Calor, calor, calor
Juro que tentei, cara leitora, caro leitor. Mas não consigo pensar. Quanto menos escrever. É muito calor. Muito. Ninguém devia ser obrigado a pensar num clima desses. A gente bem que podia dar uma pausa no mundo. Outro dia a gente volta. Para três dias e volta como se ainda fosse 10 de outubro. Recomeça de onde paramos.
Daí podemos procurar um lugar qualquer para deitar pelado. O chão da cozinha à beira da geladeira aberta, uma toalha molhada, sei lá. Calor, calor, calor. Tento escrever sobre alguma coisa, mas só penso no calor. E secura... Meu nariz está uma coisa, nem te conto.
O quê? Sério que choveu? Acabaram de me dizer aqui. Onde foi isso, meu Deus, que eu não vi? “Núcleo Bandeirante, Guará 2, Gama, Águas Claras e Candangolândia”, me diz um colega. Diz, não, né? Sussurra, sem ânimo algum. Quero me mudar pra um desses lugares. Instalar meu home office lá. Vou embrulhar meu laptop com Magipack e trabalhar na chuva mesmo. Talvez consiga até escrever uma crônica.
Se você conseguiu se concentrar na leitura até agora, o que acho difícil, faça uma pausa, cara leitora, caro leitor. Eu entendo. Não fico magoado, não. Feche o jornal, dobre ao meio, dobre ao meio de novo e se abane. Mexa o jornal vigorosamente bem pertinho do rosto. Tire o álcool 70 do borrifador e coloque água gelada. Enquanto se abana, jogue o spray d’água na cara. Vai te aliviar um pouco. Depois retome a leitura. Vou fazer o mesmo e ver se consigo pensar em algo pra escrever sobre...
Voltou? Também estou aqui e... Calor, calor, calor, calor. Não consigo pensar em nada, a não ser no calor. E o Inmet só confirmou o que eu já sabia. Nunca fez tanto calor em Brasília. Ontem, foram registrados 37,7ºC, recorde do ano. E o pior é que deve piorar. Não semana que vem, mas no futuro. Afinal, os donos da caneta Bic não parecem muito preocupados com o aquecimento global. Nem acreditam, parece. Na Terra plana não há efeito estufa. E toma desmatamento, toma queimada, toma carbono.
O plano parece ser este: ninguém faz sua parte e todos somos assados vivos. Uma beleza de ideia, não? Li no site deste Correio dias atrás: nunca houve na história do mundo um mês mais quente do que setembro passado. Estamos avançando a passos largos para superar o limite aceitável de aquecimento global estabelecido por quem acredita e entende do problema.
Em 2015, líderes mundiais se comprometeram a não deixar a temperatura média global superar 1,5ºC em comparação ao que os termômetros registravam antes da Revolução Industrial. A Agência Espacial Europeia, ao anunciar o recorde de calor em setembro, informou que já estamos em um planeta 1,28ºC mais quente do que no século 18. Ou seja, estamos no limiar do colapso climático e basta prestar atenção no que seu corpo está sentindo agora para concluir que estamos fracassando em impedir a tragédia.
Veja só. No fim, consegui articular algumas ideias. Deve ser o instinto de sobrevivência falando mais alto do que a vontade de entregar os pontos diante de todo esse calor. Calor, calor, calor.
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