Crônica da Cidade

Derrubada da árvore

Severino Francisco
postado em 29/09/2020 21:33

Soube que compraram o lote ao lado de minha casa e resolveram retirar algumas árvores que estavam doentes. Meu sogro era engenheiro agrônomo e chefe do Departamento de erradicação e podas da Novacap. Há mais de 20 anos, ele visitou nossa casa, examinou a árvore e sentenciou: “A copaíba é muito bonita, mas não está saudável, tem de ser derrubada. É um perigo para a casa de vocês”.

Logo, às 8h, vi que chegaram dois caboclos. Pensei: são os primeiros, preparam tudo para a equipe. Sim, porque a árvore era uma copaíba de uns 10 a 12 metros de altura com tronco de uns 2 metros de diâmetro no ponto mais grosso.

Mas, que nada, a equipe era constituída apenas pelos dois, com ajuda de um funcionário do condomínio em alguns momentos. Eles demonstraram bravura, paciência, destreza e presença de espírito ao longo da batalha. Perguntei se não haveria perigo de a árvore tombar na direção do telhado da minha casa.

No entanto, o comandante do exército de dois argumentou que a apreensão era infundada: “Nós cortamos de cima para baixo”. Um deles subiu pela escada com a motosserra e começou a cortar o tronco em um trecho que ficava mais ou menos na metade. Havia um oco em que se escondia um enxame de abelhas. O caboclo cobriu-se todo com a camisa enrolada e ateou fogo. As abelhas ficaram assanhadas, mas o trabalho continuou.

Amarraram cordas em duas outras árvores para direcionar e controlar a queda da copaíba. A tarefa exigiu paciência e habilidade. Serravam um pouco o tronco e puxavam as cordas. A copaíba ameaçava cair, mas resistia bravamente. No entanto, enfim, rangeu, gemeu e tombou no terreno com estrondo. Parecia um grande animal abatido na floresta.

E, quando ela caiu, assistimos a uma cena fantástica: com o baque, de dentro do tronco saiu uma revoada de uns 30 morcegos atarantados com a luz do meio dia de sol a pino. O caboclo me mostrou como a árvore estava toda apodrecida. Mesmo assim, ainda servia de abrigo para abelhas e para morcegos, que fazem um importante trabalho de polinização das flores. Certamente, encontrarão outros abrigos na mata fronteiriça ao condomínio.

De qualquer maneira, a derrubada de qualquer árvore é um acontecimento trágico. Aquela copaíba precisou de 50 anos para atingir o tamanho que tinha. Senti a dor daquela árvore e multipliquei por todas que são devastadas nas florestas brasileiras. O Congresso Nacional precisa acordar para a questão ambiental antes que seja tarde. Não é possível que a boiada seja anunciada e ainda passe embaixo de nossas barbas e das barbas de vossas excelências, sem que façamos e façam nada.

Os netos dos governantes que hoje devastam as nossas florestas em nome de Deus, cobrarão a omissão, a mesquinhez e a ignorância dos seus avós. E não adianta clamar aos santos, como diz a bela canção de Xangai, intitulada Matança, que ganhou um acento apocalíptico nos dias em que vivemos.

A canção avisa: “Que quando chegar a hora/É certo que não demora/Não chame Nossa Senhora/Só quem pode nos salvar é/caviúna, cerejeira, baraúna/imbuia, pau-d'arco, solva, juazeiro e jatobá/gonçalo-alves, paraíba, itaúba/louro, ipê, paracaúba/peroba, massaranduba/carvalho, mogno, canela, imbuzeiro/catuaba, janaúba, aroeira, araribá/pau-ferro, angico, amargoso, gameleira, andiroba, copaíba, pau-brasil, jequitibá/quem hoje é vivo/corre perigo”.

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