O telefone em uma redação de jornal é das coisas mais imprevisíveis que existem. Guarda muito mais surpresas do que a caixa de chocolates do Forest Gump. Em 23 anos de profissão, já ouvi de tudo. De elogios a xingamentos, de declarações de admiração a ameaças de cancelamento de assinatura, de denúncias a engano — "Alô, Correio, minha encomenda tá atrasada." "Aqui é Correio Braziliense, senhor. Não os Correios".
Agora, o zum-zum-zum sobre o prêmio milionário da Lotofácil da Independência me fez recordar um dos telefonemas mais inusitados que já recebi. Não me lembro do nome do interlocutor, mas era um sujeito extremamente generoso, com certeza, porque queria me dar meio milhão de dólares por uma matéria que havia publicado, lá no começo dos anos 2000. A matéria era sobre problemas matemáticos nunca resolvidos, e uma fundação internacional oferecia 1 milhão de dólares pela solução. Um desses problemas se chamava p versus np, uma das equações que, sabem os especialistas, representa um dos maiores desafios da computação e, aparentemente, não foi resolvido até hoje.
Na época, eu tinha um editor cruel, que me mandou, além de escrever a matéria, preparar um quadro explicando cada um dos problemas. Eu argumentei que se tratava de cálculos muito avançados e seria impossível eu tentar explicá-los sem escrever besteira. O editor ganhou a discussão com o argumento sempre vencedor numa redação: "Senta lá e faz o que pedi, foca". Sentei e fiz. Mas, ciente de que estava longe de explicar as coisas, deixei um aviso ao leitor: "Para compreender melhor os problemas, vá ao site da fundação tal, endereço tal...".
Dias depois, estava na linha com o generoso leitor. "Humberto, quero te dar meio milhão de dólares", ouvi. "Por quê?", perguntei. "Resolvi um dos problemas da sua matéria. E como fiquei sabendo do prêmio graças a você, quero te dar metade do prêmio." Claro que não acreditei em nada, mas era meio milhão de dólares, né? Vai que... "Qual problema o senhor resolveu?" "Aquele p versus np." "Hum, e o senhor já o conhecia?" "Não, conheci na sua reportagem." "E o senhor entrou no site que indiquei?" "Não, resolvi só com o que você explicou." "Acho difícil, senhor."
Minhas perguntas e clara incredulidade deixaram o homem irritado, que, a certo ponto, desistiu de me dar o meio milhão. E falou: "Vi que você não acredita em mim, mas vou te dar só uma dica de como o resolvi. Se você entrar numa sala cheia e eu te perguntar quantas pessoas você conhece ali, você vai ficar perdido. Mas, se eu te apontar uma a uma e perguntar se a conhece, você saberá me dizer e logo teremos a resposta. Bill Gates vai pagar muito mais de um milhão por essa solução", disse e desligou.
Segui a vida intrigado com aquela fala final e, um dia, conversando com um matemático, o indaguei sobre o p versus np. Repeti a explicação que o leitor do telefonema havia me dado e perguntei se fazia algum sentido. E ele disse: "Sim, faz". Mudei de assunto, respirei fundo para não surtar e me prometi não pensar mais naquele telefonema.
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