Ofensas

Criador de Gurulino denuncia violência policial em pintura de painel no Lago Norte

Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do DF e Ministério Público apuram denúncia de violência policial contra três artistas do DF

Três artistas brasilienses relatam terem sido vítimas de violência policial enquanto pintavam um painel na saída do Lago Norte, na manhã do último domingo do mês de junho (28/6). A denúncia foi apresentada à Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa e está sendo acompanhada Ministério Público do Distrito Federal por meio do Núcleo de Investigação e Controle Externo da Atividade Policial (NCap).

Segundo narra o artista Pedro Sangeon, criador do Gurulino, naquela manhã ele saiu com outros dois artistas, Guilherme Silva e Renato Moll, para pintar um mural em área isolada, na beira da rodovia no saída do Lago Norte, quando uma viatura da Polícia Militar passou e abordou os três. Os policiais não teriam permitido que eles se apresentassem ou dessem qualquer explicação. “Eles falavam que nós éramos artistas vagabundos financiados por comitês e sindicatos de esquerda, comunistas”, disse Sangeon ao Correio.

Após a abordagem, caracterizada como truculenta pelos artistas, eles foram levados à 6ª Delegacia de Polícia (Paranoá), onde foi feito um registro policial.

A ocorrência da Polícia Civil diz que a PMDF apresentou três homens flagrados pichando uma área pública. Eles prestaram depoimento e foram liberados em seguida, segundo o documento. Pedro narra, no entanto, que enquanto estava na delegacia ele e os amigos passaram por situações que violam direitos básicos. “Lá da DP trataram a gente ainda pior. A gente já chegou sendo xingado. Fomos impedidos de falar. Fomos obrigados a tirar as roupas, a fazer flexões, ficar algemado em uma barra de ferro dentro na cela e ficar escutando insultos variados. Pedimos nosso telefonema de direito e foi recusado duas vezes. Eles diziam que logo a gente ia ser liberado.”

O artista conta que ele e os amigos ficaram cerca de quatro horas na delegacia. As tintas, equipamentos outros materiais utilizados pelo grupo foram apreendidos e liberados apenas ontem à tarde, conforme explicou Renato Moll. Após saírem na delegacia, o caso foi analisado na Justiça que sentenciou Pedro e Guilherme a pagarem multa de R$ 100 cada. Já Renato pagou R$ 300.

O criador do Gurulino assume que não tinha autorização formal para pintar o painel, mas relata que o trabalho realizado por Brasília, reconhecido inclusive pelo próprio Governo do Distrito Federal, é costumeiramente feito dessa maneira, após aprovação verbal dos responsáveis. Em junho, o artista recebeu um reconhecimento da Secretaria de Cultura do DF pelos painéis que faz pela cidade.

Violência policial

Durante o andamento do processo, os artistas informaram que não relataram à Justiça a questão da truculência. Renato Moll diz que, durante as audiências, houve entendimento dos envolvidos sobre a proposta dos artistas e o reconhecimento do portfólio dos mesmos, mas a falta de autorização foi colocada em evidência. “A partir da análise do nosso portfólio, a partir da nossa intenção ali, com esboço, da forma que a gente trabalha, houve um reconhecimento do nosso trabalho, mas estava todo mundo entendendo que houve um problema por conta da falta de autorização."

Ele relata que, agora, busca ajudar a construir entendimento junto à Secretaria de Cultura para que a pasta ampare os artistas também em relação a ações ligadas à Secretaria de Segurança Pública.

Além disso, o caso foi apresentado à Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal. O presidente da comissão, deputado Fábio Félix (PSol), pediu explicações às Corregedorias da Polícia Civil e Militar, por meio da Secretaria de Segurança Pública, e oficiou o Ministério Público para tomar ciência e acompanhar o caso.

“Oficiamos os órgãos de controle da nossa cidade para que façam uma investigação rigorosa desse caso. A gente não pode tolerar a criminalização da arte de rua e também práticas criminosas por parte de instituições que deveriam proteger a população. A comissão será rígida e vai acompanhar até o fim essas investigações", afirmou o deputado.

A Secretaria de Segurança Pública esclareceu que foi comunicada oficialmente sobre o assunto em questão e fez os devidos encaminhamentos junto às forças de segurança. Já a Polícia Civil disse que vai ouvir todos os envolvidos no episódio para apurar os fatos. A Polícia Militar frisou que os artistas foram presos por pichação de área pública e disse que se eles se sentiram prejudicados podem acionar a corregedoria.

Democracia pela metade

Gurulino é um personagem criado pelo artista Pedro Sangeon marcante nas ruas de Brasília. Mesmo quem não o conhece pelo nome é capaz de identificar os traços do personagem de olhos grandes, quase sempre com uma expressão de consciência coletiva.

O artista Pedro Sangeon, junto aos artistas Guilherme Silva e Renato Moll, se propôs, naquela manhã de domingo, a colorir uma das alças da saída do Lago Norte com a palavra democracia envolvida com flores, plantas e pássaros, mas por conta da ocorrência, o trabalho foi interrompido.

“A gente ia passar o dia colorindo. Era um trabalho mais elaborado, justamente porque o tema pede. A gente está num momento delicado, em dúvida sobre o que é democracia o que não é. Quais os limites de um governo autoritário? As pessoas começaram a ficar muito agressivas, então, a gente como artista pensa muito sobre isso”, diz Pedro.

A democracia pela metade e o painel sem conclusão com a escrita branca sobre o fundo cinza e pálido do caminho de quem sai do Centro de Atividades do Lago Norte refletem a avaliação dos artistas mais de um mês após o episódio.

“O que a gente percebe é que não é um problema do policial em si. É um problema de uma cultura de violência que vem sendo instalada no país. Quando o artista não é pró-governo ele é um inimigo e, mais que um inimigo, ele é um comunista, o que é um absurdo maior ainda. É uma fantasia violenta que está gerando mais violência no país e a classe artística está pagando caro por isso”, desabafou o artista.

O artista Guilherme Silva, preso com Pedro e Renato Moll, chama a atenção para o fato de que a ocorrência policial pode servir para aperfeiçoar o entendimento e a legislação sobre a arte de rua. “Os grafiteiros concorrem a editais do governo, têm o portfólio reconhecido pelo governo, e às vezes são punidos por fazerem o seu trabalho. O mesmo governo que aprova o seu portfólio te oprime por aumentar o seu portfólio”, observa.

Gurulino -
Breno Fortes/CB/D.A Press-21-4-15 - Gurulino
GURULINO/CB/DA. press -