Desconfianças em relação às descobertas científicas e um crescente movimento antivacinas são alguns dos principais obstáculos enfrentados pela medicina atualmente e isso atrapalha, inclusive, na luta contra o câncer. É o que explicou o médico Gustavo Fernandes, diretor-geral do Sírio-Libanês em Brasília, em entrevista, ontem, ao programa CB.Saúde — parceria entre o Correio e a TV Brasília. “Ver alguém desconfiar de uma ciência que fez com que a estimativa de vida da população mais que dobrasse em 100 anos é algo assombroso”, declarou o oncologista. Ele ressaltou que os avanços no tratamento permitiram que a mortalidade geral por câncer reduzisse de 80%, há cerca de 40 anos, para apenas 20% dos casos, hoje.
Casos como o de adultos jovens, como o astro de Hollywood Chadwick Boseman, são raros, embora muito impactantes, explicou o médico. E o estilo devida e o rastreio correto do câncer podem fazer a diferença. “As pessoas precisam entender que uma parte da solução do problema está com eles. Está na prevenção”, afirmou.
A desconfiança em relação à ciência esteve muito clara na pandemia, as pessoas começam a desconfiar também da vacina. Na sua especialidade, essa dúvida das pessoas atrapalha, também?
Essa é uma das coisas mais dolorosas que a gente consegue enxergar, é essa questão da vacina, inclusive na minha especialidade. As vacinas reduzem a morte por câncer, também. O câncer de colo de útero que mata mais de cinco mil mulheres por ano no Brasil é prevenível por uma vacina, uma vacina contra o HPV que o governo provê. Essa é uma das boas coisas que o Brasil tem, programas de vacinação. Então, vacinas para hepatite B reduzem incidência de câncer do fígado. Então, ver alguém desconfiar de uma ciência que fez com que a estimativa de vida da população mais que dobrasse em 100 anos é algo assombroso.
Querer voltar para o passado é, de fato, algo assombroso. É uma questão impressionante porque os avanços da medicina são evidentes nos últimos anos... Hoje, a regra do meu dia a dia é atender septuagenários no consultório. Ninguém quer ir para o plano espiritual agora. As pessoas estão vivendo muito e vivendo bem.
Isso, naturalmente, graças a uma série de avanços sociais, novas regras e, também, à prática da boa medicina. Na oncologia, especificamente, a gente tem muita notícia boa para dar. As notícias boas desde que a oncologia começou, há 40 anos, elas não param de aparecer. Nós desenvolvemos uma série de tratamentos para o câncer. O uso de cirurgias, e cirurgias melhores, foi muito impulsionado nos últimos anos. Métodos que diagnosticam tumores mais precoces, programas de rastreamento para algumas doenças, para câncer de pulmão, câncer de mama, câncer de próstata — reduzindo as chances de os indivíduos morrerem. Desenvolvimento de terapias que, na época, 40 anos atrás eram novas, como quimioterapia, depois, imunoterapia, terapias alvo, que vêm fazendo com que a mortalidade por câncer reduza ano após ano, mais ou menos 1% por ano. O câncer é uma doença que matava 80% das pessoas, passa, hoje, a matar 20% das pessoas que adquirem câncer. Então, hoje, a chance de alguém se curar é muito maior do que a chance de alguém morrer de câncer.
Mas, ainda somos surpreendidos por casos como o do astro de Hollywood, Chadwick Boseman, uma pessoa rica, esclarecida, que morreu de câncer colorretal. Ainda é perigoso. O que as pessoas devem concluir de casos como esse?
Essa é uma exceção. Eu tive a oportunidade de analisar 500 casos de pacientes com menos de 50 anos com câncer colorretal, a gente não percebe nenhuma característica específica neles que façam o tumor aparecer, salvo histórias familiares muito significativas, o que se associa à síndrome genética, e em outras, casuísticas, a gente vê obesidade como sendo um fator importante. No caso do Pantera Negra (Chadwick Boseman), era um jovem, que adoeceu por volta de 40 anos de idade, um pouquinho menos, e que não tinha nenhuma dessas histórias. Então, esse é um imprevisto. A gente fala que é um atropelamento na calçada. Isso acontece numa quantidade muito pequena, do ponto de vista proporcional, mas machuca muito. Machuca muito porque a morte de um adulto jovem por câncer é muito desestruturadora para a cabeça das pessoas, enche a gente de medo. E, especificamente nos Estados Unidos, existe um pequeno aumento da incidência de câncer colorretal em pacientes mais jovens. É um número de algumas centenas de casos. Isso fez com que a Sociedade Americana de Câncer recomendasse reduzir a idade do rastreio para câncer colorretal dos 50 para os 45 anos. Essa é uma prática que eu adotei na minha clínica diária, embora não ache que a gente tenha uma estrutura perfeita de dados para isso. Mas, mesmo com 45, a gente não pegaria esse caso.
Paralelamente aos avanços da pesquisa e da tecnologia, existem, também, maneiras mais simples que são importantes na prevenção do câncer, como mudanças no estilo de vida. Queria que o senhor falasse um pouquinho sobre isso.
A gente sempre fala da responsabilidade pública em cima das coisas. A gente fala do SUS, do Estado prover etc. e tal. Mas existe tanto na covid, quanto no câncer, como em grande parte dos processos relacionados à saúde, uma responsabilidade individual muito grande, como existe em tudo. A gente sabe há 40 anos que cigarro aumenta a chance de câncer, veja que não é antiga a informação, se fuma há alguns milhares de anos, a gente sabe que dá câncer há 40 anos. E ainda tem gente que fuma.
Então, assume-se uma responsabilidade. A obesidade aumenta o risco de câncer. Nós sabemos que sol aumenta a chance de câncer de pele quando em horários inapropriados. Sedentarismo, algumas práticas alimentares. As pessoas precisam entender que uma parte da solução do problema está com eles. Está na prevenção. Essas práticas são muito semelhantes às doenças cardiovasculares. As doenças cardiovasculares e o câncer andam muito próximas nesse sentido. (Cada um tem sua responsabilidade individual), como tem a responsabilidade de usar máscara, de passar álcool em gel na mão, de beber pouco. São responsabilidades de um cidadão, para se proteger, para se preservar.
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