programas. Fizemos um de R$ 408, pagamos dois meses. Não foi prorrogado, mas nós criamos um programa chamado Prato Cheio, de R$ 250, que vai para todas as pessoas que recebiam cestas básicas e estavam cadastradas no nosso sistema. Agora, nós estamos fazendo uma limpeza desse sistema e recadastrando as pessoas para poder ampliar (o programa), porque sabemos a dificuldade que a maioria da população pobre do DF vai passar.

Haverá eleição no fim do ano para a mesa diretora da Câmara Legislativa. O senhor vai participar do processo? Vai apoiar a reeleição do deputado Rafael Prudente?
Ele têm o direito de concorrer. Se ele for candidato, apesar de eu não ter voto lá, eu tenho que manifestar meu apoio, até porque ele é do meu partido e é uma pessoa que tem um trabalho dentro da Câmara Legislativa reconhecido por vários dos seus colegas.

Como o senhor avalia a relação com a Câmara Legislativa até agora?
Eu não tenho nenhum problema com a Câmara Legislativa. Desde o início, já foram votados, segundo informações da nossa assessoria, mais de 700 projetos e eu só tive esse projeto (do Refis) rejeitado.

O orçamento federal começará a ser discutido no Congresso. O senhor já se reuniu com a bancada do DF para definir as emendas?
A bancada federal tem sido muito honesta e correta com o GDF. Eles têm nos convocado todas as vezes. A gente apresenta um caderno de necessidades e eles escolhem dentro das linhas deles os projetos. Todos eles, da situação ou oposição, têm sido muito corretos. As minhas prioridades são algumas obras de mobilidade e infraestrutura, como viadutos, que estamos trabalhando para colocar em licitação e vamos precisar de recursos para complementar e finalizá-las. Na educação, temos escolas que precisam ser reconstruídas. Na saúde, nós temos que continuar as reformas nos hospitais e pensar também na construção de mais um grande hospital, que seria o hospital do centro-sul, localizado no Guará.

Alguns dos seus opositores aproveitaram essa crise na saúde para começar a viabilizar candidaturas ao GDF para 2022. O senador Izalci Lucas e a deputada federal Paula Belmonte já são citados nos bastidores. Como o senhor está vendo isso?
É natural. É do jogo da democracia. Eu não posso pensar que, caso venha a me candidatar, e não decidi isso, que vou concorrer sozinho. Eles são do mundo político. É natural que eu tenha opositores, que eles façam suas campanhas e busquem bases para montar uma candidatura. Não vejo problema nisso e também não vejo impacto disso na colocação de recursos das emendas deles para o DF, até porque é uma forma que eles têm de mostrar trabalho para a população. Na minha conta, vamos ter uns oito candidatos em 2022, como tivemos na última eleição.

O senhor não decidiu se vai se candidatar à reeleição, mas pretende fazer isso?
Quem diz se vou ser candidato ou não, não sou eu, mas exatamente a população. Eu vi aqui, ao longo dos últimos 10 anos, alguns que se colocaram como candidatos com potencial de aprovação muito baixo. Então, não adianta querer forçar candidatura. No meu caso, ainda é mais tranquilo. Posso voltar para o meu escritório, para as minhas atividades. Eu não vivo da política. Não quero viver da política. Gosto, não posso negar que estou gostando, mas não é uma determinação.

O senhor falou que está gostando da política, mas como foi pegar uma pandemia dessas?
Machucou muito, eu posso lhe garantir que eu preparei o Distrito Federal com várias leis com aprovação, redução de tributos, vários projetos de desburocratização. Eu preparei o DF para que esse ano a gente tivesse um voo muito bem mais alto. Com isso tudo, eu não posso dizer que não machuca, porque há uma quebra de expectativa, inclusive minha. Aconteceu e eu não posso negar que aconteceu, mas vou eu vou ter que rebolar para resolver o problema.

No início do seu mandato, o senhor foi citado como uma das apostas — inclusive do MDB — para voos mais altos, até a Presidência da República. O senhor ainda tem esse projeto?
Não, esse nunca foi um projeto meu. Repito: não posso negar que eu estou gostando da política. Se eu tiver que concorrer na próxima eleição por vontade própria, seria para uma reeleição. Eu acho que o (presidente Jair) Bolsonaro está muito bem, e digo isso desde o ano passado. O presidente está bem colocado nas pesquisas e está com um trabalho muito bem-feito em plena pandemia, em especial no que se diz respeito às pessoas mais pobres. Falo isso porque conheço o Nordeste, conheço o pensamento. 

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