Crônica da Cidade

Canto da chuva

Severino Francisco
postado em 22/09/2020 23:28

Ontem, acordei muito cedo, às 5h da manhã, queria ver como a passarada reagia à chegada da chuva e da primavera. E valeu a pena. Estavam alvoroçados, cantantes e alegres. Moro em um condomínio horizontal, fronteiriço a uma mata cerrada, de modo que, em alguns momentos, tenho a sensação de que os pássaros trinam dentro de casa. Nas superquadras do Plano Piloto, eles também reinam.

Alguns sabiás poderiam tocar no Clube do Choro. Se o Reco do Bandolim ouvisse, ficaria alucinado e comentaria: “Coisa de louco, coisa de louco”. Dei uma volta pelo condomínio e, ao passar por uma árvore, me assustei com o revoar espalhafatoso dos periquitos. De todos os lados saem sons grasnantes, melódicos, harmônicos e ciciantes. E parece que eles se fundem em uma sinfonia permeada de contrastes, sutilezas e nuances.

Para onde a gente olha, descobre um trinado diferente. Começaram cedo e continuam cantando até agora. Fazem festa para anunciar a primavera e um tempo de fartura. Com as chuvas, vêm as frutas, as florações e os insetos. Tem um bacurau americano que viaja mais de 8 mil quilômetros durante o inverno nos Estados Unidos para curtir o verão em Brasília, no Parque da Cidade.

Mirei o céu e divisei o movimento das andorinhas, que fazem evoluções de botar no chinelo a Esquadrilha da Fumaça. É incrível a velocidade e a precisão com que se movem, sem colidir com nenhuma outra. Elas eram monitoradas pelos carcarás planando no alto.

A pomba juriti-pupu ruflou as asas enquanto eu passava. Ouço o canto ou avisto o voo de muitos que não consigo identificar. Mas uma turma boa fez um guia dos pássaros do condomínio, que consulto sempre.

Pelo guia, fiquei sabendo que recebemos as visitas da pomba asa branca, do periquitão-maracanã, do periquito-de-encontro-amarelo, da alma-de-gato, do anu-preto, do anu-branco, dos tucanos, do pica-pau-verde-barrado, do pica-pau-de-banda-branca, do joão-de-barro, do bem-te-vi, do suiriri, da tesourinha, da andorinha-pequena-de-casa, da curruíra, do sabiá-laranjeira, do sabiá-de-barranco, da cambacica, do saí azul, do sanhaço-cinzento, do coleiro-baiano e do fim-fim.

Outros pássaros não são cantantes, mas ostentam as galas do voo. Em nosso território, somos agraciados com o beija-flor do rabo-branco, o beija-flor-tesoura e o beija-flor-de-garganta-verde. Fiquei espantado de saber que os beija-flores são muito laboriosos. Visitam cerca de mil flores por dia para adquirir a quantidade de néctar de que precisam.

Os pássaros têm me ajudado bastante a atravessar este período difícil. Eles trazem um instante fugaz de alegria em meio a um mundo de sobressaltos. Nós precisamos da beleza para sobreviver e transcender. O canto deles é uma promessa de felicidade.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação