Ao menos 20 projetos e duas empresas públicas do Distrito Federal encontram-se no centro de discussões do Executivo local, com foco na iniciativa privada. Nessas tratativas, a proposta de desestatização de uma das subsidiárias da Companhia Energética de Brasília (CEB), além da concessão da Companhia do Metropolitano do Distrito Federal (Metrô-DF), estão em estágio mais avançado. Apesar da crise provocada pela pandemia de covid-19, o Palácio do Buriti não deixou os planos de lado e pretende levá-los adiante antes do fim da gestão.
Enquanto alguns deles surgiram como promessa de campanha do governador Ibaneis Rocha (MDB), outros vieram de gestões anteriores. Também se arrastam há anos as polêmicas com privatizações e parcerias público-privadas (PPPs) no DF — como a que trata da criação da Zona Verde (leia Em andamento). Nos casos da possível venda da CEB Distribuição S. A. (CEB-D) e da concessão da gestão do metrô por 30 anos, os projetos enfrentam resistência principalmente por parte de categorias profissionais.
O débito bilionário da companhia energética em 2019 fez com que o governador deixasse de cogitar a possibilidade de mantê-la sob a administração pública. Algumas empresas que enfrentaram dificuldades financeiras, como a Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb) e o Banco de Brasília (BRB), chegaram a ser citadas por Ibaneis, mas ficaram de fora das mudanças na estrutura administrativa. Em agosto do ano passado, o emedebista assinou um acordo com o Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) para desenvolvimento do projeto de desestatização e reestruturação financeira da CEB-D. Os estudos estão em fase final e devem ser apresentados nas próximas semanas.
Presidente da CEB Holding — administradora da subsidiária CEB Distribuição —, Edison Garcia afirmou que o processo se divide em duas fases e confirmou que a primeira está “praticamente no fim”. “Aguardamos para saber qual a visão deles (dos técnicos do BNDES) sobre a companhia. Foi feito um grande diagnóstico sobre a parte financeira, como se encontra a rede (elétrica), a qualidade do serviço prestado, quanto tem de dívida, o quanto está arrecadando. Foi analisado um conjunto de variáveis”, detalha Edison.
Para ele, a empresa tem um índice de perdas “acima do aceitável”, devido à falta de manutenção na infraestrutura da rede, inadimplência e às ligações clandestinas. Desde março, quando o novo coronavírus chegou ao DF, 237 mil consumidores (21,5% do total) ficaram em dívida com a empresa. O prejuízo líquido total no segundo trimestre deste ano chegou a R$ 101 milhões.
Políticas públicas
Contrário à alienação da distribuidora, o Sindicato dos Urbanitários no Distrito Federal (Stiu-DF) defende a importância da companhia para a população e para o desenvolvimento das regiões administrativas. “No ano passado, a CEB atacou a questão da inadimplência com o Programa Recupera, desenhado por técnicos da companhia. Este ano, temos uma situação que afeta muito as empresas. Agora, é uma questão de conjuntura. A companhia tem algumas restrições, mas por causa de um olhar social, como a lei local que veda a empresa de fazer cortes para devedores com mais de 60 dias de atraso no pagamento”, observa o diretor jurídico do sindicato, João Carlos Dias.
O representante do Stiu-DF defende que o assunto seja levado para a debate público antes de a desestatização acontecer. “A inadimplência dos consumidores regulares vai ser resolvida a médio prazo, seja com programa de recuperação de crédito, financiamento ou com medidas de corte. Entendemos que a perspectiva mais social seria abandonada (com a privatização). Há questões que afetam o serviço e os resultados das empresas, mas poderiam ser resolvidas com políticas públicas. Temos loteamentos irregulares que acabam realmente afetando. Mas uma empresa que não tenha essa perspectiva de integração com o governo não vai ficar parceira para resolver esses gargalos”, completa João Carlos.
Depois de finalizados, os estudos passarão por validação dos acionistas da CEB Holding e serão submetidos a debates na Câmara Legislativa e à avaliação do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF). A última etapa inclui a definição do preço mínimo de venda das ações e a abertura de processo licitatório competitivo, mas ainda não há data prevista. “Espera-se que o novo controlador possa capitalizar a empresa, aportando recursos para reduzir o endividamento dela e efetuar os investimentos necessários à expansão da rede, à melhoria do desempenho operacional e da qualidade dos serviços prestados aos órgãos, às empresas e à população do Distrito Federal”, afirma o BNDES.
Consulta
Ainda não há data para lançamento da licitação para escolha da empresa que cuidará da gestão, da operação e da manutenção do metrô. A expectativa é de que isso aconteça em 2021. O estudo para implementação do projeto, feito em parceria entre a Urbi Mobilidade Urbana e a Companhia do Metropolitano de São Paulo, está pronto. Na quinta-feira, haverá uma audiência pública, das 10h às 12h, para que a população apresente sugestões à proposta em discussão.
O governo espera reduzir os custos com o transporte em R$ 175 milhões. O processo até a implementação do novo modelo, no entanto, é demorado. Depois da audiência, é feito um relatório com respostas aos questionamentos dos participantes das consultas públicas. O documento segue para o TCDF e, após eventuais ajustes, para a Procuradoria-Geral do Distrito Federal (PGDF). Só então tem início o processo licitatório.
A empresa escolhida terá a concessão por 30 anos, e deverá cumprir algumas exigências, como instalar ar-condicionado em todos os trens, melhorar a sinalização e o sistema de energia elétrica, reformar as estações, torná-las acessíveis, concluir as obras na 104 Sul e comprar, em até uma década, 10 novos trens. Ricardo Timoteo Antunes, assessor especial de parcerias da Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob), explica que a frota atual tem 30 trens, dos quais 10% são de reserva. Contudo, apenas 24 circulam nos horários de pico, por uma ineficiência do sistema de energia. “A gente tem uma limitação. Eu não consigo aumentar a oferta sem antes melhorar o abastecimento de energia elétrica e sinalização. Hoje, a limitação não é material rodante. Há trens. Mas, se os aumento, a energia pode cair e degrada-se o atendimento.”
A previsão é de que o valor do contrato seja de R$ 3.582.958.723, a ser arrecadado ao longo de 30 anos. Caso a concessionária não cumpra as exigências estipuladas, ela pode perder o direito de gestão. Ricardo Timoteo descarta a possibilidade de aumento nos preços das viagens com a nova gestão. “A passagem é prerrogativa do governo. A concessionária vai receber uma tarifa necessária para operar o serviço, e o governo define o valor ao usuário. Caso ela seja inferior ao necessário para operar, o governo paga o restante”, argumenta. “Expansões não estão incluídas na proposta de concessão, mas não significa que não possam ser feitas futuramente”, adianta.
Investimentos
Secretário de relação sindical do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Transportes Metroviários do Distrito Federal (SindMetrô-DF), Hugo Lopes diz que o processo está “cheio de vícios” e que a entidade busca anular a audiência pública sobre o tema. Ele considera que não há detalhes sobre como será o investimento para modernização do sistema nem como o preço das tarifas será mantido. “É muito complicada essa situação. Estão tentando implantar para a população uma coisa que não é verdade. Um valor muito alto vai ser gasto e não teremos o retorno esperado”, acredita Hugo.
Riezo Almeida, coordenador do curso de Ciências Econômicas do Centro Universitário Iesb, afirma que os projetos em andamento podem ser propícios para lidar com o momento de crise. “A tendência do orçamento do DF é ficar mais deficitário, (com o governo) tendo de pegar dinheiro emprestado e pagar juros. Com a concessão, deixa-se de pagar despesas de manutenção e de investimentos para manter o serviço. É uma vantagem, porque deixa de ter essa despesa corrente”, considera.
Por outro lado, a desvantagem é a responsabilidade na condução das melhorias. “A população perde porque não vai ter tanto investimento como se fosse (na gestão) do governo. A empresa que entrar vai tentar manter o que já está e ter lucro”, destaca. “No momento de crise, a concessão é vantajosa, mas, no médio prazo, a população pode perder em investimentos.”
César Bergo, presidente do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (Corecon-DF), lembra que a empresa que vencer o certame é obrigada a cumprir exigências contratuais. “Caso não cumpra, aquela gestão autorizada volta para o Estado antes do prazo”, observa. César lembra que há diferenças entre concessão e privatização. “A concessão olha para o bem público e a comunidade, enquanto que a privatização, para o lucro. Na concessão, a probabilidade de aumento de valores para a população é mínima. Na privatização, o céu é o limite”, finaliza.
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Em andamento
Parcerias público-privada (PPPs) sob avaliação no DF:
Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (Terracap)
» Flor do Cerrado – Torre TV Digital
» Autódromo Internacional de Brasília
BioTIC S/A
» Parcerias de negócios
Centrais de Abastecimento do Distrito Federal (Ceasa)
» Implantação do Mercado Central de Brasília (comercialização no varejo)
» Novo Centro de Produtos
Agrícolas – Nova Ceasa
Secretaria de Governo
» Parque da Cidade Dona Sarah Kubitschek
Secretaria de Projetos Especiais
» Avenida das Cidades
» Centro Logístico para Distribuição de Medicamentos
» Novos restaurantes comunitários
» Complexo Esportivo e de Lazer do Guará – Estádio Antônio Otoni Filho, Ginásio de Esportes e Clube Vizinhança
» Complexo Esportivo e de Lazer do Guará – Kartódromo Ayrton Senna
» Shopping Popular de Brasília
» Concessão de áreas públicas para instalação de postes de telecomunicações com câmeras
de segurança
» Resíduos Sólidos Urbanos
Sec. de Transporte e Mobilidade
» Concessão da gestão, operação, manutenção e expansão do Metrô-DF
» VLT W3
» Nova Saída Norte
» Pátios de apreensão DER-DF
» Setor Habitacional São Bartolomeu
» Sistema de Estacionamento Rotativo Pago (Zona Verde)
» PPP Rodoviária do Plano Piloto
» BRT Oeste e Sul
Sec. de Segurança Pública (SSP-DF)
» Cogestão do Sistema Prisional
Fonte: Secretaria de Projetos Especiais (Sepe)
Para saber mais
Privatização, concessão e PPPs
Tanto a privatização quanto a concessão são formas de desestatizar uma empresa. No caso da privatização, a estatal é vendida, e o controle sobre ativos é passado à iniciativa privada em definitivo. Na concessão, é transferida a responsabilidade de prestação de serviços públicos à iniciativa privada por um prazo determinado. Uma forma de concessão é a parceria público-privada (PPP), quando o ente público faz o pagamento de uma parte do contrato, porque não há tarifa paga por usuários ou porque a remuneração pelo serviço é insuficiente para que o concessionário consiga prestá-lo.
Fonte: BNDES
Raio-X
Metrô-DF
Número de servidores: 1.254
Gastos em 2019: R$ 380 milhões
Faturamento 2019: R$ 189 milhões
CEB Distribuição
Número de servidores: 878
Gastos em 2019: R$ 4,1 bilhões
Faturamento em 2019: R$ 4,2 bilhões