"ELA não venceu": livro conta a trajetória de morador do DF com doença degenerativa

Aos 42 anos, José Afonso Braga recebeu o diagnóstico de uma doença degenerativa e sem cura. Formado em engenharia de softwares, desenvolveu um aplicativo que permite, a quem perdeu a fala, voltar a se comunicar. Livro conta a trajetória desse mineiro-brasiliense

Mariana Machado
postado em 29/09/2020 06:00 / atualizado em 29/09/2020 10:19
 (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Imagine receber o diagnóstico de uma doença sem cura quando se está no auge da carreira, e com uma família já constituída. O que para muitos poderia ser motivo para se afundar no desespero, fez com que o engenheiro de softwares José Afonso Braga, 49 anos, reagisse e insistisse na vida e em novos projetos. Ele tinha 42 anos quando, então servidor público do Senado Federal, descobriu que estava com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). A doença é degenerativa e, uma das partes afetadas é a fala. Para não perder a habilidade de se comunicar, ele desenvolveu uma ferramenta digital que devolve a fala àqueles acometidos pela doença. Em 2020, a trajetória de luta virou livro, e a primeira tiragem de ELA não venceu se esgotou em 24 horas.

José Afonso descobriu a doença em 2013. O primeiro sintoma apareceu durante uma partida de tênis com o filho, quando o braço parou de responder. Ao longo das semanas seguintes, a doença foi evoluindo, e, ao ouvir a primeira suspeita de que teria a “doença do neurônio motor” e procurou mais informações, veio o desespero pela baixa expectativa de vida após início da degeneração: de três a cinco anos. “Foi como receber uma sentença de morte. A partir daí, tudo mudou, meu mundo foi destruído, meus sonhos despedaçados.”, lembra José Afonso. “A adaptação às mudanças não foi rápida e, muito menos, fácil. A presença e o apoio da família e dos amigos são fundamentais nesse processo. E eu sou um privilegiado nesse sentido.”

Ele não se deixou abater. Como escreve em um trecho do livro, lamentar indefinidamente cada perda causada pela doença, provocaria eterna frustração e tristeza. O engenheiro então decidiu usar os conhecimentos que tinha para criar uma solução. Graças à tecnologia de rastreamento de olhos, nasceu, em 2018, o aplicativo WeCanSpeak (nós podemos falar, em inglês). “Ficar o tempo todo pensando em tudo que a doença lhe tirou é um caminho direto para a tristeza. É muito importante focar no que você ainda consegue fazer e buscar sua felicidade nesses pequenos momentos”, explica José Afonso.

Ele perdeu a voz em 2014 e, por um ano, tentou utilizar vários recursos de comunicação que transformam texto em fala, porém, não se viu satisfeito com nenhum. Daí, veio a vontade de recorrer aos próprios conhecimentos em informática para criar algo novo. Foi necessário um ano de desenvolvimento e mais um de uso pessoal antes de colocar o aplicativo à disposição, de forma gratuita. “Ele possui alguns recursos diferenciados para agilizar o processo de comunicação, e hoje conta com mais de 1.300 usuários em mais de 80 países”, detalha.

Atualmente, WeCanSpeak só está disponível para computadores e tablets com sistema operacional Windows 10. “Tudo isso só foi possível graças à tecnologia de rastreamento ocular para controlar o computador. Esse equipamento permite que alguém como eu, totalmente paralisado, faça tudo em um computador com o movimento dos olhos”, destaca. Com o recurso, o usuário consegue utilizar redes sociais, e-mail, editores de texto e linguagem de programação. Tudo isso permitiu que ele escrevesse e divulgasse o livro ELA não venceu.

Luta diária

A Esclerose Lateral Amiotrófica avança a uma velocidade diferente em cada paciente. No caso de José Afonso, tudo aconteceu em um piscar de olhos. “A progressão foi muito rápida. Em pouco mais de um ano eu já estava totalmente paralisado e me alimentando por uma sonda gástrica. Em 2017, eu tive de me submeter a uma traqueostomia.” Com isso, veio também a dificuldade em socializar, o que, ele destaca, seja talvez a maior dor causada pela doença. “Por isso o aplicativo foi tão importante. Com ele, eu pude voltar a interagir com todos, melhorando minha qualidade de vida e, principalmente, a autoestima.”

Mineiro, de Belo Horizonte, mas criado em Brasília desde a infância, ele não mede palavras para elogiar a família, apoio constante desde sempre. Casado há 22 anos e pai de três filhos, José Afonso guarda com carinho as lembranças da parte da vida em que era atleta, praticante de diversos esportes, e aproveita os bons momentos. “O aprendizado mais importante, e que direciona a minha vida atualmente, é nunca deixar a doença e a tristeza que ela causa tirar a minha alegria de viver. Devemos celebrar a vida sempre, da melhor forma que ela nos permitir.”

Hoje, com dois anos desde o lançamento do aplicativo, ele colocou no papel a autobiografia. “O livro ELA não venceu é a história real de fé, coragem e superação de uma família atingida pela ELA, e não trata apenas da doença, trata das emoções e, principalmente, dos aprendizados”, pondera. “Trata, sobretudo, da virtude de saber viver: de celebrar a vida da melhor forma que ela nos permitir.” Embora a primeira tiragem tenha se esgotado em 24 horas, há mais edições disponíveis para quem quiser conhecer a história mais a fundo (Veja Serviço). Para o futuro, ele não descarta novos trabalhos, mas prefere focar no presente. “Agora, eu quero aproveitar um pouco o momento. Ficar mais tempo com a minha família e amigos. Um novo projeto vai surgir quando eu menos esperar.”

 

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 (crédito: Divulgação)
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ELA não venceu
Quem quiser adquirir o livro, nas versões impressa ou digital, pode fazer isso pelo site www.joseafonsobraga.com

Para saber mais

Paralisia gradual

A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma doença degenerativa que ataca o sistema nervoso. Pacientes sofrem de paralisia gradual e morte precoce, resultado da perda de habilidades como fala, deglutição e respiração. Cerca de 25% dos pacientes sobrevivem por mais de cinco anos depois do diagnóstico. Normalmente, é observada em pessoas entre 55 e 75 anos. As causas não são conhecidas, mas, em 10% dos casos, é resultado de defeito genético.

Fonte: Ministério da Saúde

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