Desigualdades da pandemia
Quando irrompeu a pandemia, pareceu-me que seria uma doença democrática, inclusive porque começou atingindo a classe alta. Ela podia viajar pelo mundo e trouxe o vírus. Mas, com o decorrer do tempo, a situação inverteu-se e as maiores vítimas passaram a ser os desvalidos, expostos à condições insalubres de habitação, à impossibilidade de cumprir as regras de distanciamento social, à precariedade da educação e à dificuldade de acesso rápido à rede hospitalar.
Eles foram os mais manipulados e, mais uma vez, pagam o preço. Não tenho nenhuma pesquisa para respaldar a minha hipótese, mas a impressão que tenho é de que muitos morreram pela falta de presteza no atendimento. Enquanto isso, não tivemos (até agora) nenhum caso de óbito dos políticos do primeiro escalão por causa da covid-19. Alguns simularam a palhaçada de ter contraído a doença, ficaram em casa, declararam ter tomado cloroquina e depois voltaram à cena da maneira mais cínica.
No entanto, os que, efetivamente, foram contaminados, prontamente receberam tratamento nos hospitais avançados e se recuperaram sem maiores sequelas. O caso do nosso grande compositor Aldir Blanc é exemplar e me deixa indignado até agora. Apesar de ostentar um quadro de comorbidades que o colocava na condição de extremamente vulnerável, muito possivelmente, ele morreu pelo fato de não ser cuidado com a prontidão necessária.
Aldir era um craque que pertencia ao primeiro time da música popular brasileira, aquele em que jogam Noel Rosa, Ismael Silva, Nelson Cavaquinho, Luiz Gonzaga, Dorival Caymmi, Caetano Veloso e Chico Buarque, entre outros.
A vida de ninguém é mais valiosa do que a de outro. Mas, também, não é menos preciosa. Vimos representantes da música sertaneja que desdenharam da covid-19 atingidos pela doença, mas recuperados porque tinham dinheiro para pagar o tratamento em um bom hospital. Enquanto isso, a família de Aldir precisou fazer uma vaquinha na internet para levantar grana e transferi-lo para um hospital particular. A demora em conseguir leito em UTI lhe foi fatal.
Agora, Trump, o palhaço sinistro negacionista, pegou a covid-19 e, em vez de tomar cloroquina, submeteu-se aos ditames da ciência e aos remédios prescritos pelos médicos. Na hora em que o bicho pega, os negacionistas abandonam a farsa e se agarram à ciência.
Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido, saiu com outra visão sobre o sistema público de saúde e sobre os imigrantes que lhe salvaram a vida, depois de ser infectado pela covid-19. O Twitter proibiu que fossem publicadas mensagens desejando a morte de Trump.
Está certíssimo, mas devia também interditar as tuitadas dos governantes que escarnecem da doença, receitam remédios de maneira leviana e ameaçam as vidas dos cidadãos. Se eu fosse parlamentar, apresentaria um projeto para que todas as excelências contaminadas pelo vírus tivessem de disputar um leito de UTI no sistema público de saúde. Talvez, assim, mudassem de opinião e fossem mais responsáveis com a vida.
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