“...Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém para além da curva da estrada,
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.
Essa é que é a estrada para eles.
Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.”
Os versos do poema Para além da curva da estrada, de Alberto Caeiro, tratam do óbvio: a vida é aqui e agora. Mas, para um casal de Taguatinga Sul, a urgência pela plenitude do tempo presente bateu à porta em 3 de outubro de 2005: um pedacinho de gente que veio ao mundo com 3.130kg, 51cm e atendia pelo nome de Sara.
Três meses após o nascimento e longos períodos de internação em unidade de terapia intensiva (UTI), o empresário Rondon Sales Barbosa, 46 anos, e a secretária Adriana Jaqueline Borges Sales Barbosa, 41, receberam o diagnóstico que obrigava Sara a lutar bravamente pela vida: acidemia propiônica, uma doença genética rara que atinge um a cada 50 mil nascidos vivos. A criança não consegue metabolizar proteínas e, com o tempo, os pacientes podem ter diversos comprometimentos físicos e neurológicos. O prognóstico? Nada animador. Impossível dizer quanto tempo de vida Sara teria.
Sara viveu por uma década. Sábado passado, completaria 15 anos e os pais encontraram um jeito de homenagear a filha. Teve bolo, balões e, por sorte, um pôr do sol deslumbrante. Em uma chácara em Brazlândia, eles celebraram o nascimento da menina e gravaram um vídeo em que falam do amor, da saudade, de poesia e de vida. A mensagem foi postada nas redes sociais e emocionou parentes, amigos e desconhecidos.
A versão instrumental de Photograph, do britânico Ed Sheeran, embala a declaração de amor. Rondon conta para a filha que, se ela estivesse viva, os convites da festa de debutante já teriam sido distribuídos, e da expectativa que teriam em vê-la chegar à adolescência. “Seria uma recepção moderna. Mas não abriríamos mão de cantar a música Filha, do Rick e Renner, mesmo sabendo que eu iria mais chorar do que cantar”, admite Rondon.
Imagens do casal caminhando de mãos dadas sob o pôr do sol da primavera no cerrado são de carinho, serenidade e cumplicidade. Adriane escolheu o poema Debutante, de Sérgio Antunes, e declamou para a filha. “Debutar é ver menina bonita deixar vestido de chita, tirar do cabelo a fita, vestir vestido encantado de baile, todo enfeitado, com as cores dos sonhos lindos…”
Como não poderia faltar, teve recomendação para Sara no dia do aniversário dela. “...não deixe de escolher um anjo e, ao som das harpas e cítaras, dance uma valsa e sorria muito, muito, muito…”, pediu Rondon.
“Ela foi um anjo iluminado aqui na Terra. Sou grata a Deus por ter me presenteado com a sua presença. Mesmo doente, ela deixou uma lição linda: é preciso ser feliz. Não importa a sua condição física, neurológica ou financeira”, celebra Adriane.
A festa de 15 anos era planejada pelos pais de Sara desde que ela completou 10 anos, comemorados nos parques da Disney, em Orlando. “Seria o maior baile que Brasília já viu”, diz Rondon.
Superação
Passados cinco anos da morte de Sara, o casal alterna momentos de tristezas e alegrias. Adriane tem superado a perda com a ajuda do grupo Mães de Anjo, que reúne mulheres de Brasília e do Brasil, que perderam seus filhos. “O grupo é maravilhoso. Vamos vivendo um dia de cada vez”, conta.
A história de Rondon e Adriane Sales começou há 21 anos, quando se conheceram em uma festa. O romance engatou e o casamento completa 18 anos em 15 de novembro.
Os moradores de Taguatinga viveram duas gravidezes. Na primeira gestação, Adriane sofreu um aborto espontâneo no terceiro mês. Três anos depois, um teste revelava que Sara estava a caminho.
Logo no primeiro dia da menina em casa, o casal percebeu algo estranho. Sara não chorava e dormia praticamente o dia todo, inclusive durante o banho. Voltaram para o hospital e a menina foi para a UTI, com desidratação; sofreu paradas cardiorrespiratórias e teve que ser transferida para outra unidade de saúde.
Quando recebeu o diagnóstico, o casal tomou uma decisão: “Olhei para o Rondon e disse: ‘A opção que temos é vestir a camisa, olhar para frente e pensar: hoje a temos. Amanhã, não sabemos. Então, vamos viver hoje, intensamente”.
Por conta do diagnóstico de Sara e do aborto três anos antes, o casal fez um exame genético. O resultado revelou algo absolutamente inesperado. “Geneticamente, é como se fôssemos irmãos gêmeos. Mas não temos absolutamente nenhum parentesco. Ela é de Minas e eu, de Goiás. Segundo os médicos isso ocorre duas vezes a cada 150 mil nascidos vivos”, revela Rondon. Com a incompatibilidade genética, há 75% de chance de um outro filho do casal nascer com a mesma doença ou outra enfermidade grave.
No entanto, a condição do casal pouco importava naquele momento. Com a dieta apropriada e o atendimento multidisciplinar na Rede Sarah de Hospitais, a filha de Adriane e Rondon conseguiu qualidade de vida. Aos 5 anos, dizia “papai”, “mamãe”, “vovó”, “titia”, “dá” e “quero”. Frequentou escola, onde aprendeu as letras e os números. Fez dança inclusiva e, aos 10 anos, engatinhava pela casa, subia e descia do sofá e da cama. Estava alcançando a independência, como frisa o casal.
Juntos, Adriane, Rondon e Sara viajaram para o exterior, foram à praia, conheceram restaurantes. Para a mãe, difícil escolher um momento marcante ao lado da filha. Entre tantos, Adriane fala sobre uma festa de pijama na escola. “Enquanto os amigos corriam, dançavam e brincavam, a Sara gargalhava e bailava junto, em sua cadeira de rodas”, relembra.
Três meses após completar 10 anos, Sara teve um acesso de tosse e, levada ao hospital, morreu quatro horas depois. “Ela teve uma vida plena. Levava alegria por onde passava, mesmo durante as internações. Sara nos deixou uma lição de força e coragem”, resume Adriane.
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