Oito meses após a chegada do novo coronavírus ao Brasil, muitas das consequências da infecção causada por ele ainda são desconhecidas pelos médicos. É o caso de pacientes que, mesmo com casos leves de covid-19, seguem com sequelas de dois a três meses após o contato com o vírus.
Foi o que explicou, ontem, ao CB.Saúde — parceria do Correio com a TV Brasília — o clínico geral e coordenador do pronto socorro do Hospital Santa Lúcia, Luciano Lourenço. Ele também falou sobre a gravidade da doença nos casos de pessoas obesas ou com sobrepeso, uma vez que elas apresentam um quadro inflamatório preexistente que é piorado pela covid-19. Confira a entrevista.
Sobre as sequelas, o que acontece com esse paciente depois de deixar o hospital?
Isso a gente vê em todas as parcelas, todos os tipos de enfrentamento. Não só nos pacientes graves, que passaram por internação prolongada, muitas vezes por ventilação mecânica. É uma doença que, quando o paciente necessita de cuidados intra-hospitalares, tem uma internação muito longa e, consequentemente, quanto mais você fica exposto a um padrão infeccioso, às terapias medicamentosas e à restrição ao leito, mais aumenta a chance de que, só com relação à internação, você tenha alguma sequela. Mas a gente começa a ver que, mesmo pacientes que tiveram os sintomas mais leves, que não precisaram de internação intra-hospitalar, começam a ir aos prontos-socorros dizendo “olha, tive a infecção há 60 dias, há 90” e têm queixas muito parecidas.
Ainda temos muito o que aprender. Tomara que os estudos continuem na mesma velocidade que eles estão acontecendo para que a gente entenda um pouco melhor e saiba orientar e tratar essas pessoas que estão com sequelas, com sintomas atípicos e que têm em comum a infecção prévia pela covid-19. São novos desafios que vão surgindo.
As pesquisas têm mostrado que as pessoas que estão acima do peso são mais vulneráveis ao coronavírus. Por que isso acontece?
A obesidade é uma doença inflamatória que faz com que o indivíduo, de forma geral, tenha inflamações crônicas. A infecção pelo covid-19, que é um vírus, gera inflamações de uma forma muito exacerbada, inflama o organismo como um todo. E a gente observa que os obesos, as pessoas que têm sobrepeso, por manterem um padrão inflamatório crônico, quando recebem essa carga inflamatória pelo coronavírus tendem a ter a versão mais grave da doença, têm internações mais prolongadas. Se a gente dá uma olhadinha nos números, não só aqui no Brasil, mas fora do Brasil também, quando a gente fala de óbitos, a associação entre obesidade e idade é, sem dúvida, o maior percentual de óbitos que tivemos no mundo.
Mas o jovem também é um perfil que é atingido pela relação da obesidade com o coronavírus?
Isso é outra coisa que chama a atenção. A gente vê pacientes jovens, sem nenhuma comorbidade do tipo diabetes, hipertensão, asma, simplesmente com o sobrepeso, um grupo que a gente considera que não têm um risco aumentado, cursarem com as versões mais graves da doença. Então, realmente, a obesidade, o sobrepeso, o aumento de carga, gordura no nosso organismo, é um fator que predispõe a infecções mais severas com coronavírus.
A inflamação da obesidade ao lado da covid-19 pode prolongar o tempo de internação do paciente?
Sim. Em todos os sentidos. No sentido mecânico, uma caixa torácica com uma massa corpórea aumentada pelo excesso de gordura é mais difícil de ser expandida. Então, na ventilação mecânica desse paciente o ajuste, o acoplamento desse organismo, com uma carga maior na ventilação mecânica é um pouquinho mais difícil. A gente acaba tendo que usar pressões e volumes um pouco maiores para conseguir expandir essa caixa torácica. Do ponto de vista do padrão infeccioso e inflamatório, a covid também tem uma inflamação generalizada e tem sofrimento renal, o sofrimento hepático, o intestino sofre muito, o coração sofre demais, não só para inflamação nele, mas pela carga que ele recebe de fazer a circulação acontecer num pulmão inflamado. Então, essa relação nessa parte do coração que bombeia o sangue para o pulmão sofre muito com esses pacientes obesos que têm um padrão inflamatório maior, uma carga corpórea maior e uma dificuldade, não só metabólica, mas também mecânica, de responder melhor às terapias.
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