Não é novidade que o calendário de shows, peças de teatro, lançamento de filmes e outros eventos culturais precisou ser alterado devido à pandemia da covid-19. Para estes casos, o presidente Jair Bolsonaro sancionou no dia 25 de agosto a Lei nº 14.046, de 2020, que trata sobre o adiamento ou cancelamento dos serviços nos setores de cultura e turismo. O texto, que teve origem na Medida Provisória 948, dividiu a opinião de especialistas.
De acordo com a nova regra, caso o evento, serviço ou reserva já feito seja adiado ou cancelado, incluindo shows e espetáculos, a empresa vendedora fica desobrigada a reembolsar o consumidor. Para isso, é preciso que seja assegurada a remarcação ou disponibilize um crédito para uso ou abatimento na compra futura para outros eventos. Segundo o texto, as negociações devem ocorrer sem qualquer custo adicional ao consumidor, em qualquer data a partir de 1º de janeiro de 2020, tendo o comprador até 120 dias para tomar decisão a partir da comunicação do adiamento ou cancelamento dos serviços. O mesmo acontece caso faltem 30 dias ou menos para o evento adiado ou cancelado, “o que ocorrer antes”.
Para o advogado especialista em direito civil Rodrigo Fagundes, a nova lei poderá ser alvo de inúmeras críticas, principalmente por parte dos consumidores. “Entretanto, analisando o texto legal, é possível verificar que a preocupação do legislador foi manter o equilíbrio da relação consumidor e fornecedor, pois a simples devolução dos valores empregados pelos consumidores poderia significar o fim de inúmeras empresas do ramo”, acredita.
“Nesse sentido, a nova lei faz com que os prestadores de serviços sobrevivam, e ao mesmo tempo garantam ao consumidor, frustrado com a impossibilidade de realizar a viagem ou participar do evento, possa, num futuro próximo, realizá-las. Infelizmente, o cenário atual, diante da sua complexidade, exige que algumas situações sejam equilibradas, como é o caso do texto”, complementa o especialista.
O advogado adverte aos consumidores quanto às possibilidades de prazos para o registro da remarcação ou disponibilização de créditos que a lei disponibilizou. “Outro ponto importante é que, uma vez feita a opção desejada, o consumidor deve exigir do prestador de serviço comprovações de que ela foi de fato processada, por meio de envio de documentos comprobatórios”, ressalta Rodrigo.
Para a estudante universitária Maria Clara Vieira, 22 anos, a nova lei possui pontos positivos e negativos. Ela conta que comprou ingressos para um show que aconteceria em junho, mas demorou para receber o ressarcimento. “Com a nova lei, talvez a dor de cabeça que muitos estão vivenciando tentando o reembolso de ingressos de eventos diminua, mas, ainda assim, o processo será longo. Não dá para confiarmos em remarcação e, também, não dá pra ficar à mercê de disponibilidade de crédito, uma vez que não se sabe quando a pandemia vai acabar”, lembra.
“Ainda é tudo muito indefinido. A lei garante que, caso nenhuma das hipóteses seja possível, o consumidor poderá ter a devolução do valor em até 12 meses. É muito tempo de espera, não dá pra garantir que vamos receber dentro de um mês, por exemplo”, acredita a estudante. “Ainda há aqueles que gastaram um valor além do ingresso. Precisaram pagar hospedagem e passagem aérea. Eu demorei cerca de dois meses pra conseguir meu reembolso. Era um valor baixo, mas fazia diferença no meu orçamento. Imagina só esperar 12 meses sem ter noção alguma de quanto vai receber o reembolso?”, pondera.
Uso de crédito
O consumidor poderá usar o crédito a que tem direito em até 12 meses, a partir do encerramento do estado de calamidade pública, previsto para durar até 31 de dezembro de 2020. Devem ser respeitados os valores e as condições dos serviços originalmente contratados, e o prazo de 18 meses, após o estado de calamidade pública, para a realização do evento ou do serviço adiado.
A empresa responsável pelo evento ou o prestador do serviço deverá restituir o valor recebido ao consumidor no prazo de um ano, a partir do fim do estado de calamidade pública, apenas se não houver a hipótese de remarcação ou de disponibilização do crédito.
Para a especialista em direito do consumidor Ildecer Amorim, a lei possui pontos pouco favoráveis ao consumidor. “Quando o assunto é arte, cultura, turismo, várias hipóteses podem ocorrer, e nestes casos o consumidor sairá prejudicado. A nova lei, ao prejudicar o consumidor, esbarra no princípio de proteção esculpido no Código de Defesa do Consumidor (CDC), pois, desconsidera a vulnerabilidade daquele que é a parte mais fraca”, afirma.
No caso de artistas, palestrantes ou outros profissionais detentores do conteúdo já contratados, cujos eventos foram adiados ou cancelados, não haverá obrigatoriedade de reembolso imediato dos valores de cachês, desde que o evento seja remarcado em até um ano após o fim do estado de calamidade pública. Além disso, os adiamentos ou cancelamentos de eventos ou serviços causados pela atual pandemia devem ser enquadrados como “casos fortuitos ou de força maior”, não cabendo reparações por danos morais, aplicação de multas ou outras penas previstas no CDC.
“A lei dá um respiro para as pequenas empresas do setor de turismo e, com isso, protege o fornecedor, deixando o consumidor com a maior parte do ônus da prova do cancelamento ou adiamento, devido à pandemia”, ressalta Ildecer. A especialista adverte: “o que o consumidor deve ficar atento é no que não está escrito, as questões subjetivas. Vale trocar a reserva do hotel onde se comemoraria o aniversário de 80 anos? Terá saúde no ano seguinte?”, indaga. Caso o consumidor se sinta prejudicado ou não consiga uma negociação justa, deve buscar os seus direitos junto ao Procon ou ao Juizado Especial de sua cidade.
*Estagiária sob a supervisão de Adson Boaventura
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